Governo Lula e seus 100 dias: entre a conciliação e o neoliberalismo
No ano passado, para derrotar Bolsonaro, formou-se uma frente ampla com um objetivo determinado. Foi uma disputa eleitoral dura, em que o principal inimigo era justamente o fascismo. Quando Bolsonaro anunciou a vitória por uma margem pequena, sendo o segundo colocado mais bem votado da história, a sensação de alívio foi geral. Muitos sonharam com grandes mudanças, enquanto outros, como este que escreve este pequeno artigo, sabiam que os próximos anos seriam muito difíceis e cheios de contradições.
A base social que elegeu Lula foi exatamente a mesma que Bolsonaro atacou duramente durante seu mandato, sendo chamada de minorias, e que fizeram oposição ao ex-presidente, conseguindo bancar a vitória em segundo turno do petista.
Nesses 100 dias de governo, Lula tem cumprido o que havia prometido para essa base social: atender suas demandas e pautas e recolocar alguma civilidade no trato e no debate político. E ele tem cumprido, fazendo diversas operações para combater os garimpeiros em terras indígenas, para combater o trabalho análogo a escravidão, aprovando leis que ajudam no combate à violência contra a mulher e reorganizando o Bolsa Família.
Qualquer avanço na área social é sentido quase que instantaneamente, uma vez que Bolsonaro literalmente acabou com todas as políticas sociais e, em alguns casos, até mesmo as estrangulou, causando o colapso social que sentimos nos últimos anos.
Na outra ponta dessa aliança, para conseguir eleger Lula, estão setores neoliberais que vão desde grandes capitalistas, empresários do agronegócio, a grandes banqueiros e operadores do mercado financeiro. Esses setores vêm atuando na política brasileira para fazer avançar as privatizações e desregulamentação do mercado de trabalho.
Esses mesmos setores que são ligados aos grandes capitalistas promoveram, fustigaram e organizaram o golpe contra Dilma em 2016, levando o país ao caos social que vivemos nos últimos 6 anos.
O centrão tem nesse setor a referência econômica, inclusive a bancada que representa o setor do agronegócio, está localizada nos partidos que são considerados de centro. Assim, a relação entre os grandes capitalistas e os partidos de centro é orgânica e respaldada por uma ideologia neoliberal.
O governo Lula, ao não fazer o divórcio com esse espectro político, sinaliza que não fará alterações na condução da economia, seja na sua estrutura, seja na sua concepção. Apesar de, para atender a base social, Lula, pelo menos nesse momento, irá segurar as privatizações, a principal contradição está no mercado de trabalho, que nesse momento encontra-se desregulamentado e com os trabalhadores com os direitos reduzidos.
A esquerda, por outro lado, faz a crítica de forma superficial da questão. A quantidade de zeros que terá depois da vírgula, seja na taxa de juros, seja nos superávits fiscais e externos, não altera em nada a situação delicada pela qual a classe trabalhadora passa neste momento. A principal contradição do governo que se formou há 100 dias será, até o fim do seu mandato, lidar com contradições tão evidentes entre setores populares, que são sua base social, e os interesses dos grandes capitalistas.
Existe um limite para a conciliação promovida pelo PT e pelo governo. Até o momento, em função do momento difícil anterior, atender às pautas urgentes das classes populares tem surtido efeito para manter a base unida. No entanto, a falta de revogação da reforma trabalhista e o não rompimento com o neoliberalismo podem resultar em crises estruturais no mundo do trabalho, possibilitando assim o retorno da extrema direita ao poder.
A saída para a classe trabalhadora e para a esquerda preocupada com transformações profundas e reais da sociedade é construir alternativas e projetos que visem o empoderamento dos trabalhadores e das classes populares. O pós-Lula pode ser muito duro para a classe trabalhadora brasileira.