Quando o mito cai: O novo Mundial de Clubes que feriu o trono europeu

O novo Mundial de Clubes da FIFA, estreado neste ano, trouxe um ingrediente a mais do que a já esperada emoção do futebol: trouxe questionamentos profundos — e incômodos — sobre as crenças que nós, brasileiros, passamos a cultivar sobre nós mesmos. E talvez, como diria Nelson Rodrigues, o “complexo de vira-lata” tenha entrado em campo com chuteiras novas, mas tomado um belo drible da realidade.
Durante muito tempo ouvimos — e repetimos — que o futebol europeu é inalcançável. Um Olimpo futebolístico onde moram deuses inatingíveis. Uma narrativa cuidadosamente construída, não apenas no campo, mas nos gabinetes da UEFA e nos escritórios das agências de marketing esportivo global. Afinal, não se trata apenas de futebol. Trata-se de mercado, influência, consumo. Trata-se de grana. Muita grana.
A Champions League, é vendida como o auge do futebol mundial. O Real Madrid, sozinho, ostenta uma folha salarial anual de R$ 1,788 bilhão. O Manchester City, PSG e Chelsea, outros colossos do bilhão, Assim como os gigantes da Europa possuem fãs espalhados pelo mundo inteiro. É o velho truque: exporta-se a marca, vende-se a superioridade.
Mas o Mundial de Clubes da FIFA de 2025 bagunçou a narrativa. De repente, os deuses olímpicos desceram à Terra — ou melhor, ao gramado — e começaram a tropeçar.
Vamos aos fatos.
Na fase de grupos, tivemos resultados impensáveis para os pregadores do “futebol europeu invencível”: Botafogo 1 x 0 PSG, Flamengo 3 x 1 Chelsea, Fluminense 0 x 0 Borussia Dortmund, Palmeiras 0 x 0 Porto. Na fase de mata-mata, o Fluminense venceu a poderosa Inter de Milão por 2 a 0. Apenas o Bayern, entre os gigantes, fez jus à expectativa e venceu o Flamengo por 4 a 2.
É claro que não se trata de negar a qualidade do futebol europeu. É excelente, é organizado, é moderno. Mas afirmar que é inalcançável — ou infinitamente superior — começa a parecer mais uma crença vendida do que uma realidade comprovada. E é aí que o jogo muda.
O império da UEFA e o marketing da superioridade
A UEFA sempre soube o que estava fazendo. Com a hegemonia europeia dos clubes mais ricos, tornou a Champions League um produto global. E como todo bom produto global, precisa de uma narrativa que sustente seu valor. No caso, a ideia de que os clubes europeus são os melhores do mundo — indiscutivelmente.
Essa narrativa, claro, ajuda a vender camisas dos clubes europeus e assinaturas pay-per-view para acompanhar a Champions, no mundo inteiro. Mas também serve para justificar os orçamentos bilionários, os salários astronômicos e as cifras absurdas em patrocínio. Um negócio de bilhões que depende, em última instância, da crença de que ninguém mais pode competir.
Por isso, a FIFA acertou em cheio ao criar a nova Copa do Mundo de Clubes. Ela não é apenas um torneio: é um desafio à hegemonia da UEFA. Um palco global, onde os times europeus têm que enfrentar adversários de geografias onde muitos de seus próprios fãs vivem. E o que aconteceu? Os gigantes começaram a tropeçar.
A autoestima em campo — e na arquibancada
Talvez o dado mais chocante desses resultados nem esteja no placar, mas na reação do torcedor brasileiro. Ainda que estejamos vendo nossos clubes vencerem adversários bilionários, a sensação generalizada é de surpresa. De incredulidade. Como se disséssemos: “Ué, a gente pode ganhar deles?”
Sim, podemos. E isso não é arrogância, é apenas voltar a enxergar a realidade com menos filtros eurocêntricos.
Veja o caso do Botafogo, que venceu o PSG — clube de R$ 1,2 bilhão em salários anuais — com um elenco que custa uma fração disso – R$ 143,6 milhões anuais, para ser mais preciso. Ou do Fluminense, que bateu a Inter de Milão. Ou do Flamengo, que humilhou o Chelsea. Clubes que, nos últimos anos, passaram a investir melhor, profissionalizar suas gestões, organizar suas finanças e, principalmente, acreditar no seu próprio potencial.
É essa a diferença. Quando há boa gestão e investimento racional, o futebol brasileiro mostra que pode sim competir de igual para igual, ao menos, com os times da segunda prateleira do futebol europeu. Ou, como temos visto, até sair vencedor.
Mas a questão é mais profunda: será que essa baixa autoestima — que não condiz com a realidade — está limitada apenas ao futebol?
De chuteira ao paletó: o complexo de vira-lata como política de Estado
A comparação pode parecer exagerada, mas não é: será que, assim como no futebol, o Brasil não adotou essa falta de confiança em todas as outras áreas?
Afinal, o país que fabrica aviões da Embraer respeitados no mundo inteiro, que tem uma das maiores produções agrícolas do planeta, que possui centros de tecnologia de ponta e profissionais de excelência em diversas áreas, vive num eterno discurso de auto-flagelo.
Talvez o problema nunca tenha sido a nossa capacidade, mas sim a governança — ou melhor, a falta dela. No futebol, vemos o que acontece quando se coloca gente competente no comando: o Botafogo volta a disputar títulos, o Flamengo e o Palmeiras entram no hall dos gigantes e viram um exemplo de estrutura. Por que seria diferente no restante do país?
O problema é que o povo ainda não aprendeu a escolher bem seus representantes e administradores. E não importa se o farsante vem com bandeira vermelha ou verde-amarela: o efeito é o mesmo. A incompetência é ecumênica.
Será que se passássemos a colocar gente inteligente, técnica e bem intencionada para administrar o país, talvez não estivéssemos disputando espaço entre as potências mundiais em tecnologia, saúde, educação e inovação?
No entanto, ainda preferimos acreditar — como no futebol — que somos pequenos demais para isso. E assim, seguimos nos sabotando.
Se o futebol pode ensinar algo ao Brasil — é que não precisamos ser colônia de ninguém. Nem no campo, nem na economia, nem na política. Basta, talvez, colocar as pessoas certas nos lugares certos.
Sem mencionar que os presidentes das ligas europeias como a LaLiga da Espanha, informou que fará de tudo para acabar com este novo formato de mundial, sobre pretexto de que atrapalha a sua liga e o desempenho dos jogadores que nela atuam, usando como argumento o aumento de lesões nos jogadores, além de que sugere que o valor de premiação do novo formato de mundial de clubes é muito alto para os times que estão participando, argumentando que haveria disparidade em relação a equipes espanholas que não puderam participar, podendo haver prejuízo a elas umas vez que a renda não seria a mesma. Usando assim de fundamentos genéricos para apontar de forma negativa que o novo formato do mundial não é bom, mas na verdade sabemos que este novo formato, mostra que a Europa não é isso tudo, é mostra que eles também não são invencíveis.