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Ambientalismo Ideológico

Vivemos no Brasil, como na maioria dos países ocidentais, sob o regime capitalista. O Capitalismo se caracteriza pela liberdade de iniciativa da produção de bens e riquezas. Em uma definição rápida, é isso. Desde que cumpra regras da sociedade local, as leis, o indivíduo pode empreender e angariar riqueza livremente. O regime tem defeitos, um dos quais é permitir a exploração, dentro da lei, do trabalho daqueles que não detêm capital para investir. Mas a lei mitiga essa condição e tolera essa exploração, dentro de certos limites. Outro defeito apontado com frequência é permitir, embora a lei tente minimizar, a formação de grandes grupos, que dominam a economia do país, não raro o próprio país.

No Brasil temos assistido o domínio econômico do Congresso Nacional – a Câmara dos Deputados e Senado Federal – pelo poder econômico há séculos. Mas o Poder Executivo, com o controle do orçamento da União – os recursos para investimento, sempre foi um importante contraponto ao Poder do Congresso. No entanto, recentemente, nos últimos quatro anos, assistimos a uma grande virada do poder estatal no Brasil, com o aumento do protagonismo do Congresso. Os especialistas atribuem o fenômeno à fraqueza e falta de comando do governo Bolsonaro nos últimos quatro anos. O presidente nunca se ocupou de governar o país, de exercer o poder que cabia ao presidente. O Congresso aproveitou e assumiu o comando do orçamento, criando o orçamento secreto, através de alterações impostas à Lei Orçamentária, atribuindo aos parlamentares altas somas das verbas do orçamento para gastarem nas suas bases, sem prestação de contas muito claras.

Com essas verbas o Congresso se fortaleceu ao ponto de hoje praticamente dominar o Executivo. Foram eleitos deputados da chamada direita ideológica, que combate vários direitos consagrados na Constituição Federal de 1988, tais como a preservação do meio ambiente, as terras e a cultura dos povos originários. Por outro lado, defendem pautas muito parecidas com as propostas do integralismo, que surgiu entre nós na década de 1930, com Plínio Salgado, tais como defesa da família, aí entendida aquela tradicional, a propriedade e a religião. E ainda outras obscurantistas, defendidas por parte do bolsonarismo surgido nos últimos quatro anos, como a oposição à vacina, à ciência, às liberdades de gênero etc.

Mas o que tem causado preocupação é perceber que grande parte da nossa sociedade, além de viver à margem de um conhecimento mais elaborado – a maioria possui apenas uma formação básica funcional – está facilmente sendo convencida pelos interesses primários do capitalismo no que ele tem de mais selvagem, que é colocar o lucro acima de qualquer outro valor. Temos notado isso nas discussões colocadas na mídia sobre a autorização negada pelo Ibama para a exploração de petróleo na bacia do Amazonas, uma região altamente sensível do ponto de vista ambiental. Jornais importantes, como o Estado de São Paulo, nos surpreendeu no último domingo com uma manchete correspondente ao título deste artigo: Ambientalismo Ideológico. Todos que temos o hábito de ler sabemos que o jornal tem um perfil conservador. Mas o que espantou foi que o articulista parecia altamente irritado com o fato de o Ibama haver negado a perfuração de poços de petróleo na região “sem levar em conta os interesses econômicos”.

Ora, se se levar em conta sempre os interesses econômicos em primeiro lugar, não há necessidade da licença, porque todo empreendimento que a postula objetiva explorar algum interesse econômico. É preciso explicar que na maioria das vezes o que o Ibama faz é regular a forma da exploração, impondo condições, de modo que o que faz não é dizer “sim” ou “não” para o pedido de autorização ambiental. Mas, dizer que um não reiterado – porque já houve pedido anterior negado àquela exploração de petróleo – pelo órgão técnico, depois vários estudos, é posicionamento ideológico por não considerar os interesses econômicos, é assustador. É pensar que a questão ambiental deve ser considerada apenas quando não atrapalhe ganhar dinheiro.

O curioso é que o mundo está diante de uma mudança radical da matriz energética, com a substituição dos combustíveis fósseis, como o petróleo, por outros sustentáveis e menos poluentes. E, segundo informações que circulam entre especialistas, a exploração de petróleo a ser iniciada na citada bacia do Amazonas só irá produzir resultados econômicos em dez anos, quando o mundo já terá trocado o petróleo por outras fontes mais limpas de energia. Será que os nossos empresários e empreendedores estão pretendendo retroceder nessa matéria, contra o resto do mundo? Com o nosso Congresso atual, essa possibilidade, apesar de absurda, não pode ser descartada.

De todo o episódio da negativa do Ibama no caso em questão, preocupa a posição do Congresso, com maioria conservadora – naturalmente contra a preservação ambiental e todas as questões referentes aos povos originários – que está agindo como um rolo compressor para desestruturar o Ministérios do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas e outros que compõem a identidade do governo atual, vendida na campanha. E, infelizmente, o Congresso conta o com apoio de parte das bancadas tradicionalmente de esquerda e até do PT, o partido do presidente! Fato inquestionável é que quando o assunto é dinheiro, somos ideologicamente iguais, pouco importando a ideologia. O combativo senador Randolfe Rodrigues – que por causa da decisão do Ibama deixou a REDE, partido da Ministra do Meio Ambiente, conhecido por suas posições razoáveis em quase todos os assuntos que atua, que o diga!

As opiniões aqui publicadas não refletem necessariamente a opinião da Folha de Franca

Dr. José Borges

Advogado (Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca); especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Ambiental. Foi Procurador do Estado de São Paulo de 1989 a 2016 e Secretário de Negócios Jurídicos do Município de Franca. É membro da Academia Francana de Letras.

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