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O papel da Cultura no governo Alexandre

Durante as eleições de 2020, por conta da legislação eleitoral, o atual prefeito de Franca, Alexandre Ferreira, depositou na Justiça Eleitoral um Plano de Governo (PG) contemplando propostas para as diferentes áreas de atuação do governo municipal, um conjunto de ideias para convencer o eleitorado de que seria o melhor para administrar a coisa pública e o orçamento municipal. Deu certo. Venceu sua opositora no segundo turno e pela segunda vez virou prefeito da velha Franca do Imperador.

Agora, em busca de um terceiro mandato, deve participar novamente das eleições com grandes chances de vencer, já que sua candidatura é direitista e de continuidade numa cidade conservadora, tendo como oposição a extrema direita e uma dividida oposição à esquerda.

Nos últimos anos, tenho me dedicado bastante ao desenvolvimento da arte e da cultura local através do Laboratório das Artes, movimento cultural que participo desde os anos 1980, o que me levou a analisar o Plano de Governo de Alexandre sob esse prisma.

Logo no início do mandato, o prefeito isolou seu extremista vice-prefeito, mas isso não se refletiu no apoio à cultura. O texto do PG de Alexandre inicia com a proposta de “fortalecer as ações culturais já existentes – Orquestra Sinfônica de Franca, Orquestra Jovem, Projeto Águas de Março, Feira do Livro”. Infelizmente, ocorreu o contrário em sua gestão. O apoio às orquestras foi descontinuado, o “Águas de Março” nesse ano foi reduzido a menos de uma semana de atividades escolhidas por edital bastante criticado pelos artistas. Feira do Livro nem se ouviu falar.

O texto de Alexandre falava na criação de uma série de projetos para levar a arte francana aos bairros: “Arte e Cultura nos Bairros, Mobilidade para o Teatro de Rua, Divulgando Artes e a Escola de Arte nos Bairros, além de oficinas com espaço e estrutura condizentes com a apresentação de artistas renomados trazidos a Franca para troca de experiências”.

Esses projetos nunca constaram no orçamento municipal. Existiram algumas atividades esparsas nesse campo desenvolvidas isoladamente pelos artistas locais de forma individualizada, desconectados e sem qualquer articulação maior entre si através de projetos contemplados em editais de fomento financiados pelas Leis Federais de Cultura (Aldir Blanc e Paulo Gustavo) e pelo pequeno recurso municipal disponibilizado anualmente pela “Bolsa-Cultura”. Só para constar, o valor que será despendido pela Prefeitura num único “monumento” à conquista do mundial de basquete é metade do orçamento anual reservado ao Bolsa-Cultura. O orçamento da FEAC em 2024 destina 12 milhões para o esporte e 3 para a cultura, mostrando que falta vontade política em ampliar o investimento em arte e cultura.

Outros projetos que constam do PG sequer foram cogitados durante o governo, a “criação da Escola Municipal de Artes, a instalação de equipamentos para a criação artística nas áreas de Artes Plásticas, Fotografia, Música, Teatro, Dança, Circo e Audiovisual”. Talvez as únicas iniciativas nesse campo, se é que se pode dizer isso, sejam a recuperação da já existente Praça da Juventude no Jardim Redentor e um pequeno espaço no Parque Caxambu.

O pior está na manutenção. Estava prevista no PG a “manutenção e ampliação das estruturas culturais já existentes, como Museu, Bibliotecas públicas e Arquivo Histórico”. Ao contrário, a situação de quase calamidade em que se encontram instituições e prédios tombados como patrimônio histórico da cidade como o Champagnat (com trechos interditados), o Museu histórico (sem funcionários) e o acervo da Pinacoteca municipal levaram o Conselho Municipal de Cultura a reclamar ao Ministério Público providências para fazer a Prefeitura criar mecanismos de salvaguarda dos arquivos em risco. Diferente de um edifício, que pode ser restaurado e recuperado, uma obra de arte ou um documento histórico em papel, caso destruídos, não permitem serem refeitos, a perda seria definitiva causando enorme prejuízo à memória local.


A criação do FestCultura (Festival de Cultura de Franca) não foi em frente. O incentivo previsto na “promoção de movimentos de cultura popular como Feiras de Artesanato, Carnaval, Hip Hop, Rap, Cosplay, Break, Capoeira” também não se efetivou. A Feira de artesanato da Praça Carlos Pacheco praticamente deixou de existir e o Carnaval não tem sido apoiado. Não se tem notícia da “adequação de locais já existentes, como salas de aula de escolas municipais, centros comunitários e associações de moradores para exibição de filmes educativos para pais de alunos e moradores locais”.

Por fim, o PG de Alexandre previa o “desenvolvimento de site específico de Arte e Cultura, contendo o cadastro dos artistas locais, agenda de eventos, informações e divulgação das ações culturais de Franca”. Isso não aconteceu e um incompleto site de cadastro cultural lançado no governo anterior desapareceu sem deixar vestígios. Recentes notícias do governo sobre a elaboração de um Plano Municipal de Turismo não deu nenhuma pista sobre o papel da cultura nele.

Enfim, embora o PG nada dissesse sobre a preservação do patrimônio histórico local, neste período em que a cidade comemora 200 anos de elevação a vila, o governo Alexandre investiu exclusivamente na recuperação da antiga estação ferroviária da Mogiana num projeto que não ouviu as demandas de artistas e produtores de cultura, mas as obras estão atrasadas e sem data para ser colocado a serviço da população.

A cultura é a base para as relações sociais, é fundamental para gerar sensação de pertencimento a uma comunidade. Sem investimento em arte e cultura, a vida fica mais pobre, resumida aos aspectos apenas materiais. O governo de Alexandre sequer vislumbrou as enormes potencialidades da chamada “economia criativa” no desenvolvimento local.

Sem um Plano Municipal de Cultura (obrigatório para ter acesso a recursos federais) que defina prioridades, estratégias de ação e articulação com outros setores da economia, que viabilize buscar recursos de outras fontes que não do orçamento público, que articule cultura, turismo e desenvolvimento econômico e social, continuaremos na situação atual, de quase invisibilidade da produção cultural local e uma insustentável “política de eventos” ao estilo Expoagro.

Sugiro humildemente ao prefeito que repense fortemente a relação do governo municipal com a arte e a cultura, caso receba um novo mandato dos francanos.

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

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