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O Parque do Líbano

No final dos anos noventa, assumi a Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Franca, no governo de Gilmar Dominici (PT). Havia dezenas de grandes voçorocas dentro da área urbana, muitas colocando em risco os moradores próximos. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT havia iniciado um trabalho de mapeamento dessas ravinas na gestão anterior e demos continuidade. A responsável era a geóloga Kátia Canil, que depois foi professora da Universidade Federal de SP, precocemente falecida. Em conversa com Kátia, ficou claro que o problema da voçoroca do Líbano era urgente e uma solução teria que ser buscada. Na época, estava se iniciando a estruturação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Sapucai-Mirim/Grande e, pela primeira vez, conseguimos um financiamento a fundo perdido do Comitê para ao menos conter a situação dramática do local, com a erosão se aproximando das casas e colocando os moradores e suas moradias em alto risco no período chuvoso.


O projeto, elaborado por engenheiros da própria Prefeitura, foi executado pela municipalidade durante vários anos, aproximadamente um milhão de dólares foi investido na operação ao longo de três anos. A obra consistiu em sanear e estabilizar o local estruturando a drenagem e a construção de vários platôs e seus taludes. Com isso, nenhum risco mais havia aos moradores do entorno, dando-lhes segurança para continuar vivendo ali. No entanto, ao se esgotar o financiamento, não foi possível avançar mais na direção prevista de um parque na área, uma das mais bonitas visuais da cidade, está no ponto mais alto dela. Gilmar deixou essa boa herança, reforçada na Lei do Plano Diretor, nomeado pela Câmara como Parque Lúcio Costa em homenagem ao autor de Brasília. Infelizmente, nenhum prefeito subsequente deu continuidade ao projeto do parque, a área foi abandonada, servindo até hoje de depósito de lixo para porcalhões.



Diante dessa triste realidade, em 2021 coordenei a montagem de um grupo voluntário de profissionais (onze ao todo, engenheiros, arquitetos e outros) para elaborar gratuitamente (isso mesmo, gratuitamente) um projeto do parque para a Prefeitura. Ainda não estava claro que o atual prefeito de Franca fosse um negacionista climático. Ingenuidade minha, talvez. Tinha um vice admirador da ditadura mas que havia sido isolado no governo. O vice era (e continua sendo após a reeleição) apenas um nome na folha de pagamento da Prefeitura, só convocado para representar o prefeito naqueles eventos que o alcaide quer fugir, não tem nenhuma função executiva ou ingerência administrativa.

O fato é que, após tratativas com o prefeito, sugerimos que poderia construir o parque como parte das comemorações dos 200 Anos de Franca em 2024 e após alguns meses lutando com a burocracia para enfim assinar os contratos de trabalho voluntário, iniciamos os estudos. Foram quase dois anos de atividade do grupo, incluindo enquetes com os moradores vizinhos, reuniões com a equipe do secretário de Meio Ambiente Eder Brazão (substituído por Rui Engrácia) e de projeto. Quando o projeto básico ficou pronto, deparamo-nos com a impossibilidade de fazer o projeto executivo como seria necessário para orçar e licitar, era preciso ter uma sondagem da área e um levantamento topográfico atualizado, inclusive com a locação das redes subterrâneas de esgoto e drenagem existentes.



Em plena pandemia, marcamos uma apresentação do projeto básico para o prefeito Alexandre e pedir a sondagem. No dia marcado, ele não apareceu, enviou um representante do gabinete que, ao final fez dois comentários: “Mas vocês fizeram apenas os desenhos? Quanto custa o parque?”.
Sim, eram “apenas” desenhos. Só saberíamos quanto custaria quando a Prefeitura fornecesse uma sondagem para o projeto executivo, não tínhamos como orçar sob risco de errar muito. A Prefeitura se recusou a fazê-la e morreu ali a tentativa de construir mais um parque na cidade.


Sabe-se que a Prefeitura agora pretende dar um outro uso ao local: uma pista de kart cross. Caso isso se concretize, digo apenas que trata-se de área muito sensível e que contém as nascentes do córrego do Cubatão, será algo bastante inapropriado em tempos de crise climática. Porém, pelo histórico recente das iniciativas do governo municipal, ao invés de árvores, vegetação, locais para desfrute de idosos e crianças, colocar barulhentos carros movidos a petróleo esparramados sobre nascentes de água é compatível com o agora evidente negacionismo da emergência climática pelo atual prefeito da velha Franca do Imperador.

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

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