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Supremo tribunal federal e a luta pelos direitos democráticos

Com a retomada das discussões sobre a constitucionalidade do artigo 19° do Marco Civil da Internet, a campanha contra a liberdade de expressão no Brasil se torna ainda mais intensa.

Foram retomadas as discussões pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda no final do ano passado, no marco de 10 anos da criação da Lei nº 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, acerca da sua constitucionalidade.

O STF, no dia 11 de dezembro de 2024, o julgamento de um recurso extraordinário que trata da responsabilidade das plataformas digitais sobre o conteúdo publicado por terceiros. O voto do ministro Luiz Fux, relator de uma das ações, sinaliza que ele deve seguir o entendimento de seu colega, Dias Toffoli, que considera inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet.

O ministro Toffoli argumentou que a regulamentação atual, que limita a responsabilidade das plataformas por conteúdos de terceiros, é inconstitucional, e sugeriu mudanças drásticas na forma como as empresas de tecnologia seriam responsabilizadas. Toffoli propôs, em linhas gerais, que as plataformas passem a ser responsabilizadas desde o momento em que forem notificadas, ampliando a aplicação do artigo 21, que trata do conteúdo de nudez não consentida.

De acordo com o artigo 19 da lei, as plataformas só podem ser responsabilizadas por danos causados por conteúdos de terceiros se não cumprirem uma ordem judicial para remoção do conteúdo. Essa regra foi pensada para evitar que as empresas de tecnologia se sentissem pressionadas a remover conteúdos sem uma ordem judicial, o que afetaria a liberdade de expressão.

A ideia por trás do Marco Civil era garantir que os cidadãos tivessem um espaço online livre para a manifestação de ideias, sem o temor de censura prévia ou remoções arbitrárias. No entanto, com a mudança proposta por Toffoli e, possivelmente, com o apoio de Fux, isso pode mudar completamente.

A proposta de mudança do Marco Civil feita por Toffoli não é apenas uma decisão judicial que atropela a Lei; ela se configura como uma verdadeira usurpação das funções do Judiciário, ao legislar sobre o que deveria ser debatido no Congresso Nacional.

Segundo seu artigo 1º, o Marco Civil “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria”.

Para se compreender corretamente o sentido de uma lei, deve-se entender como ela surgiu. No caso do Marco Civil, apesar de quaisquer limitações que possa ter, ele surgiu como uma iniciativa democrática, que havia sido impulsionada pela pressão da população contra a ditatorial Lei Azeredo, do então senador pelo PSDB, Eduardo Azeredo. Referida “lei” era, na realidade, um projeto de lei que tipificava como crime inúmeras condutas praticadas na Internet pelos cidadãos brasileiros. À época, recebeu a alcunha de AI-5 digital por seu potencial de cercear a liberdade de expressão.

Não foi coincidência, então, que o Marco Civil prevê, em seu art. 2º, que “a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão”.

Esse direito democrático ainda aparece no inciso I do art. 3º, assim como os direitos à liberdade de comunicação e de manifestação de pensamento:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

Além disso, ao expandir a responsabilidade das plataformas de forma tão ampla, promoverá uma onda de censura como nunca antes visto no Brasil. As empresas de tecnologia se veriam forçadas a retirar ou bloquear conteúdos preventivamente, com receio de possíveis sanções, o que pode levar à supressão total do debate político. A medida de responsabilizar as plataformas por qualquer conteúdo implica em uma vigilância constante e em uma repressão à livre manifestação, mais um ataque à Constituição Federal.

O sistema judiciário brasileiro é um sistema feito para controlar o regime político e impor uma ditadura de toga. Os juízes, que tem ganhado cada vez mais poder sobre a política brasileira nos últimos tempos, sequer são eleitos. O Estado brasileiro, em tese, é organizado com base na teoria do equilíbrio entre os três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Porém, esse último não está submetido ao sufrágio popular. Pelo contrário, depende apenas dos concursos públicos e de indicações. Se devêssemos acreditar que o estado precisa ser distribuído e organizado entre três poderes — o que não é o caso — deveríamos encarar com estranheza um dos poderes não estar submetido ao voto, e acumular tanto poder como o vimos acumular nos últimos tempos, podendo interferir e controlar as eleições para o executivo, e para o legislativo e prendendo representantes eleitos do povo, independente de sua posição política.

Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e toda a operação Lava-Jato mostraram ao Brasil até onde pode ir o judiciário. Prenderam um ex-presidente da República e impediram o candidato mais popular do Brasil a concorrer às eleições em 2018. Partindo apenas de uma força-tarefa e sem necessidade de provas, passaram sem nenhum pudor por cima da Constituição Brasileira.
Nosso sistema judiciário se renova — se é que podemos usar esse verbo para descrever a troca de indivíduos nos cargos do judiciário — na base de concursos e indicações. Esse mecanismo faz com que famílias dominem esse poder por séculos no Brasil.

Tudo isso revela a verdadeira face do Estado e do judiciário, que não é democrático, não é eleito e não permite que o povo seja representado nele.

Recentemente, caçaram mandatos de políticos de direita, bloquearam suas redes sociais, tudo supostamente em nome da “democracia”. A democracia burguesa, evidentemente, que sempre foi uma tragédia anunciada de como isso se voltaria contra a esquerda e o jornalismo independente.

Estamos diante de um processo onde a burguesia imperialista, através do judiciário, está tirando a voz do povo em geral e em particular de toda a esquerda. Não é incomum encontrar denúncias de jornalistas independentes e de esquerda moderada ou petista, como Breno Altman e Leonardo Attuch, contra a medida flagrantemente ditatorial.

O próprio revolucionário bolchevique Leon Trótski, que teve atuação ímpar durante a revolução russa e orientou partidos e grupos comunistas até a metade do último século, alertava que a liberdade de expressão deveria ser defendida até mesmo para nossos inimigos mortais, pois era questão de tempo até a censura instituída pelo Estado burguês se voltar inevitavelmente contra os esquerdistas.

A derrubado do Marco Civil da Internet interessa somente aos grandes monopólios da comunicação, como a Rede Globo, que vê no caráter democrático da Internet uma ameaça à sua concorrência; e ao imperialismo, que vê na Internet uma ameaça à sua dominação. A medida do STF é, neste momento, um duro ataque à luta contra o sionismo e contra tudo aquilo que se opõe à política criminosa do grande capital.

João Scarpanti

João Scarpanti é presidente do Partido da Causa Operária em Franca, militante da Aliança da Juventude Revolucionária, jornalista e graduando em História pela UNESP Franca. Defensor do trotskismo, luta pelo socialismo desde 2019.

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