Opiniões

Uma seita que arrisca a república

Por Tito Flávio Bellini

Anos atrás, logo após a vitória de Lula em 2002, escrevi um artigo intitulado “A Salvação da República”. Naquela ocasião, apontava como, após anos de desmonte do estado brasileiro através das políticas neoliberais tucanas, a renovação política seria fundamental para o conjunto do país. Como de fato foi confirmado, sobretudo pelos primeiros governos do PT.

Vinte anos depois, vemos que a sociedade não avança linearmente a partir de seus ganhos econômicos, culturais, sociais. Mas ela anda em sobressaltos, idas e vindas e, às vezes, com grandes retrocessos.
Durante o período eleitoral, percorri o estado de São Paulo, do litoral à capital, de norte a sul, de leste a oeste. Visitei ocupações urbanas, centros culturais, sindicatos, quilombos, comunidades indígenas, caiçaras, universidades, bairros, praças, fábricas. E o que vi por aí foi um povo trabalhador, sendo cada vez mais explorado e perdendo condições de vida e direitos, mas disposto a lutar e resistir.

Não é possível, ético, que durante uma pandemia onde quase 700 mil brasileiras e brasileiros perderam as vidas, que os bilionários brasileiros tenham aumentado em 30% suas propriedades e riquezas, ao passo que 95% do povo brasileiro teve uma brutal piora no seu nível de renda. Assistimos nos últimos anos cerca de 25% do povo brasileiro passar por insegurança alimentar, com o retorno pesado e veloz do país ao chamado mapa da fome.

Não é moralmente aceitável que os exportadores de commodities continuem a não gerar nada para o país, nem no recolhimento de impostos sobre suas transações comerciais, nem sobre seus latifúndios. Enquanto temos reajustes anuais em nosso IPTU os grandes proprietários não têm reajuste algum sobre o Imposto Territorial Rural desde 1973. Para termos uma ideia, o que é arrecadado em IPTU na cidade de São Paulo equivale a todo ITR pago no Brasil pelos proprietários rurais. Trata-se na realidade de grandes “desertos verdes”, que não geram empregos nem impostos para o país.

Ao tratarmos uma importante esfera da vida, a política, como seita, impregnando-a de irracionalismo e exaltando a ignorância, o “achismo”, o preconceito e o fanatismo, colocamos em risco não apenas um determinado modelo político, mas a sobrevivência de toda a sociedade.

A vitória incontestável de Lula nas urnas, quando pela primeira vez desde a redemocratização um presidente em exercício perdeu a reeleição, mesmo com abuso de poder, uso da máquina, compra de votos e o uso do terror, demonstra que a maioria da sociedade brasileira e da classe trabalhadora está cansada. Não só da política de ódio, mas da também da perda sucessiva de direitos sociais, da piora das condições de vida, da destruição de sua condição humana de sonhar e ter um futuro digno e justo.

A reação golpista, discriminatória e autoritária por amplos setores bolsonaristas reforçam seu viés fascista e criminoso. Não é uma resistência civil, como muitos fanáticos estão dizendo, mas uma tentativa de golpe, uma resistência burguesa à democracia política. Demonstram como segmentos de setores econômicos ainda estão alicerçados na herança escravista brasileira e no cotidiano autoritário e ditatorial que fundamenta seu funcionamento, inclusive familiar.

O que temos visto nos bloqueios recentes é a utilização de caros equipamentos agrícolas, tratores, colheitadeiras, retroescavadeiras, financiados ainda economicamente por empresários de todos os portes, alimentando o delírio que o clã Bolsonaro e seus cúmplices criminosos semearam nos últimos anos.
O viés totalitário que busca impor sua vontade pelo medo, pelo ódio, pela ameaça econômica e física, não é novidade na América Latina. Cumpre a quem tem responsabilidade e compromisso social com a classe trabalhadora, com o povo brasileiro e com o país, resistir com toda força e com os mecanismos que dispor.

Enquanto a seita burguesa bolsonarista tenta empurrar o país para uma guerra civil e para o extermínio físico da oposição “em nome de deus”, cumpre aos democratas avançar sobre esse perigo nefasto que praticamente esfacelou nossa nação.
O bolsonarismo neofascista precisa urgentemente ser combatido com todas as forças, pois é calcado em o que há de pior da sociedade e da história da humanidade. O que está em jogo não é um projeto político, mas a República e a sociedade brasileira.

Não é possível continuarmos com classe trabalhadora carregando nas costas uma burguesia brasileira parasita, racista, escravista, arcaica, preconceituosa. Passou da hora da verdadeira abolição ocorrer em nosso país, trazendo justiça, democracia e esperança para quem efetivamente trabalha e produz a riqueza nacional.

E isso virá, pelas mãos organizadas da própria classe trabalhadora, que está desmanchando bloqueios e avançando em todo o país, defendendo o resultado das urnas, a democracia e o futuro de nosso país.

Tito Flávio Bellini
Doutor em História, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM.

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