O Brasil e a construção da nova Anistia Política
Anistia é o perdão concedido por um governo a um grupo ou classe de pessoas que cometeu crimes políticos ou conexos. A pessoa que recebe esse favor tem seus crimes apagados e sua ficha criminal limpa, tornando-se criminalmente primária novamente. É um recurso extremo empregado nos momentos em que a sociedade se apresenta convulsionada, sob risco de estagnação ou distúrbios. Uma ferramenta de pacificação social. O formato traz sua origem de períodos de transição de regimes, guerras, grandes comoções públicas, ou perturbações generalizadas da ordem. O primeiro caso de anistia do qual se tem notícia ocorreu na Grécia, no ano 594 a.c., quando Sólon – governador de Atenas, histórico como legislador, fundador da democracia e considerado um dos sete sábios daquela nação – perdoou crimes e faltas semelhantes sentenciadas por seus antecessores.
No Brasil, os registros históricos revelam já terem ocorrido 48 anistias, sendo a primeira em 1898 e a última em 1979. Casos como a revolta da Chibata (1910), levantes militares de diferentes motivações, depois de reprimidos, acabaram com seus praticantes recebendo o perdão oficial. Ocorreram casos como a revolta de membros da Aeronáutica , que pretendia impedir a posse de Juscelino Kubistchek, eleito em 1955, e o próprio presidente os anistiou em nome da paz nacional.
A grande anistia brasileira foi colocada em vigor no dia 18 de agosto de 1979, pelo então presidente João Batista Figueiredo, o ultimo do ciclo militar de 1964 e é tida como a indutora do “fim da ditadura”. Durante os 45 anos que nos separam daquela data, o País viveu o seu mais longo período democrático e hoje enfrenta problemas. São presentes a polarização e prisões políticas, Com a Anistia, foram libertados 100 ´presos políticos, puderam voltar 2 mil exilados e grande número de clandestinos que, embora vivessem no País, o faziam escondidos. Todos readquiriram a cidadania e puderam seguir a vida. Foram reintegrados aos seus postos – nas Forças Armadas e no Serviço Público – milhares de servidores que sofreram punição em razão de divergências políticas com o regime militar. Boa parte dos líderes políticos anistiados voltaram a atuar e alguns chegaram até à presidência da República. Os acontecimentos dessas ultimas décadas nos trouxeram outros problemas e hoje o País vive a polarização política, denúncias e processos relativos a tentativas de golpe. A baderna de 8 de janeiro de 2023 – contra o governo do presidente Lula foi interpretada como tentativa de golpe e instabilização do regime e já possui centenas de condenados e processados aguardando julgamento. Sem perda da perspectiva histórica, vivenciamos hoje novas propostas de anistia, hoje em favor dos participantes de 8 de janeiro e outros envolvidos no seu enredo – inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais de três dezenas de militares – entre eles o general Braga Neto, de quatro estrelas – que se encontra preso preventivamente.
Tramitou nos últimos meses pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara o projeto que concede anistia aos implicados em 8 de janeiro. Diante de outras matérias em andamento, foi protelado e deverá voltar nos próximos meses. O tema conta com o apoio dos parlamentares de direita e a oposição do Partido dos Trabalhadores, curiosamente, abriga muitos dos beneficiários da Anistia de 1979. então beneficiados com o perdão oficial e agora tenta interrompê-la. Também tem a oposição de membros do Judiciário. Pautá-lo ou não será atribuição do próximo presidente da Casa, a ser eleito no começo do ano legislativo de 2025. A divergência de opiniões não é novidade. A Anistia de 1979 começou a ser gestada em 1975 e teve muitos opositores que, ao final, concordaram com sua adoção pela pacificação política nacional. Os contrários mais radicais acabaram derrotados no voto. Isso é o que poderá acontecer numa futura votação.
Espera-se que, normalizada a relação política entre as diferentes correntes, a Nação possa passar um bom tempo antes que novas divergências e interesses voltem a azedar as relações. Vale destacar que todas as vezes em que ocorreu Anistia é porque o paciente cometeu crime e só pode deixar de ser punido se obtiver o perdão. Na grande Anistia promovida pelo general Figueiredo, muitos dos envolvidos restavam com as mãos cheias de sangue, pois mataram, sequestraram e cometeram crimes contra a vida e a integridade física de seus adversários ou vítimas, coisas que não aconteceram em 8 de janeiro de 2023, que mais pode ser chamado de baderna do que de golpe. Que os congressistas que nos próximos meses deverão tratar do assunto, sejam iluminados e conscientes de que não têm o direito de fazer a Nação (ou parte dela) sofrer para justificar seus arroubos do passado. Quem matou, torturou, assaltou, explodiu, assaltou bancos e deu prejuízos à sociedade não pode, em nome do seu passado, penalizar os incautos de 8 de janeiro que, por mais ilegalidade que tenham cometido, não passaram do quebra-quebra e, mesmo assim, só o fizeram porque não encontraram a resistência daqueles que tinha o dever de guardar os três palácios e foram, no mínimo. negligentes.