Opiniões

Minhas caminhadas matinais – a rotina

Todos os dias pela manhã tenho saído para correr. Já vai para ano e meio. Ritmo lento, é verdade, apenas meia hora, um hábito meio às avessas adquirido na pandemia. Sem muito o que fazer, resolvi dar cabo daquela barriguinha adquirida com muito sacrifício nos bares e festas da vida. Obviamente, pensei também na saúde, aquele medinho normal em face a um inimigo invisível.

Apesar de só receber elogios por isso, confesso que acho bem chato. Alguns amigos tentam me convencer que eu já gosto de correr, mas isso talvez seja coisa para se resolver em um divã ou em um bar. Para mim é um remédio mesmo, um porre, daqueles bem sem graça, que nem deixam uma leve ressaca para o arrependimento.

Acordo sempre às 6h da manhã. Alongamentos rápidos, água no rosto, higiene bucal, aquela olhadinha desanimada no espelho, tentando enxergar a coragem da alma, e logo estou na cozinha cortando frutas e preparando o café da manhã. Depois de tudo pronto, calço meu tênis, estico mais um pouquinho e me lanço rapidamente no asfalto, antes que qualquer simples motivo me convença a retornar.

Como todo começo, há sempre o desafio da inércia, essa triste realidade da física. Mas logo vou passando pelas inúmeras construções que avançam pelo bairro e os “bons dias” trocados com os pedreiros vão aplacando meu suposto sacrifício. E assim vou seguindo, correndo sempre pelo mesmo caminho, passando pelos mesmos lugares, nos mesmos horários, cruzando com as mesmas pessoas e olhando as mesmas paisagens.

Há algum tempo, no entanto, me chamou a atenção o comportamento de um trabalhador. Quando passo por ele, vejo-o sempre sentado na sarjeta, esperando a chegada de seus companheiros. Seu corpo está sempre na mesma posição. Costas curvadas e um olhar fixo para o chão, com a cabeça um pouco virada para a direita. Seus pensamentos parecem furar o asfalto e invadir as profundezas do terreno, como se estivesse procurando alguma saída.

Sempre solto um bom dia animado (já estou quase no final da corrida!), mas não ouço nada em resposta, nem percebo o menor movimento. Ele continua na mesma posição, totalmente absorto em seus pensamentos. Parece estar prestes a tomar uma decisão importante, porém sempre adiada para o dia seguinte. Sua imagem transparece claramente o eterno dilema que com certeza vive dentro de cada um de nós: o dilema da ação e do simples sonhar, muito bem traduzido pela escultura O Pensador, de Auguste Rodin.

Quando passo por ele, fico pensando em sua rotina pesada de trabalhos manuais e cansativos. Continuo a corrida imaginando sua jornada diária, a mesmice dos tijolos sobre tijolos, sem muitas saídas para outras jornadas. E fico a me perguntar o que aquela mente humana estaria pensando dentro daquele corpo emoldurado na sarjeta?
Mas, de repente, chego a uma esquina (ah! as esquinas!!! como são importantes na vida!!!). Ao virá-la, comecei a pensar no que ele poderia estar pensando sobre mim. “Quem seria esse cara que se arvora a corredor? Todos os dias passando por aqui e me jogando um distante bom dia! Que cara mais previsível! Mesmo horário, mesmo tom de bom dia, mesma velocidade das pernas! Será que ele não poderia passar por aqui calado, sem querer distribuir qualquer simpatia?

Ao pensar nessa possibilidade, confesso que acelerei minhas passadas, como um burro velho voltando para o curral. A despeito de todas as diferenças, fiquei pensando sobre como somos rotineiramente iguais.
O bom é que cheguei mais rápido, como se tivesse mudado um pouquinho minha já cansada rotina.

Mauricio Buffa

Especialista em generalidades. Muitos anos de estudo e trabalho, desafiando ideias e colhendo incertezas. Cada vez mais convicto de que o universo é uma harmonia de contrários!

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