Opiniões

Educação e Liberdade

Na semana passada fui com minha esposa ao supermercado do bairro em que moramos. Fui como companhia, porque passava um pouco das dezoito horas. Fiquei no carro estacionado em frente, enquanto ela desceu para pegar algumas coisas, com sua máscara, porque ainda estamos no pico da pandemia do corona-vírus. Na calçada em frente à porta havia uma bicicleta tombada, atirada de qualquer jeito, atrapalhando a passagem. Mas, logo apareceu um rapaz, de uns vinte e poucos anos, sem máscara e se aproximou dela. Usava um conjunto jeans surrado e uma touca esfiapada na cabeça. Antes de apanhá-la, colocou alguma coisa no bolso, desembrulhou uma barra de cereais, ou de chocolate, atirou a embalagem no chão e botou o alimento na boca. Em seguida, montou na bicicleta, ainda sobre a calçada e saiu na contramão.

Um automóvel que passava fez uma rápida manobra para um lado, para não atingi-lo. A reação natural que costuma me ocorrer nessas situações é uma grande indignação. Mas, desta vez, talvez porque estivesse num momento de calmaria do fim de tarde, me mantive calmo. Possivelmente aquele jovem trabalhe em uma das fábricas de calçados do bairro, ou nalguma construção civil por ali. O seu jeito não era arrogante, mas despreocupado. Ao que pude deduzir, ele nem tem muito clara a importância de usar máscara para se proteger do corona-vírus. A sua bicicleta não me pareceu veículo de manobras radicais nas ruas, mas meio de transporte. Estava na calçada à vista dos caixas da loja para não ser furtada, não como sinal de desrespeito às normas de convivência social. Deve ser um dos milhões de brasileiros cuja principal atividade é o trabalho como meio de sobrevivência. E possivelmente abandonou a escola antes do ensino médio. Como exigir consciência ambiental, comportamento social adequado de quem não tem o básico, que é uma educação efetiva?    

            Paulo Freire, filósofo e educador brasileiro, ensina que a educação liberta. Que só uma educação emancipatória é capaz de fazer o povo evoluir de uma consciência ingênua a uma consciência crítica, capaz de transformar o oprimido em sujeito da sua própria história. Enfim, que é preciso educar para que o povo participe da sociedade em que vive com consciência, e não como mero prestador de serviços.

            Não é difícil perceber que quem tem melhor educação, melhor formação, vive melhor e decide melhor o seu próprio destino. No Brasil, infelizmente, educação não é prioridade há séculos. Obviamente, por ser mais fácil governar pessoas ingênuas, que acreditam em mitos, em defensores dos pobres, em caçadores de marajás.

            Coincidência ou não, no ano passado o Sr. Abrahan Weintraub, Ministro da Educação criticou os métodos da pedagogia proposta por Paulo Freire, atribuindo a ele o fracasso da educação no Brasil. Pelo visto, o tosco Ministro, que acabou no olho da rua pouco tempo depois, nunca leu uma só linha da obra do patrono da educação brasileira. Pior ainda é o que anda dizendo o atual Ministro da mesma pasta, que afirmou haver lido a Pedagogia do Oprimido e garante que o método de Paulo Freire adota valores do marxismo, requentando uma antiga polêmica nascida justamente da referência à educação como forma de libertação…

Dr. José Borges

Advogado (Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca); especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Ambiental. Foi Procurador do Estado de São Paulo de 1989 a 2016 e Secretário de Negócios Jurídicos do Município de Franca. É membro da Academia Francana de Letras.

Um Comentário

  1. As observações do autor são extremamente pertinentes, pois o povo continua a ser tangido com pão e circo em detrimento de uma formação moral sólida, capaz de alterar os rumos desta nação.

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