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Franca 200 anos – o que elas têm a dizer

Ao longo das últimas semanas, o Portal Notícias de Franca publicou textos de mulheres escritoras em homenagem aos 200 anos da cidade. Confira todos os textos que fazem parte desse lindo projeto “O que elas têm a dizer”!.

Franca

Por Re Comparini

Franca, terra de alma paulista

Franca da gente forte, 352 mil corações, entre a vitalidade urbana e a paz do interior, terra do café, do calçado e do vigor.

Aqui, no berço do basquete, a bola gira com talento e paixão, sob os olhos de Hélio Rubens, títulos conquistam nossa emoção.

É diocese de amor, caminho de fé, onde o Hallel toca o céu com devoção, e Tia Lolita inspira o coração, nesta Franca de alma cristã e pé no chão.

Patrícia, colunista, fez muitos sonharem, nas páginas, palavras que tocaram o ar, terra de Luizinha, que ergueu o Magazine, com coragem, força que não se define.

E à mesa, o Filé à JK, sabor que ao presidente quis homenagear, na tradição, sabores da gente, um prato que se faz presente.

Carlos Assunção, em versos eterniza, as vozes que na literatura nos guiam, Franca, cidade do café e do calçado, que no e-commerce se transformou, no mercado ampliado.

Terra onde a vitalidade urbana e a serenidade interiorana se encontram, é São Paulo pulsante, que não para de brilhar, em sonhos e histórias, Franca a encantar.

Franca, 28 de novembro de 1980

Por Viviane Jacinto

A esteira corre contra o tempo, e com elas nossas mãos… Mas nossos pés estão: parados, gelados, descalços e cansados… As engrenagens, os sapatos, as agulhas e os cadarços repousam enquanto as trabalhadoras admiram os muitos que comem, enquanto muitas que com fome reservam o pão de cada dia para mais tarde dividir com a família… E como que em um milagre multiplicar e repartir as migalhas entre: mães, irmãs e as filhas – que ainda moram no ventre.

Pausa (a última).

E nem da metade do expediente passamos.

Só mais um minuto de privacidade.

Mas a hora bate à porta.

E a intimidade acaba no mesmo instante em que a prancheta dura registra a quarta e derradeira vez daquele dia… Que continua… Mas o sangue teima e escorre com o tempo… O ciclo se repete: quente, caudaloso, rubro e escandaloso…

Silêncio na esteira: o estômago ecoando, a coluna estralando, a cola derretendo e o couro comendo… Diante do fatal recuar da máquina, feito maré enquanto a lua se revela atrás das três colinas, a mulher retorna os mesmos passos de outrora. Mas, as únicas marcas que seus pés carregam são as pegadas invisíveis aos olhos de quem (in)justamente precisa do seu corre para caminhar.

A menina e a Fonte da Careta

Por Soraia Veloso


“Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta”
Quem se lembra dessa música? E da mãe dizer não faz careta menina senão o anjo assopra e você fica assim para sempre? Tenho certeza de que você riu ao pensar nisso, eu também. Mas na verdade me lembrei que tinha medo de outra careta, mais precisamente da água da Fonte da Careta de Franca. As pessoas me diziam que quem bebesse da água da Fonte nunca mais sairia daqui e o que eu mais queria era justamente ir embora. Beber daquela água? De jeito nenhum. Explico.
Meus pais me trouxeram para Franca quando eu tinha 8 anos por questões de saúde – eu era alérgica à poluição. E eu chorava muito sem entender direito a saída da escola, a perda de vínculos com as amigas, a distância da família, o fato de termos ficado só nós quatro – meus pais, eu e Karina, minha cachorrinha. Então, durante anos alimentei um mal-estar contra a cidade, vontade de ir embora e voltar pra São Paulo ou para qualquer lugar que fosse. Ser chamada de francana? Era uma ofensa.
Como cheguei criança, obviamente vivi mais aqui do que em qualquer outro lugar. Cidade na qual encontrei saúde, educação (graduação, mestrado, doutorado), moradia, amor – me casei com o César, francano, e sou mãe de dois francanos (Carlos e Marco). Orgulho da família que construí e sim, orgulho de dizer ‘sou francana’, ainda que seja de coração.
Como qualquer cidade, Franca não é perfeita. Não trata seus filhos como iguais. Mas ainda assim, é para cá que volto toda semana. Sim, porque consegui sair daqui, parcialmente. Sou professora universitária e trabalho em outra cidade. Nestes 200 anos de aniversário, completo 45 anos em Franca, sem meus pais que já faleceram e estão enterrados aqui mesmo. Acho que afinal, eles devem ter bebido da água da Fonte da Careta.
Ah! Quanto a mim, preciso esclarecer que não fui eu quem deu fim a fonte. Eu Juro!!!

Teatro de revolta

Ellen Mendes

Por Ellen Mendes

História verídica acredite quem quiser
É que da ponte pra cá, o mundo é diferente
Sorriso no rosto sempre
Mas sempre lidando com um sistema excludente

A Franca em que eu vivi
É um emaranhado de confusão
Das ruas de terra da Chácaras São Paulo
A feira do rolo da vila Tião

Não preciso enaltecer
Imperadores sem o mínimo de ética
O bom da poesia é isso, quem for reclamar
Se resolva com a liberdade poética

A Linha dessa história
É apertada no calo do dedo
Costurada na porta de casa
Alternando entre a criança, a fofoca e o brinquedo
Respirando cheiro de cola

A criança cresce pensando em prosperar
Enquanto a mãe pesponta
Já aprende os seus primeiros pincelar

O ópio do seu povo
É gritar o Dale Franca! Pedrocão lotado em dia de jogo
Mas com ingresso só a elite branca.

Das arquibancadas mais baratas
Se escuta o grito do povão
Treinando arremesso sem bola
Nasce a mais nova revelação

Do real Madrid, Do Santa Maria Campo de terra do chacrobol
No inter e na veterana
Tem o sonho do futebol!

Das fábricas do distrito
Ainda que sonhar seja bastante restrito O Francano
Segue sua missão

Correndo a esteira da vida, Apesar dos pesares
Bate no peito e diz
Sou Franca de coração!

Franca da Imperatriz

Por Tais Pereira de Freitas

O ano era 2007, eu tinha 27 anos, não tinha planos de ser mãe e me dividia entre o trabalho como assistente social, o anseio por fazer Mestrado e o trabalho como parte da Diretoria de uma associação que era a mantenedora de uma creche. Uma vida que a época eu achava agitada, mas que quando eu lembro hoje, dou uma risadinha marota que poderia ser facilmente traduzida pelas hastags #sqn e #sabedenadainocente.

Não, eu não sabia de nada. Mas lembro que naquele janeiro de 2007, fui ler o jornal da Franca (assim mesmo, “da Franca”, pra ser fiel ao legítimo francanês) e me deparei com uma notícia que nunca vou me esquecer: “Era o único jeito de salvar meu filho”, diz mãe, que pulou em poço em Franca. E estampando a notícia, a foto de uma mulher negra, de calça e blusa amarelas. Não sei dizer o que mais me impressionou na notícia naquele dia, se a mulher negra de amarelo, estampando o jornal, ou se o feito dela. Que coragem era aquela gente? Eu que não sabia nadar, me perguntava: Como assim, a pessoa se joga num poço sem saber nadar? Será que ela não pensou que poderia morrer?

Não, eu não sabia de nada. Mãe e filho foram salvos e deu tudo certo. O tempo passou, minha vida deu vários giros, uns rodopios fascinantes e apaixonados e eu passei o portal da maternidade em 2015 e 2018. E a resposta a todas as perguntas que me fiz quando li aquela reportagem se desvelou no meu novo cotidiano.

A Maria Jerônima, a mulher daquela reportagem de 2007 era mãe. Simples assim. Eu penso que ela, na verdade, não viu o poço, não viu o risco, não pensou em ser corajosa. Eu ouso dizer que ela só viu o filho em perigo, fez o que podia naquele momento e assim entrou para história dessa cidade, terra de tantas mães e palco de tantas histórias.

Franca é para mim, desde então, a terra da Maria Jerônima e tantas outras Marias, mães que estão em todos os lugares, em todos os serviços, em todos os poderes. Franca é a terra de mães, de mulheres que trabalham, que estudam, que ousam, que empreendem e que, se preciso for, se arriscam para defender o que acreditam e aqueles que amam.

Celebrando os duzentos anos dessa cidade, palco de alguns dos momentos mais lindos da minha vida, eu encerro dizendo que aqui é a Franca da Imperatriz. E segredinho de nota de rodapé, quase sussurrado no pé do ouvido: A imperatriz é mãe.

Franca

Por Maria Conceição Castro da Silva

Franca do capim mimoso,
Cidade do melhor café,
Cidade de lindas mulheres
E gente de muita fé.

Cidade do diamante,
Do basquete e das serestas,
De crescimento constante
Também de grandes e lindas festas.

Cidade das três colinas,
De céu de infinito anil,
Cidade de belas meninas
Cidade de encantos mil.

De teu solo, oh cidade amada!
A água da Careta brotava,
Que pelo viajante provada,
De ti, cativo se tornava.

O mais belo, é o seu luar,
Seu crepúsculo encantador,
Fazem todos te amar
Amar com o mais profundo amor.

De realizações, no entanto,
Duzentos anos estão completando
Que jamais percais teu encanto,
É o que estamos desejando.

Passei a infância em um bairro da cidade

Bárbara Rosa. Foto: Newton Nogueira

Por Bárbara Rosa

em um pequeno fragmento da cidade. em um pequeno recorte da cidade. em um pequeno trecho da cidade. em um pequeno pedaço da cidade. em um pequeno excerto da cidade.

a casa era popular, um projeto do governo de financiamento de moradias, dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. as paredes eram beges, o bolor da umidade transpassava a cor. o telhado não tinha reboco, além dos tijolos, víamos a massa corrida com patas de cachorros. o que mais me incomodava era o banheiro, tinha um problema em que a descarga nunca funcionava, tomava banho com balde nos pés a fim de desentupir a privada. o quintal era improvisado de canos que eram as vigas que seguravam um telhado de eternit, no chão um buraco onde pai jogava as guimbas de cigarro.

me lembro dos vizinhos. os homens sofriam com a falta de trabalho, por causa disso bebiam, depois não arrumavam empregos, porque estavam bêbados. algumas mulheres costuravam sapatos pra fora, outras lavavam e passavam roupas pra fora. todas, sem exceção, aguentavam os choros dos filhos e dos maridos. o bairro parecia uma grande escadaria, onde cada degrau ficava uma rua, a chuva caía e alagava as casas de quem morava nos degraus mais baixos. minha casa era na segunda rua. uma vez, choveu tanto, mais tanto, mais tanto que os peixes que pai criava na caixa d’água saíram nadando pela guia, correram pela rua toda.

igual eu e as outras crianças, que corríamos até o pé rachar no asfalto. a verdadeira, felicidade era quando alguém te chamava para ir ao rapadão, à terra de erosão, fez o lugar preferido do bairro, com buracos para esconderijos, além de um descampado para o futebol. mesmo o bairro, tendo no seu primeiro nome Jardim, ali não se nascia uma florzinha. nada. arquitetos e engenheiros e ambientalistas e prefeitos e vereadores, diziam que nada se podia fazer em relação aquele buraco. terra desmatada é assim, não brota.

mal sabiam, que fizemos festa junina, mesmo sem bandeirinhas, que comemoramos dia das crianças, com aquele monte de presente da Um Real, que teve um circo que morou lá por meses e que todas as mulheres do bairro passaram mais tempo no rapadão só pra ver o trapezista, também não posso esquecer do campeonato de pelada que quase saiu morte e teve briga, porque tem gente que rouba e tem gente que não sabe jogar.

meu eu criança, ainda mora lá, sou a mesma menina magricela de dentes protuberantes que aprendeu que de terra seca dá pra fazer gente florescer.

Árvores floridas nos 200 anos de Franca

Elaise

Por Elaise Maria de Mello Barbosa

Dizem que no Brasil não temos estações bem marcadas como no Hemisfério Norte. Entretanto, aqui em Franca é muito fácil identificar a época do ano pela floração das árvores. Impossível ignorar tanta beleza que é marcante em nossa floresta urbana.

Nos bairros encontramos várias paineiras que ficam vestidas de cor-de-rosa em março ou abril. O maior patrimônio verde da cidade é sem dúvida o “paineirão” da Rodovia Cândido Portinari, entre Franca e Cristais Paulista. Esta árvore centenária foi tombada em 2015 na ocasião da duplicação da rodovia, quando a estrada teve seu trajeto alterado para que a árvore ali permanecesse.

Paineirão

Os ipês ficam floridos a partir de junho, no caso os ipês roxos “de bola”, que podem ser vistos na lateral do Cemitério da Saudade e em outros pontos da cidade. Na sequência, entre julho e setembro virão os ipês amarelos, os brancos e os rosas. A avenida José Rodrigues da Costa Sobrinho fica lindamente pintada de amarelo. Estas árvores marcam a estação de seca e do tão esperado frio, que não tem se manifestado nos últimos anos.

Ipês amarelos, avenida José Rodrigues da Costa Sobrinho

Já em setembro, as sibipirunas florescem enfeitando o dia das árvores, 21 de setembro. Suas flores amarelas estampam nossa avenida Major Nicácio formando um lindo tapete amarelo nas calçadas do canteiro central.

Sibipiruna, Major Nicácio

Ao chegar novembro os flamboyants ficam rubros, anunciando o aniversário da cidade. Árvores nativas de Madagascar, uma ilha na costa leste da África, tem seu nome com origem francesa, significando “flamejante” devido à cor intensa de suas flores vermelhas. Aqui em Franca também encontramos variedades amarelas e alaranjadas, que igualmente florescem em novembro. As primeiras mudas foram trazidas ao Brasil no século XIX, durante o reinado de D. João VI.

Sibipirunas, em frente à E.E. Caetano Petráglia

Neste ano de 2024 Franca comemora 200 anos de emancipação política. Em 28 de novembro de 1824 a Vila Franca do Imperador com seus 5.800 habitantes, deixa de responder administrativamente a Mogi Mirim, passando a responder diretamente ao governo estadual. Devemos lembrar que o Brasil Império inicia em 1822 com a

Flamboyant, av. Presidente Vargas

Independência, tendo o Imperador Dom Pedro I como figura central, o que justifica o complemento dado ao nome da Vila.

Se temos tantas árvores grandes, imponentes e encantadoras precisamos também de nos lembrar das mãos determinadas que as plantaram pela cidade. Dra. Olga Toledo de Almeida é o nome que aparece imediatamente ao falarmos em paisagismo e plantio de árvores em Franca.

Elaise com Dra. Olga Toledo de Almeida, aos 94 anos

Dra. Olga se formou como única mulher da turma de 1953 na ESALQ, como agrônoma. Trabalhou por mais de 20 anos na Prefeitura de Franca em cargos de confiança. De 1993 a 1996, na gestão do Prefeito Ary Pedro Balieiro, assumiu a Coordenação de Paisagismo da cidade, cargo que infelizmente deixou de existir.

Flamboyant, av. Orlando Dompieri

Nesse período Dra. Olga plantou inúmeras praças e áreas verdes públicas, plantou uma imensa quantidade de árvores na cidade, em especial os flamboyants que agora enfeitam avenidas como a av. Orlando Dompieri, a av. Chico Júlio, a av. Presidente Vargas e a av. Rio Negro.

Ipê roxo, Estação

Na época Franca contava com equipes de paisagismo, de plantio, de manutenção, de poda, de corte. A Prefeitura tinha caminhões para irrigação dos espaços verdes. Entre árvores e outras plantas chegava-se a plantar em torno de 40 mudas por dia. As mudas das árvores já com 2 metros de altura, como deve ser. Com este trabalho sistemático agora vemos o resultado pelas ruas de Franca.

Hoje a cidade conta somente com equipes de corte e poda, em grande parte terceirizadas. Infelizmente as podas tem sido mal feitas, podas agressivas, mutiladoras, por vezes mortais. Os flamboyants plantados há pelo menos 30 anos sofrem com os cortes de seus galhos, para que “não atrapalhem” a passagem de caminhões. Já vemos falhas nas linhas de plantio das árvores nos canteiros das avenidas.

Em época de verão permanente, nós como cidadãos, precisamos nos conscientizar dos benefícios das árvores, uma tecnologia pronta para refrescar a vida nas cidades. Soluções baseadas na natureza, é o que se preconiza. Precisamos cobrar o plantio e o cuidado de mais delas na cidade. Na área do verde temos pouco a comemorar neste

aniversário da cidade, mas sonhamos que Franca voltará a ser um modelo a ser seguido em breve se possível. Já fizemos melhor, podemos voltar a fazer.

Dra. Olga está com 94 anos de idade, lúcida. Há alguns anos me contou de sua paixão pelos flamboyants, e que um deles, majestoso, identificava a fachada da Escola Superior de Agronomia “Luiz de Queiroz” em Piracicaba, onde estudou. Disse que ao morrer gostaria de ter suas cinzas plantadas junto a uma muda de flamboyant. Desejo de quem ama a natureza, de quem deixou um legado verde para nossa cidade, sendo um exemplo e motivo de inspiração!

Árvores (nomes populares) – Floração Esperada

Janeiro – Canafístula, Faveiro, Jatobá

Fevereiro – Canafístula, Faveiro, Quaresmeira, Pau-ferro Março – Canafístula, Quaresmeira, Paineira

Abril –Paineira, Pau-formiga, Quaresmeira Maio – Pau-Formiga, Ipê roxo

Junho – Ipê roxo, Pau-formiga

Julho – Ipê roxo, Ipê amarelo, Ipê branco, Mulungu, Quaresmeira

Agosto – Ipê amarelo, Ipê branco, Ipê rosa, Mulungu, Sibipiruna, Quaresmeira

Setembro – Ipê amarelo, Ipê branco, Ipê rosa, Mulungu, Sapucaia, Sibipiruna, Jacarandá, Cássia grandis, Fedegoso, Pau-brasil

Outubro – Cássia grandis, Sapucaia, Jacarandá, Fedegoso, Pau-brasil

Novembro – Flamboyant, Jacarandá, Aldrago, Resedá, Cássia Imperial

Dezembro – Canafístula, Munguba, Cássia Imperial, Jatobá

Um canto para sempre

Por Karina Spinelli Gera

Em um canto do mundo, lapidada pelo tempo e pelo afeto, repousa Franca, uma cidade que brilha como um diamante raro, exalando o aroma do café e calçando o mundo com sua história. Franca não é apenas um lugar no mapa; é um espaço que ocupa meu coração.

Embora tenha nascido em São Paulo, desde a infância Franca já era um lar para mim. Nas férias, era meu refúgio, a cidade onde meus avós me recebiam com todo o carinho. Aos 16 anos, Franca deixou de ser apenas um destino e se tornou minha identidade. Quando me perguntam de onde sou, respondo sem hesitar: sou de Franca! E, na verdade, foi Franca que me escolheu.

Foi aqui que construí minha vida, fiz amizades que se tornaram família, me casei e escrevi minha trajetória. Ao celebrar os 200 anos desta cidade, celebro também a riqueza de suas memórias, de suas lendas e, sobretudo, do povo acolhedor, que é o verdadeiro tesouro de Franca.

A minha paixão por Franca é a inspiração da minha obra como escritora. Entre os oito livros infantis que publiquei, quatro são dedicados à história de grandes francanos: Aparecido Maldonado Ponce, com sua dedicação ao trabalho; Maria Aparecida Bernardes Tasso, defensora incansável dos animais; Sônia Menezes Pizzo, que transformou a comunicação; e Carlos de Assumpção, cuja poesia antirracista ecoa como um tambor potente; e, em breve, mais um livro inspirado em uma personalidade francana ganhará vida, desta vez homenageando o último chefe da estação ferroviária, José Antônio Bosco, ampliando ainda mais o legado de Franca para as futuras gerações.

Escrever sobre Franca e seu povo é a forma que encontrei de agradecer e parabenizar esta cidade que é o meu canto no mundo.

A Franca das três colinas

Por Tânia Mara

Os ventos que sopram no nordeste do estado

vêm para apreciar o frescor das colinas,

Que são logo três.

Não se intimida em chegar na esquina;

vêm para noites na estalagem

ou apenas de passagem,

Indo para Goiás

ou segue para as Minas Gerais,

seu vizinho de logo ali.

A cidade se esparrama além da Concha Acústica,

para lá de Miramontes,

perdendo-se no horizonte,

quase encontra com outras cidades.

Ah, Franca! Há muito a ser descoberto

Há saberes e tantos mestres,

os artífices habilidosos do couro,

nossos mestres sapateiros

que levaram Franca aos quatro cantos.

Das mãos certeiras, da bola ao cesto,

fomos ao delírio por suas conquistas,

que já são dezesseis, só do paulista!

Da nossa literatura, de Abdias

aos autores dos nossos dias,

e os outros antes dele,

e os que virão…

Do Belo Arraial do Capim Mimoso

à cidade de todas as gentes e do café,

temos tanto a descobrir.

Ficaria aqui por tempos, linhas e linhas,

discorrendo sobre sua vocação e predicados,

e também os pecados,

mas fico por aqui, por hora.

Convoco a todos os francanos,

de nascimento ou de coração,

a te conhecer,

mesmo quando virar mais de duzentos anos!

A nossa Franca

Por Perpétua Amorim

Quando esse céu derrama sobre mim o seu azul, qualquer palavra dita perde o som. Qualquer sinal entre o céu e a terra é azul.

É o azul do céu Francano que você precisa conhecer.

            —

Nasceu e cresceu ribeirinha, vestida de azul, bailando sobre as margens de dois córregos e brincando de esconde-esconde entre as colinas. Fez-se mulher em todas as suas formas e nuances de fênix, desenhou trilhas robustas que permitiram e permitem dizer o quanto sua silhueta feminina colaborou com a jovem cidade de hoje.

Duzentos anos se passaram, mas as marcas deixadas por tantas mulheres continuam evidentes.

Ponto a ponto, milhares de mulheres francanas costuravam a história calçadista; seus nós, embebidos de suor e sonhos, percorriam o mundo anonimamente.

Outras tantas enfrentavam dores e desafios sob o comando de mulheres dedicadas ao bem comum e à caridade cristã de uma época de fé. Nas vestes brancas das freiras / enfermeiras e médicas do passado, havia lágrimas que contrastavam com a dedicação e o esforço pela vida.

Nas escolas, mulheres professoras dedicavam-se a educar os filhos dessa terra. Esmerando-se na língua mãe, orgulhosas por serem musicistas, poliglotas, exímias doceiras, bordadeiras e fiéis aos costumes de então, sempre atentas ao tapete de capim-mimoso que forrava o caminho rumo ao horizonte de cada aluno.

Na literatura, as mulheres escreviam suas próprias histórias e criavam tantas outras fictícias. Seus versos, muitas vezes, fugiam para as páginas de algum folhetim, até que a coragem de expor-se em palavras rompesse o tempo, avançando com força nas ondas do rádio e, a partir daí, todas as outras mulheres aprenderam a gritar em rimas, versos, canto, dança e palavras.

Faço parte desse universo e carrego comigo a certeza de que a nova geração de meninas saberá que, muito antes de a cidade ser o que é e representar o que representa, centenas de outras mulheres pavimentaram as ruas estreitas da vila dita do Imperador.

Mas que é nossa, e generosamente abraça quem chega, acolhendo quem fica.

Hoje, de mãos dadas com centenas de mulheres — escritoras, sapateiras, professoras, enfermeiras, motoristas, advogadas, médicas, donas do próprio corpo e de suas ideias — construímos uma nova Franca, ensinando à geração futura o quanto é importante lembrar que muito antes de nós vieram outras e que, depois de nós, virão outras; depois o sempre, sempre haverá uma Franca construída por todas.

Parabéns, Franca do passado, do presente e do futuro.

Assim, chegamos a Franca!

Por Rosana Branquinho

O ano era 1970.

Em cima de um caminhão Ford, além de alguns poucos móveis e utensílios domésticos, estavam meu pai, eu, minha irmã Marlúcia e meu irmão Cizo. Na cabine com o motorista,  mamãe e duas irmãs menores, a Mariângela e a Bia.

Deixávamos para trás, em Igaçaba – distrito de Pedregulho, parte da nossa história. Dali em diante, começaríamos “vida nova” na Vila São Sebastião, em Franca.  Era o que papai dizia e emendava animado, que era uma casa bonita e que tinha até telefone!  Ele trazia uma quantia em dinheiro que apurou com a venda do último bem material da família: um sítio, herança dos meus avós e que fora vendido para uma prima. Me lembro que minha mãe não queria assinar o contrato de venda e só concordou depois de muita insistência e insultos de meu pai, que dizia que a herança era dele.

O pagamento incluía uma parcela em dinheiro, porcos, uma máquina de costura Elgin e alguns outros objetos de pouco valor.  Não deu para comprar sequer uma casa.  Morávamos de aluguel. Com parte do dinheiro, papai montou um bar no cômodo comercial anexo a casa, na esquina.

O bairro era afastado e tinha fama de ser lugar perigoso, mas papai logo tratou de fazer amizade com os homens mais temidos da cidade. Eram frequentadores do bar. Muitos eram ex-presidiários, considerados os “bandidos ” da época.  O mais famoso era o Pezão. Uma busca nos jornais da época vai indicar o grau de periculosidade do meliante. Tinha o rosto todo marcado por cicatrizes de faca.  Meu pai, que era homem bonachão, carismático, dizia que eles não nos fariam mal, enquanto cultivasse a confiança deles.

Eu ia para a escola de manhã e à tarde costurava sapato na casa de uma vizinha. Usava uma “dedeira” para ajudar a grossa agulha a encontrar o furo. Ficava a tarde toda nesse exercício para receber alguns trocados.

Nossa estadia na vila São Sebastião durou 8 meses. O dinheiro acabou e nos mudamos para a Avenida Brasil, depois para a Rua São Paulo, Rua Maranhão, Avenida Alagoas e por último na Rua Goiás.  O atraso no pagamento dos aluguéis era o motivo para a busca por novo endereço. Papai não era bom com dinheiro e vivia dando “cabeçadas”.

A cada mudança, troca de escola. Nós não tínhamos tempo de construir relações duradouras. Foi morando na Rua São Paulo que estreei na Rádio Difusora aos catorze anos, como Discotecária, sem ao menos saber o que era. Mamãe ouvira o Verzola anunciar a vaga e me levou para fazer o “teste”.  Foi assim que eu entrei para o universo do rádio,  paixão da minha mãe que tinha o sonho de ser cantora do rádio, como Emilinha Borba, Carmen Miranda, Elizeth Cardoso e outras.

Menina ainda,  assustada e ingênua,  comecei a trabalhar e só depois de muito tempo me dei conta que tinha o privilégio de estar entre os grandes nomes da comunicação francana, como Valdes Rodrigues,  Ewerton Lima, Paulo Roberto Verzola,  Renato Valim, Jovassi Correia Dias, Carlos Gregorucci, entre outros famosos admirados pelo público.

Mamãe não cabia em si quando Verzola iniciava o seu programa dizendo: – na Discoteca, Rosana Branquinho! Fiquei bastante conhecida e meus pais se gabavam orgulhosos da filha que trabalhava na Rádio.

Cheguei a ter um programa – “Embalos de sábado à noite”, inspirado no filme estrelado por Olivia Newton John e John Travolta. Fui picada pelo “bichinho da comunicação”, como diziam, e desde então, atuei em diversos veículos até ter o meu programa de televisão ” Turismo e Cia”, no qual apresentava as opções de lazer e hospedagem da região por mais de 15 anos.

Hoje, eu trago Na Bagagem, muita gratidão pela cidade que nos acolheu. Meus filhos e netos são francanos, e embora eu tenha nascido em Pedregulho, tenho Franca como a cidade do meu coração!

Feliz 200 anos Franca!

A concessão dos pássaros

Por Naiara Alves

Há meses observo, no Poliesportivo de Franca, parte da rotina de um homem nada comum. Estaciona e não sai do carro com pressa, como os outros que ali chegam. Tem gesto demorado. De início eu supunha ser essa tardança filha de uma limitação física: hoje sei que não.

Ao caminhar, tem a mansidão da marcha acompanhada por um andador, uma corda e uma sacola. Assobia cada passo até o destino de sempre, quando ocupa a extensão de três árvores absolutamente distintas entre si: a Árvore da Grande Sombra, a Árvore Irmã e a Árvore Esqueleto.

Grande Sombra é a maior e mais imponente, escolhida para o fim do percurso: ela guarda o espaço de um descanso. Irmã atua como um meio termo, disposta a neutralizar contrastes. Esqueleto é estruturada apenas por galhos, mas é seu vazio quem precede o cerne do rito. 

Quando o homem do passo lento chega, a terceira árvore despossui qualquer hiato, ostenta feições de primavera. Seus galhos estão povoados por pássaros que atendem ao chamado em voo, canto e prontidão.

Primeiro, ele amarra a corda entre as Árvores Irmã e Esqueleto. Em seguida, suas mãos trocam os nós pelas alças da sacola, lançando a quirera feito prece pelo chão. O movimento faminto se alastra ao redor de seu corpo sem invadir espaço, sem a mínima intenção de apressar o passo lento, bendizendo o tempo de cada gesto. Um respeito que o relógio do resto do mundo parece desconhecer.

Os galhos voltam a se revelar quando as aves, imitando a queda das folhas, se rendem aos grãos. O vazio da sacola acusa dever cumprido e o homem parte, como um equilibrista, para sua rotina de exercícios na corda. Meu palpite para o lugar escolhido é de que aquelas Árvores, tão convictas à terra, o inspirem a enraizar também os próprios pés.

Permito outra vez que meus olhos, devotos, aceitem o convite para testemunhar a imensidão como se a cena fosse inédita. Sinto que ele me empresta seu relógio e partilha, generosamente, esse Tempo tão raro que tem o peso de um grão.

Desconheço seu nome e história. Tampouco sei se somos conterrâneos. Mas a ele pertence a concessão dos pássaros e a sensibilidade de transformar o cotidiano em um estado de poética secular. O homem, com seu passo lento, é capaz de percorrer as mais desafiadoras distâncias.

Uma declaração de amor

Por Ana Cláudia Gomes Querino

O que mais gosto na vida é viajar, mas sempre digo que a segunda é voltar. Quando pego a subida da Cândido Portinari e vejo o Posto da Polícia Rodoviária já sinto um quentinho no coração: cheguei em casa! Cheguei na minha Franca querida, minha cidade, onde nasci, onde cresci, meu lugar no mundo.

Meu amor por essa terra foi crescendo comigo, quanto mais velha fico mais gosto daqui. Quando estou fora não perco a oportunidade de fazer propaganda das nossas grandezas, “ O café é bom? É da minha terra!“,    “ Gostou do sapato? Foi feito em Franca!“ , “ Basquete ? Temos o melhor time e a melhor torcida do mundo!“,  “ O Estevão do Palmeiras é craque ? É francano da gema!´´

Já vi muitas cidades lindas, exuberantes, grandes metrópoles, lugares cheios de belezas naturais e riquezas arquitetônicas, cidades repletas de arte e cultura, vilarejos charmosos e históricos, algumas delas ganharam meu coração, gosto de voltar sempre que posso, mas morar? Não, obrigada! Só quero morar em Franca mesmo. Aqui estão minhas raízes, minha família, meu trabalho, minha casa e, principalmente, minha história.

Durante esse mês que estamos comemorando os 200 anos de Franca, a imagem que me vem à memória é meu pai ouvindo o LP dos Seresteiros da Franca e cantando junto com a voz empostada:

“ Terra dos meus sonhos, igual outra não vi, jamais te esquecerei, cidade onde nasci…“

Ele foi embora há muitos anos, mas o amor que sentia por essa terra continua em mim e tenho certeza que ele estaria orgulhoso de ver como Franca cresceu, se desenvolveu e, apesar de enfrentar tantos desafios, segue cada vez mais pujante, um bom lugar para se viver.

Parabéns a nossa Franca querida!

Francamente…

Por Celina Rosa da Silva Nascimento

Em alguns momentos da vida, posso dizer “vagarosamente”, estou caminhando agora; “felizmente”, eu a encontrei; finalmente, alcancei aqui vitórias!… É sempre um orgulho imenso poder dizer que “francamente” eu vivo na cidade do basquete, que tenho o privilégio de caminhar ao redor do Pedrocão, contemplando a sua arquitetura deslumbrante, que posso assistir com meu filho caçula às inebriantes partidas que nos levam a outro planeta chamado vibração; pegar autógrafos dos nossos fabulosos jogadores e do Helinho e, ao final das partidas, ainda tirar aquela self com eles… ”Francamente”, é bom demais viver “francamente!”.

Aqui temos Rio Negro e Solimões ao vivo e em cores, passando por nós, na simplicidade de uma caminhada no Poliesportivo, ou acenando para nós no trânsito, num gesto único de alegria de ser francanos de coração como eu. Temos também a Avenida Amazonas, que dá acesso ao shopping e que, no momento, desfila um canteiro gigante de flamboyants já floridos nesta primavera, celebrando o ducentenário francano.

Pude acompanhar nos últimos 30 anos, desde que aqui vim morar, a evolução dessa terra das três colinas, tão querida e tão honrada! Como é bom andar tão pouco para estar num Centro Esportivo, hoje presentes na maioria dos bairros de nossa cidade! Prazeroso é ver as nossas crianças, jovens e adultos tendo onde se encontrar, fazer novos amigos, conversar, fazer planos para o futuro, conectar-se, e, enfim, ”esperançar”… E o final do ano está chegando e com ele brilham as luzes de um novo tempo! O francano regozija-se ao enfeitar suas casas para o Natal. É um capricho só!

Como sempre, temos uma plantinha verde dentro ou fora de casa, quando não uma árvore, e, assim, certamente os pisca-piscas estarão presentes nelas para saudar o novo que chega e dar gratidão ao velho que tanto nos ensinou… E assim vamos vivendo “francamente”, “francamente” despertando, “francamente‟ trabalhando e “francamente” sendo felizes na cidade de clima ameno, do povo tranquilo e sereno, eleita neste ano a segunda melhor cidade pra se viver. Francamente! É bom demais fazer parte dessa gente!

Um conte de verdade

Por Isa do Rosário

Num domingo de manhã, no mês de novembro 2022 passávamos na praça central de Franca acompanhando o passeio literário com o sr. José Lourenço.

Reconhecemos várias histórias de Franca.

Eu não nasci em Franca e estava adorando conhecer.

E neste dia tivemos a honra de estar neste passeio literário com pessoas de outros estados… inclusive a escultora do busto que se encontra na casa da cultura.

Quer saber qual? Faça uma visita na casa Abdias Nascimento, na Casa da Cultura.

Voltando para o passeio literário.

O senhor José Lourenço nós diz, ‘vai se iniciar o sino se quiserem fechar os olhos  fiquem  a vontade’.

Fechei os meus olhos.

De repente, um portal no céu.

Abdias em forma de pássaro grande tocando o sino….

E a artista que fez o busto também teve a visão dos negros da época da escravidão.

Correndo, correndo, atravessando a Praça.

Terminaram as 12 badaladas.

Eu e todos as pessoas abrimos nossos os olhos.

Eu abri os olhos e perguntei vocês viram?

Uma das pessoas disse sim. As outras disseram não.

Vimos um portal.

Todos se olharam espantados e voltamos ao passeio.

Nos dias a seguir, vieram mais informações importantes.

Coloquei-me a refletir.

Cada dia um novo elemento para somando a visão que eu tive: antes de ser catedral era cemitério, ali eram enterrados os negros.

Ali naquele lugar da Catedral de Franca tornou-se um lugar sagrado.

Voltando a visão, por isso vi Abdias tocando o sino, direcionando as pessoas desencarnadas, se preferir mortas, em busca de sua luz, para onde elas tinham que ir.

Pensei em bordar este fato.

Resolvi pintar essa visão.

Até no outro plano Abdias Nascimento ajuda na travessia entre a terra e o céu.

Uma paulista bem mineira

Por Daniela Almeida Borges

Conta uma história que quem passava pela rua Voluntários da Franca sentido à praça Sabino Loureiro há algumas décadas deparava-se com uma fonte bem peculiar. Nela existia uma frase um tanto quanto curiosa: “Essa água da careta/tão bela como nunca vi/ quem beber dessa água/ nunca mais sairá daqui”.

Infelizmente não cheguei a conhecê-la. Perdeu-se, dentre tantos outros monumentos históricos da cidade já destruídos, não sei se por falta de interesse em preservá-los, pela ação natural do tempo, ou tudo isso “junto e misturado”. Tentaram fazer uma réplica nos idos de 2001 mas ela também não sobreviveu ao ataque dos vândalos. Mas se tivesse a oportunidade, beberia de sua água sem pestanejar. Amo a minha cidade. Sou francana de nascimento e de coração.

E nem perco tempo tentando convencer quem não pensa o mesmo. Prefiro aliar-me àqueles tantos outros que conseguem notar suas virtudes e belezas.

Ao invés de reclamar de seus motoristas displicentes, prefiro eu fazer a minha parte. Adoro ressaltar os feitos daqueles que fazem a coisa acontecer, mesmo numa “cidade de mentalidade provinciana” como denominam alguns outros. Prefiro prestigiar os eventos culturais organizados por esses idealistas do que reclamar da falta de atrações. Procurando um pouco sempre encontro algo interessante. E olha que sempre vou em coisa boa! E muitas vezes não gasto um tostão! Adoro o seu céu rosa-alaranjado nas tardes de inverno, seu ar puro de cidade interiorana, seus pedestres desatentos que andam no meio da rua. Adoro seu sotaque mineiro, mesmo sendo uma cidade paulista. Sempre quando viajo, me perguntam se resido em Minas. Abro um sorriso largo e apenas digo: praticamente!

Qual francano não gosta de palavras no diminutivo, daquele jeitinho afetuoso, com erres demorados e bem pronunciados?

Qual francano não gosta de um bom café com pão de queijo, feijão tropeiro ou galinha caipira com polenta e quiabo?

Muito me orgulho em falar dos meus conterrâneos: povo generoso, que sempre se envolve em ações sociais pelas periferias. Adoro sua água bem tratada e saborosa. Sempre me alegro em vê-la ocupando, há tempos, excelentes índices de saneamento básico e boas colocações em pesquisas de bom lugar para se viver.

Há outros números que nos envergonham? Certamente! Especialmente nos recortes de índices de violência contra a mulher e acidentes violentos de trânsito.

Mas nada abala minha convicção de como sou sortuda por nascer e viver aqui.

Pois é terra das Três Colinas, talvez eu conseguiria 200 motivos para enaltecê-la. E que venham os próximos anos de cara convivência!

Muito amor por ela

Por Débora

Ah, como é bom parar, pensar e lembrar!

Desde que me conheço por gente, você tem sido o cenário de minha existência, o pano de fundo do meu coração e o lar de meus infinitos sonhos.

Uma cidade rica em tradições e cultura, com ruas cheias de histórias e sorrisos. É o chão para cada passo meu. Tem luzes que brilham a noite e até parecem que precisam revelar todos os segredos que guardam.

Quantas histórias diferentes, encantadoras, envolventes e difíceis de esquecer, são guardadas em cada esquina. Um lugar que ensina a valorizar a simplicidade dos momentos e a beleza das pequenas coisas.
Franca, a cidade das três colinas, da água da careta, do Parque Fernando Costa, a capital do calçado e do basquete, e de muitas outras denominações.

É verdadeiramente um lugar muito especial, onde me perco, me encontro e me redescubro. Uma cidade que se transforma a cada nova estação e é isso que muito me encanta.
“Salve Franca, cidade querida.”

Franca, uma cidade de sonhos e realizações: uma jornada pessoal

Foto: Wilker Maia

Por Ana Luiza Silva


Sou mineira de nascimento, mas foi Franca, essa cidade vibrante que está prestes a completar 200 anos, que me deu asas para realizar meu maior sonho: estudar, construir uma carreira e ter uma família. Aos 18 anos, cheguei aqui cheia de esperança e vontade de vencer. Meus primeiros passos foram desafiadores. Trabalhei no McDonald’s, onde aprendi sobre responsabilidade e dedicação. Era o começo de uma longa estrada.

Um mês após iniciar meus estudos universitários, consegui um estágio que mudaria minha vida. Foi ali que as portas começaram a se abrir, e minha trajetória profissional começou a ganhar forma. Aos 28 anos, me formei em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e, desde então, Franca tem sido o palco de muitas das minhas conquistas. Trabalhei em alguns dos maiores veículos da região, como o Jornal Comércio da Franca e a Record, além de revistas, assessoria de imprensa e rádio.

Franca não é apenas um lugar onde construí uma carreira; é onde encontrei o amor da minha vida, me casei e tive um filho – um legítimo francano, em uma terra que sempre acolhe de braços abertos. Aqui, o cotidiano é tranquilo, ideal para criar uma família, construir uma carreira e viver com qualidade.

Enquanto Franca celebra seus 200 anos, olho para a cidade com gratidão. Ela é mais que um endereço; é o espaço onde meus sonhos se tornaram realidade e onde, dia a dia, sigo inspirada a dar o meu melhor.

Mudança de cidade e de vida

Por Maria Goret Chagas

– De Delfinópolis a Franca!

-1951: Delfinópolis, cidade que nasci, cidade onde recebi um milagre e na qual vivi durante 10 anos.

Mudança!

-1961: Franca, cidade que acolheu e abraça minha arte e minha vida nestes 63 anos!

 – Chegamos do interior, numa tarde amena ( como era ameno o clima de Franca)

sete crianças e uma mudança ‘’radical‘’ na nossa vida  e na de meus pais.

Um casario antigo com parreiras no quintal, rua larga, bonita.

Vizinhos diferentes ou diferenciados!

Assustados com a possível perda da tranquilidade, do sossego…

Família grande? De onde? Quanta criança!

 E mais, frango, galinha…

Cachorro? Não.

 Distanciamento, frieza até o dia que um precisou do outro…

 Filho doente com vontade de comer ‘’daquela comida cheirosa, frango caipira, cujo aroma vinha do outro lado do muro ‘’, simples, mas com o ingrediente principal: o amor!

As novas etapas: escola, trabalho, mais dois filhos e a família crescendo, crescendo (nove: seis mulheres e três homens ) .

Tudo foi se ajeitando com  a  amizade e o carinho da vizinhança, os primeiros carros do meu pai, o estacionamento, para comércio.

E a cidade? Crescendo, crescendo.

Os curtumes no centro da cidade, as primeiras grandes fábricas de calçados, quatro cinemas, as praças para os encontros, dois grandes colégios: – Champagnat (masculino) arquitetura clássica de grande beleza, influência francesa – 1917. Fundado pelos irmãos maristas, tendo como patrono o padre Champagnat .

O arquivo histórico onde colhi material de pesquisa.

A beleza singela de sua capela…

O Colégio Nossa Senhora de Lourdes (feminino) a tradição desativada em 1969 e também, que capela!

Foi Unesp, onde me formei em Letras!

 Ah! quando os dois colégios se encontravam … era a “nossa alegria‘’. Participávamos de datas comemorativas, bandinha com baliza e tudo… Uma vez vesti de japonesa, não sei porque!

Tínhamos aulas de francês, espanhol, mas o mais importante, para nós, era coincidir horários das saídas das duas escolas… bastava uma ‘’olhadinha‘’ de longe: o flerte.

Quanta ingenuidade e pureza!

A AEC e as brincadeiras dançantes, os bailes, o IEETC e o curso Clássico, era  perfeito cursar apenas o escolhido: humanas.

Todos estudando… vitória de meus pais: Alaíde um grande líder e Diva uma grande mulher!

Um dia caminhando pelas ruas e avenidas, comecei a avaliar:

A cidade e a vida, engraçado, às vezes, nem percebemos que o tempo passa e como passa.

A inspiração para pintar começou a aflorar, passei a observar mais os detalhes:

A cidade de Franca, internacionalmente conhecida  pela  produção de couro e calçado, a cultura do café, de derivados de leite, mel, chocolate, joias e lapidação de diamantes.

O basquete, as medalhas, os títulos!

O relógio do sol, único vertical, construído em 1886 pelo frade Germano d´Annecy, marca esta mudança dos tempos. Outro igual? Só na França, em Annecy…

A Catedral Nossa Senhora da Conceição desde 1898 e aberta ao culto religioso católico em 1913.

 Um projeto do engenheiro italiano Carlos Zamboni…

Dois grandes monumentos que guardam as lembranças mais remotas de nossa cidade e hoje, com a mesma imponência, observam as transformações! 

Franca ontem, Franca hoje… UNIFRAN, UNESP, UNIFACEF,  FDF, FATEC e outras.

 Espaço cultural Casa da Cultura com o atelier e o acervo magnífico de Bonaventura Cariolato .

O prédio que abrigava a FEAC, na Rua Campos Salles, foi projetado por ele e foi o lugar em que ele morou, pintou e se eternizou.

Bonaventura  Cariolato nasceu em Malo, província de Vicenza, na Itália, em 1894. Aos 28 anos, conheceu uma jovem brasileira de Conquista (MG) que estava a passeio com a família pela Itália e se apaixonou.

No ano seguinte, veio para a região e pouco tempo depois radicou-se em Franca com a família.

 Franca ganhou o grande presente resultado desta união.

A bonita casa era local de exposições frequentes de artistas francanos, nacionais e internacionais, salões de arte como o de Abril, que participava e que, inclusive, ganhei medalhas, troféus e menções honrosas.

Lembro que passeava pela praça, visitava o Museu do Calçado, sentia a aragem das quatro estações, a “Praça Barão´´, a Água da Careta que me serviu de inspiração, tudo é uma volta ao passado.

Dá para sentir ainda aquele tempo que saíamos em turma ou sozinhos, íamos ao Clube dos Bagres, à exposição no parque Fernando Costa, tranquilamente, sem perigo nenhum.

 Não havia desemprego? Não havia maldade? Havia paz!

…e depois?

A casa nova, noutra rua, com jabuticabeiras no quintal.

Os casamentos dos irmãos, os sobrinhos netos e o vestibular…

Fui morar fora, sozinha, numa pensão em Ribeirão Preto, fiz cursinho e não só passei no vestibular (Letras) como também passei na vida!

Quanta experiência adquirida, sozinha, (d)eficiente, pessoas estranhas, mas com um grande coração .

Que sabedoria de meus pais permitindo este desafio! Atemporais!

Meu pai foi eternizado em Franca, com a Rua Alaíde Rodrigues Chagas!

Cabeça aberta, pessoas certas!

Deficiente? Eficiente com autonomia e significado!

Ainda caminhando pelas ruas e avenidas, comecei a avaliar:

A cidade e a vida, engraçado, às vezes, nem percebemos que o tempo passa e como passa.

A inspiração para pintar começou a aflorar, passei a observar mais os detalhes:

Franca, ´´FRANCA(mente)´´ considero Franca, a cidade que sempre abriu os braços para acolher-me e incentivar-me na arte, no magistério, tornou-se minha moradia especial!

Franca, lugar inspirador, nela crio telas literárias com pinceladas livres, soltas, expressionistas, repletas de sentimentos, impressionistas  como a névoa, a mancha  colorida das lembranças, pois se ‘’A pintura é um poema sem palavras’’, segundo Horácio, faço da Literatura uma verbalização da pintura de minha vida e coloco em exposição, nela exponho um grande e variado acervo , cada quadro com seu valor, mas a obra prima cabe ao leitor, ao observador  selecionar, ela é o começo, o meio e o fim é a merecedora da Medalha de Ouro!

Descubra- a… neste labirinto da alma.

Descobri e considero como  Medalha  grandiosa a que recebi   em 08 de maio de 2013 quando fui reconhecida como Cidadã  Francana!

Esta metafórica Chave da Cidade abre infinitas portas e assim, levo o nome de Franca para onde vou com meu cavalete, pincelo cores e deixo a marca de “ minha cidade do coração´´!

Parabéns!

Senhora Franca!

Por Nelise Luques

Franca é cidade linda, hospitaleira e dona do céu mais encantador e misterioso que conheço.

Hoje certamente mais agitada, mas não menos encantadora que nos anos 80, quando aqui nasci, na Santa Casa de Misericórdia, em uma manhã ensolarada de setembro.

Daqui me mudei em 2000. Morei quatro anos fora para me formar jornalista em Bauru e pra cá retornei. Cheguei de mudança num sábado de dezembro e quatro dias depois iniciei a minha vida de repórter no Jornal Comércio da Franca.

Desde então, trilhei ruas e histórias alegres, tristes e inspiradoras de inúmeros francanos, de nascimento e de coração. Sim, Franca tem o dom de “adotar” pessoas de uma forma muito natural, espontânea.

Franca me proporciona a oportunidade de explorar suas riquezas ao longo da minha jornada profissional. A Capital Nacional do Basquete me abriu as portas para compor a equipe que escreveu o livro Gestão também ganha jogo. Nele, mergulhamos na história inspiradora do basquete francano, desde seu nascimento nos anos 60 até o ressurgimento do time após superar a crise enfrentada em 2014.

A também Capital do Saneamento Básico me possibilita hoje, enquanto assessora de imprensa da Sabesp de Franca, dar luz ao trabalho e a projetos inovadores nascidos em Franca.

Um deles é na Estação de Tratamento de Esgoto, a ETE Franca, onde os gases gerados durante os processamentos são transformados em biometano, um combustível sustentável para abastecer carros!

É Franca praticando ESG, um exemplo vivo e na prática de economia circular que atrai olhares do mundo todo e dá visibilidade à cidade.

São iniciativas que projetam a cidade para o Brasil e o mundo como referência nos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto. É uma conquista que Franca orgulhosamente carrega de levar dignidade para a população.

A Capital do Calçado, outro título que a tornou conhecida mundialmente, é mais um orgulho. Os pisantes aqui esculpidos pelas mãos de milhares de trabalhadores são exclusivos e famosos. Difícil estar em outras cidades e não ver o nome de Franca associado aos sapatos que fabrica.

Franca também me presenteou com dois francaninhos: meus filhos Léo, de 8 anos, e Pietro, de 4. Os dois nasceram na Terra das 3 Colinas, na Terra do Calçado, na terra que é meu abrigo e tem toda minha admiração.

Cidade especial, admirável também. Combina o dinamismo de uma metrópole com o charme acolhedor do interior, tornando-se encantadora.

Neste seu bicentenário, desejo prosperidade e mais décadas e décadas de histórias de sucesso e que continue sendo terreno fértil para projetos surpreendentes.

É sempre um orgulho dizer que sou de Franca, que sou francana.

Gratidão, Franca!

Feliz 200 anos!

Franca alimentando mentes

Por Josiane Barbosa

Os duzentos anos de nossa cidade de Franca trazem reflexões das mais variadas paragens. Ao pensar nas “tramas da cidade” (referência a um livro de psicanálise que pensa o urbano e seus desdobramentos) optei por passear em um espaço conhecido e valorizado nas minhas vivências: o espaço da psicologia e da psicanálise.

     Há 40 anos Franca não oferecia nenhum curso de psicologia. Hoje oferece 3 cursos universitários, todos com estudo e pesquisa. Há 40 anos eram poucas as clínicas, poucas as escolas com orientação de psicologia, poucas as indústrias que admitiam psicólogos em suas estruturas organizacionais. Hoje temos psicólogos em hospitais, ONGS, institutos, industrias, assessorias de RH, cursos livres, grupos de estudos abrindo vagas para profissionais e estagiários.

     O que mudou? Não dá para responder no singular, temos que pensar no plural. Muitos fatores vieram acrescentar às posturas e reflexões de nosso dia-a-dia. As pesquisas demonstrando cabalmente a importância do cuidado com a saúde mental do trabalhador, as variações dos aspectos intrínsecos às aprendizagens dos alunos, os níveis de ansiedade e sobrecarga emocional das pessoas; todos fatores que ampliaram a atuação da psicologia e da psicanálise no meio social.

     Palavras como “terapia”, “análise”, “apoio emocional”, “aconselhamento”, “orientação profissional”, “reorientação de carreira”, passaram a fazer parte do vocabulário urbano comum e Franca, cidade média importante no cenário Nacional tem uma atuação significativa nessa área.

     Tornando meu foco de observação mais específico aponto a participação da psicanálise em nossa cidade como de grande relevância. Agregação ao trabalho individual dos psicanalistas em seus consultórios destaco iniciativa de estimular a integração entre a psicanálise e a cultura em duas iniciativas:

     Cinema e Psicanálise:evento mensal q ue consiste na exibição de um filme e posterior comentário sobre o filme. São comentaristas psicanalistas com formação pela IPA (Associação Internacional de Psicanálise) trazendo conceitos fundamentais do funcionamento da Realidade Psíquica à luz de autores consagrados. O cinema e Psicanálise volta em 2025 após o recesso da pandemia.  POEPSI: Encontros literários, com temática anual e encontros mensais, onde grandes poetas e escritores emprestam suas ideias para diálogos férteis com os conceitos psicanalíticos.

Uma cidade próspera necessita de movimentos culturais prósperos. Citei apenas alguns neste breve espaço, para sinalizar que existem outros e com igual riqueza. Que Franca continue crescendo nessa área de prestígio à alimentação das mentes. 200 anos é apenas o começo.

Franca 150 anos – Franca 200 anos o que mudou?

Por Atalie Rodrigues Alves

Convidada a escrever sobre os 200 anos de Franca numa visão feminina, o que me veio a mente foi falar de como foi ser mulher adolescente de uma família abastada da classe média numa cidade de interior conservadora e tranquila, então com oitenta mil habitantes.

Estudei do primário ao colegial numa escola pública, o Torquato Caleiro, que chamávamos de IETC. As classes eram mistas, mas as meninas sentavam nas carteiras da frente e os meninos atrás. No pátio também havia essa separação, não sei se forçada ou espontânea, as meninas de um lado e os meninos em outro, hoje um fato inimaginável. Morávamos a poucos quarteirões da escola e íamos a pé, sempre em turma, geralmente composta só por meninas. Eu tinha na época, anos 1960 , começo dos anos 70, quatro irmãs que se somavam às vizinhas do bairro da Cidade Nova. Nossa vida era no bairro, ir às casas de colegas vizinhas para brincar ou conversar, andávamos de bicicleta nas calçadas mesmo, ficávamos conversando nos portões das casas com muretas baixas, os muros altos de hoje com cercas e grades não existiam. A insegurança era pequena, às vezes escutávamos alguns homens importunando, mas não passava disso. Não frequentamos muito o centro da cidade. Os meninos, ao contrário, morassem ou não no centro, iam pra toda parte, tinham muito mais liberdade que as meninas desde pequenos.

Nosso lazer de férias na cidade era o Clube dos Bagres, onde aprendemos a nadar na piscina média até ter condições de ir pra piscina grande e até arriscar até saltar do trampolim. A moda era deitar no piso de ladrilhos vermelhos e ficar como “jacarés” tomando sol. Nada de protetor solar, ao contrário, algumas usavam até urucum pra ver se ficavam da cor do pecado. Ali no Clube encontrávamos os meninos. Ali começaram muitos namoros, senão começavam no próprio IETC era no Clube dos Bagres ou na AEC.

A Associação dos Empregados do Comércio (AEC), um prédio modernista inovador que deveria ter sido preservado para a história da cidade, assim como o Clube dos Bagres, era o hit desde os anos 1950, quando foi inaugurado. Aos domingos havia uma “brincadeira dançante” com som ao vivo, que em geral começávamos a frequentar a partir dos 14 anos. Uma curiosidade: eram as mães que levavam as filhas mais velhas até começarem a namorar e ganhar o alvará pra irem sozinhas. Quem tinha irmãos ou irmãs mais velhos eram vigiadas e controladas por eles. O esquema pra dançar era o rapaz “tirar” ou convidar a moça pra dançar. Muitos levavam “tábua”, como chamávamos a recusa de uma dança. As mães acompanhantes se enturmavam com as outras e até com os mais jovens.

Outro lugar de lazer eram os cinemas. Quem já namorava encontrava com o namorado na porta do cinema, era praxe o jovem pagar as entradas, mas alguns combinavam de encontrar dentro do cinema se não tinham dinheiro pra pagar a entrada pra namorada. Em geral íamos aos filmes livres, mas as vezes surgiam filmes para maiores de 15 anos e não conseguíamos entrar, ficava sempre alguém conferindo a identidade e a idade do frequentador. Uma vez fomos com dona Daicy, esposa do Pedroca e mãe de minha amiga Cristina Fuentes, que nos levou ao cine Odeon para assistirmos um filme que mostrava como era o corpo feminino por fora e dentro, não lembro se era um filme didático ou documentário. Só com ela conseguimos assistir o filme. Quando achávamos que íamos ser barradas nos filmes dos dois cinemas do centro, o São Luis e Odeon, nós que morávamos na Cidade Nova íamos ao cine Avenida e lá conseguíamos assistir aos filmes proibidos para nossa idade. Um que assistimos e nos deixou chocadas, foi o filme “Um homem chamado cavalo”, filme dos anos 70 que contava a história de um americano branco e loiro que vai viver entre os índios e é torturado por eles preso em garras e içado com cordas, ficando dependurado. Seria uma vingança aos brancos que dizimaram os índios americanos?

Nessa época era normal estudar em uma escola pública, em geral tinham boa qualidade de ensino. Minha mãe, que vinha de família de pequenos sitiantes, veio de Ituverava para estudar em escola pública. Ela priorizava os nossos estudos, dizia que era a herança que ia nos deixar. Existiam os colégios religiosos, o Marista para os meninos e o das freiras, o Lourdes, para as meninas de classe mais alta, mas esses colégios foram fechados exatamente no início dos anos 70 e os estudantes acabaram indo para as escolas públicas. Se a família tinha condição financeira, era praxe as meninas estudarem piano, pois violão não era “instrumento para as mulheres”. Mesmo assim, nos anos 1950 as pianistas Lúcia Garcetti e Margarida Pucci fizeram serenatas tocando violão! No terceiro colegial, muitas de nós fizemos cursinhos pré-vestibulares em Franca e lembro que fui a primeira mulher da minha geração na família Rodrigues Alves a estudar fora de Franca, com o apoio de meus pais, sobretudo de minha mãe.

Filhas de pais católicos, tínhamos a obrigação de ir a missa aos domingos. Neste período foram criados e organizados vários grupos de adolescentes, sempre comandados por um casal católico. Frequentei o “Grupo Garimpeiros” coordenado pela Lolita (ainda hoje muito ativa, criadora do Halel) e o seu marido Mauro Silveira. As reuniões aconteciam toda semana na casa de um dos integrantes, em geral uns quinze adolescentes. Era meio que um terapia em grupo voltada ao cristianismo, cada participante contava algo de sua experiência que julgava ser um exemplo cristão e discutíamos assuntos polêmicos como as drogas e até mesmo sexo, sempre moderados pelo casal tutor. As reuniões terminavam com a turma, em geral os meninos, tocando violão e cantando músicas populares.

Assim era a mulher adolescente há 50 anos. E na Franca dos 200 anos, a mulher adolescente soube manter as conquistas e abriu novas frentes de possibilidades? Mesmo assim ainda falta muito a conquistar.

Vagando pela noite

Por Lívia Stocco

Vagueio tranquila pelas ruas desfrutando do silêncio. Faltam cinco minutos para a meia-noite, e nestes poucos instantes, deixo me levar com o vento que rescende ao aroma dos ipês floridos.

Quando Anhanguera abriu o Caminho de Goiás, que passava por aqui e ia até São Paulo, será que tinha ideia de que eu estava entre a sua comitiva? Penso que não. Na época, eu era apenas uma semente. Uma promessa que acabou encontrando terra fértil e criando raízes nesta terra.

Alguém pensaria que, quando uma cidade começa, nasce uma alma própria dela?

Passo pelo pátio vazio onde a Feira do Rolo acontece todos os fins de semana. Sorrio; negócios e histórias são feitos aqui. Deixo a brisa me levar para outro canto e, em um instante, me vejo em frente ao Poli Esportivo. Penso no Sesi Franca. Meu basquete foi campeão ano passado, sabia?

Sou levada para outro estádio, o Lancha Filho, onde o futebol da minha Francana tem suas batalhas. Meu sopro se estende a outros esportes e também às artes, e me lembro de Regina e de Veríssimo. São tantos ilustres em minha cidade! Mas não paro por muito tempo: faltam quatro para meia-noite, e ainda quero ver mais.

Sou levada para a Estação Ferroviária e me recordo, saudosa, da locomotiva. Estive entre os passageiros tantas vezes! Me apego à promessa de que o prédio estará vivo de novo em breve, porque eu o vi brilhar.

Faltam três para meia-noite. Continuo a vagar. Sou transportada para uma fonte e me deparo com uma placa: “Esta é a Água da Careta. Tão bela como nunca vi. Quem beber desta fonte, nunca mais sairá daqui”. Será que alguém imagina que fui eu a musa que soprei a inspiração para esses dizeres ao ouvido do autor da frase?

Toco na fonte, e logo estou vagando de novo. Dois para meia-noite. Chego à praça central, ao Relógio do Sol. Gasto os últimos minutos pensando nas conquistas do meu povo, em suas manifestações, em suas criações. O prato JK, a festa Hallel, a Exposição agropecuária, a força do setor calçadista, o sabor de nosso café. De olhos fechados, penso nas pessoas. Problemas existem, que cidade não os tem? Mas há beleza. Há virtude.

Abro os olhos. Estou no alto da Igreja Matriz e falta apenas um minuto para que eu me torne uma jovem senhora de duzentos anos.

Um amigo se aproxima feito de vento e estrelas: o Futuro. Em suas mãos, uma caixa com um laço bonito. O relógio badala a meia-noite; ele me entrega o pacote. Abro e sou iluminada pelo conteúdo.

Para mim, a Alma da Cidade, o povo — meu povo — me dedicou sua esperança e a promessa de trabalhar para que eu me torne mais bela, forte e segura. Sorrio, feliz com meu presente.

Que Franca você habita?

Por Maria Luiza Salomão

Não nasci em Franca, cheguei meio assustadinha com 9 anos. Saí, nos meus 18 anos, querendo abrir asas, saber do mundo. Voltei casada, psicóloga, tive dois filhos seguidinho. Cultivei espaços, afinei escutas, conheci grupos de pessoas com modos de vida diferentes. Como tem grupos em Franca! Religiosos, literários, amigos antigos. Circulei em muitas esferas…

O que Franca fez em mim? O que fiz em Franca? Como definir um espaço geográfico, impessoal, e torná-lo íntimo, adotá-lo como seu? O que vejo/não vejo onde habito? O que vivo/não vivo?

Será a mesma cidade para TODA esta população, que deixei em 1970 com aproximadamente 70 mil habitantes, e hoje bate em 400.000? Cidade que entretece sonhos de tantos? Aquém ou além das colinas, vales, sombras e luzes, vivemos na mesma cidade?

Mal nos conhecendo, e nos reconhecendo, no breu das letras, dançantes, rítmicas, silenciosas, desordenadas, canções de dor/alento/força/fé/alegria? O que nos une?

Casas onde morei mocinha moça/adolescente, na Major Nicácio, elas não mais existem. O Clube dos Bagres: nadava todos os dias e lá acompanhava o basket francano, ele não é o mesmo.

  • Não sou a mesma.

A praça do meu “footing” – o que virou? Os três cinemas, assídua frequentadora que fui do Cine Avenida, São Luiz e Odeon, não são cinemas… não mais. A Bombonière? Meu gosto será o mesmo para balas torino e aquele chocolate crespinho com amendoim?

A Livraria do Commercio – passeio preferido no “centro” – destruída! Sumiu em meio a tantas lojas que não sei, não sei mesmo, o que vendem…

Meu IEETC – Admissão/ginásio/científico. Científico de manhã e Normal, à noite, no ATENEU: nem reconheço a esquina que minha mãe me buscava, curso dedicado a ela, que me queria professora.

E o inglês da tia Ceição, nas suas garagens de casas desaparecidas? Meu inglês enferrujou, mas a língua permanece, fortalecendo meu entendimento, ampliando meus horizontes.

Cidade invisível para olhos jovens. Viva aos olhos meus. Uma Franca do tamanho do que nela vivi. Atemporal. Em geografia da alma – localização só minha. Quanto passado ela tem nos seus 200 anos…quanto presente existe fruto do meu passado aqui…quanto futuro ainda viverei nela, com ela, para ela?
A Franca que construo/construirei será outra. Outra Serei

Franca, minha aldeia7

Foto: Maria Júlia Totino

Por Vanessa Maranha

Franca, minha aldeia

Vanessa Maranha

O conselho do escritor Leon Tolstói, “canta a tua aldeia e serás universal”, que condensa sentidos de pertencimento e identidade, quando jovem, me soava como um certo reducionismo.
Nossa! Como assim, contestar Tolstói? Ah, o jovem tem uma inquietude, uma arrogância, oposição contra o estabelecido e quer mundo.

Não esquecer que como nação colonizada e espoliada por tantos séculos, nos é quase atávica, enquanto brasileiros, a ideia de que o maior e o melhor está lá fora. Pensando bem, nem só por nações colonizadas.

A Bíblia traz a parábola do Filho-Pródigo; a Odisseia, de Homero; a Caverna de Platão; o conceito entrópico do “eterno retorno do mesmo”, em Nietzsche, para citar apenas alguns dos constituintes do pensamento Ocidental mostram como sempre ocorreu esse movimento dinâmico de fuga (da) e volta às origens.

Comigo também assim. Só na maturidade a máxima de Tolstói se traduziu em significado corporeificado em mim, na percepção de que a minha aldeia, por onde quer que eu caminhe, o que quer que eu escreva, o que quer que faça, ainda que não nominalmente, está toda no que sou.

Já morei em locais remotos, muito longe daqui, acima da linha do Equador, inclusive.

Já viajei para vários países circundando essa Terra redonda; sou essencialmente viajante, expedicionária mesmo, mas, na medida em que o tempo passa, mais e mais me encanto por essa cidade, suas largas avenidas, seu centro, sua atmosfera, clima, gentes, comidas, suas árvores, sua beleza.

Precisei sair daqui para aqui querer estar. Precisei ver Franca de longe e comparativamente, para aprender a amá-la.

Como ficar longe dos amigos de tantos anos? Como não ter perto o frescor dos pães e quitutes do Pão Nosso? Como não pedir um delivery caprichado no Azul? Como não estar, pelo menos uma vez ao mês, no Gasparini e na Chaminé?

Como não acompanhar os movimentos sempre fecundos do Laboratório das Artes, a produção textual de Sonia Machiavelli, Luiz Cruz, Baltazar Gonçalves, Perpétua Amorim, Lígia Freitas, Adriana Mendonça e tanta gente que escreve bem nessa terra?

Nazir Bittar, Diego Figueiredo, os irmãos Ronaldo e Marcos Sabino, o Quarteto Enredado, gente fazendo música da melhor cepa aqui.

Tudo flores? Não. Franca precisa de mais cuidado nas áreas da Cultura, Educação, Lazer, Saúde, Social, Ambiental entre outras.

Mas é, hoje, finalmente, o meu ponto de contato com o mundo.
Daqui saio para sempre voltar.
Parabéns, linda cidade, pelos seus 200 anos!

De Capim Mimoso à Franca

Por Isa Maguilet

No Sertão do Capim Mimoso, um pouso se fez
Bandeirantes, com coragem, por ali passaram em paz,
Chamaram-no Pouso dos Bagres, o ponto inicial
De um lugar que floresceu, de encanto sem igual.

Hipólito Pinheiro, com bravura fez a cidade a se fundar,
Traçou os rumos dessa terra a se edificar.
Em 1824, ao alvorecer,
Franca se fez município, começando a crescer.

Anselmo Ferreira, em 1838, a revoltar-se fez,
Na chamada Anselmada, a história se refez.
E logo, em 1839, com força a brilhar,
Franca, comarca elevada, já a prosperar.

Em 1856, a cidade se ergueu,
De vilarejo para cidade, seu nome se fortaleceu.
De italianos, espanhois, africanos, foi uma terra de imigração,
Nasceu a indústria, do calçado que é nossa maior paixão.

Na guerra do Paraguai, esteve firme, ao lado da nação,
Franca participou, com coragem e união.
Nas décadas que seguiram, o progresso a guiar,
Nos anos 60, seu plano a estruturar.

Na educação, um legado a se destacar,
Escolas excelentes a jovens a preparar,
Com saberes que formam mentes brilhantes
Franca ensina o futuro a caminhar constante.

Hoje, é conhecida por seu calçado de qualidade,
Por basquete nas quadras, que tornam o povo em gritos de felicidade,
E pelo café que exala seu aroma no ar,
Franca, cidade que nunca deixou de sonhar.

Do Pouso dos Bagres, ao mundo a mostrar,
Franca, cidade de história a encantar,
A capital do calçado, do esporte e da paixão,
Seguirá sempre firme, com amor e com ação

A Franca é cidade de arte, cultura e histórias
Seguirá sempre firme, com amor e vitórias
Franca é força, é arte, é vida, é coração.
E acima de tudo paz e união!

Entre Franca e Pasárgada

Por Katiucia Cristina Gonçalves Brunelli

Com sua Terra natal
Severino se revoltou
Com seu coração apertado
Seu amigo ele procurou

Olá, Tião, meu amigo!
Como é que você está?
Me vê sua melhor bebida
Que hoje eu quero comemorar

Finalmente dessa terra
Vou conseguir me livrar
Amanhã bem cedinho
Pra bem longe eu vou voar

Tião era dono de bar
Já estava acostumado
Sempre ouvia as histórias
Dos clientes mal humorados

Severino, meu querido
Pra quê tanta marra
Franca é terra tão boa
Não compensa fazer as malas

Vai até a Capelinha
Reformular sua fala
E se isso não der certo
Come um tanto de jabuticaba
Se ocupar com coisa boa
Ajuda a não fazer coisa errada

Tião, “cê ta” maluco
Isso não vai me ajudar
Rezar, Comer, pensar
Só vai me fazer estressar

O que eu quero é ir embora
Sair desse lugar
Minha vida está parada
Preciso movimentar

Meu amigo pensa direito
Pensa pra tomar decisão
Se precisar movimentar
Dá uma volta no Pedrocão

Visita o Relógio do Sol
E o Parque de Exposição
Mas não vai embora de Franca
Com base na aflição.

Tião você não está entendendo
Eu já me decidi
A única coisa que eu sei
É que não quero ficar por aqui

Não adianta chupar manga
Nem comer caqui
Nem mesmo uma bolota
Vai me fazer desistir

Se você já está decidido;
Só tenho que te apoiar
Conta logo para mim
Pra onde é que você vai viajar

Estou em busca de aventura
Trabalho, amigos e amor
Lugar bom pra isso é Pasárgada
E é pra lá que eu vou

Isso tudo tá parecendo
Uma grande ilusão
Mas, se é o que você quer
Vai com Deus, meu irmão.

Severino segue viagem
O caminho é muito duro
Enfrenta frio, enfrenta fome
Sofre no escuro.

Quando, finalmente, chega
Chora de emoção
Pensa que nesse lugar
Terá boa recepção

Logo de cara percebe
Que ali não há hospitalidade
Tudo mundo é muito duro
Naquela fria cidade

Não consegue arrumar emprego
nem uma boa amizade
Comida, Passeio, esporte
Tudo sem qualidade

Encontra em um boteco
Alguém para conversar
E sem travas na língua
Começa a reclamar

Pasárgada é terra cruel
Não fico aqui nem mais um instante
É pedra bruta lascada
Disfarçada de diamante

E, sem pensar duas vezes
E esperar por resposta
O retirante, ligeiro
Pendurou a mochila nas costas

Assim, com muita pressa,
Ele se recuperou
Gritou que tinha saudades
Da Franca do Imperador

Voltarei para minha terra
E beberei água da careta
Vou retomar minha vida
E ficar longe de treta

Ao reencontrar o Amigo;
Velho companheiro de farra
Com choro compulsivo
Foi defendendo com garra

Companheiro, que saudade!
Bem que você me avisou
Eu não fui por maldade
Mas, agora aqui estou

Nossa cidade é maravilhosa
Agora sei como é
Bora passear na fonte
Tomar um bom café

Quero passear no Shopping
Na catedral professar minha fé
Ir ao jogo de basquete
E no Itaú comprar um boné

Seguir com nossa amizade
Disso não abro mão
Recomeçar no calçado
Essa é minha inspiração

E, assim, seguiu Severino
Com o coração tranquilo
Na cidade que o acolheu
E onde mora desde menino

Foi a água que bebi!

Por Rita Mozetti

Eu tinha medo dela

Ela era história

Mas, para mim mistério.

Eu era criança

Curiosa e exploradora.

Todas as vezes que eu tinha que passar por ela

Confesso que era misto de medo com encantamento.

Naquela época, para mim,

Ela era feia,

Séria

Tinha cara de brava

E ainda se chamava “careta”.

Não tinha como evitá-la.

Quem quisesse ir do Centro à Estação, no caminho, antes da ponte,

Encontrava-se com ela ali, toda imponente.

Eu passava, parava, lia a placa e observava a água que dali escorria.

Minha mãe insistia: “Bebe um pouquinho”

Ela se deliciava,

Eu nunca quis arriscar

Preferia não tomar!

Eu tentava encará-la, mas nunca fui corajosa o bastante.

O olhar dela me vencia, era penetrante, ofuscante

Mamãe parava para se refrescar e nunca saia de lá sem uma história para me contar.

E na minha cabeça ficava: “Nunca sairá daqui” “Nunca sairá daqui…”

Mas, eu queria sair, conhecer outros lugares, mesmo que depois eu voltasse, mas eu queria ir.

Me negava a beber, pois a água que dali vinha, podia me deter.

Eu acreditava nela, acredita naquela careta!

Um dia, de tanto medo e mistério que a envolvia, sonhei com ela

Sonhei que bebi toda a água que dela escorria.

No sonho, me debrucei na fonte, na pontinha dos pés, fechei os olhos para não ver a cara dela, juntei as mãozinhas e bebi da água.

Agora não tinha mais jeito, encarei a careta, bebi a água e de Franca não mais sairia.

Não contei o sonho para ninguém, mas mamãe logo percebeu que minha cama estava molhada.

“Gente, a Rita fez xixi na cama!”

Tentei explicar:

“Não é xixi, mãe. É a água da careta que bebi”

Franca, terra dos meus sonhos

Por Eliane Sanches Querino

Coloco Terra dos Meus Sonhos na vitrola e vou buscando inspiração para escrever sobre minha terra, minha Franca, e seus 200 anos.

Acho impossível escrever e falar de minha cidade sem misturar com minhas lembranças de mais de 60 anos por essas ruas, travessas, praças e jardins. Testemunhei a transformação da cidade antiga, com carroças pelas vielas até as peruas que chegavam com sua ‘modernidade’: kombis, rurais….Difícil passar com elas pelas ruas estreitas, de paralelepípedos que quebravam o salto das moças a caminho do footing da praça central. Como imaginar os tempos em que as mulheres ficavam dando voltas pelos jardins da praça e os moços permaneciam parados, a cada volta uma piscadinha, uma emoção… Se somos uma cidade de grandes mulheres: Luiza e Luiza Helena Trajano, Patrícia, Elza Palermo…será que elas fizeram footing?

D Lúcia Gissi Ceraso comandava o orfeão do Ginásio do EETC e os jovens cantavam as belezas de Franca e do Brasil com um civismo incrível! ‘Uma Hora em Comunhão com a Pátria’ e várias e cansativas horas de ensaio para que tudo saísse perfeito! Sempre vencíamos o Cidade x Cidade! Fomos em vários ônibus torcer para Elisa Gosuen ser Miss SP, moça mais linda nunca existiu…Tínhamos baile do suéter, de debutantes, de Aleluia, brincadeiras dominicais onde nossas tias, mães e avós nos ‘protegiam’ dos rapazes de longos cabelos e costeletas compridas . Na Cinderela comprei minhas roupas da Jovem Guarda e todos os fuscas da terra tinham o ‘brucutu’ roubado. Era o anel mais cobiçado!

Os festivais de música eram explosões de criatividade, de encontros, de paixões! A ‘Participação’ do Grupão com Jairo, Wanira, Mazzo, Pixoxô, Erlindo e Ulisses nos trouxe a baixa sofrida do Agnelinho… Cantavam Franca e encantavam toda a região com sua juventude, sua voz e sua música! Samba 4, com Ana Amélia, Carmen, Rosinha, Jane, depois Aninha.. A boa música era tocada nos restaurantes, no Arraial, no Piccadilly…que saudades que dá!

Os Jogos da Primavera explodiam as paixões da juventude… casais se formavam por debaixo das arquibancadas do Pestalozzi e muitos primeiros beijos tiveram os jogos por testemunha! E o Clube dos Bagres tinha as inesquecíveis tardes de sábado com os irmãos Garcia e seus parceiros nos levando ao delírio! Até hoje!! Muda o nome do time, a emoção de ser francano e torcer pelo nosso basquete não muda!

Andávamos pelas ruas sem medo, as ruas eram nossas: dos amigos, das famílias, dos namorados. Em cada esquina um beijo que era para chegar em casa sem levar bronca da fera-mãe com os ‘5 Minutos da Viuvinha’ Quem tem mais de 60 vai se lembrar!

E, se desse certo, ganhar uma serenata…e uma flor no final. Podia ser o som do carro, mas era tanta gente que curtia tocar violão… Assistir Vinicius de Moraes na Casa do Estudante, ver o vento levantar minha saia pregueada na frente do hotel Francano e o moço lindo que passou me zoando… casar comigo! Sorte ou castigo?

Franca é nossa! Uma história de vida em cada canto! Franca é uma cidade tradicionalista, conservadora, desconfiada como nossa vizinha amada, Minas Gerais. Mas tem o arrojo e a coragem dos paulistas, a força dos imigrantes espanhóis, portugueses, árabes e italianos que conquistaram seu espaço e mudaram a cultura da cidade. Nas épocas de crise de agiganta! Mexe conosco não!

Que esses 200 anos nos tragam de presente um espelho onde cada francano possa ver o que realmente somos… o que fomos, sim, mas tudo o que podemos ser nessas abençoadas 3 colinas de clima ameno e gente solidária! Mostra sua força, Franca! Ela vem da sua gente, todos juntos! Ela vem dos nossos sonhos…

Terra dos meus sonhos…

Franca de muitos sonhos!

Por Nayara Hakime Dutra

Dentre muitos relatos que poderia trazer nesses 200 anos de Franca, enquanto uma francana que daqui nunca saiu, traço, nessas singelas linhas, relatos de um dos melhores períodos da minha vida. A juventude vivida na Rua Ouvidor Freire, com amizades que são e estão presentes, criando memórias que ainda estão vivas. Quantas memórias!

A vida universitária, dividida entre a Unesp, onde cursava Serviço Social e a Unifran, onde cursava Processamento de Dados. As tardes de sábado eram embaladas pelo grupo de jovens da Catedral Nossa Senhora da Conceição e os ensaios da Banda Shemá, a banda católica das meninas que tocavam e cantavam, na qual eu tocava baixo, preparando para o evento mais esperado pelos músicos católicos: o Hallel. À noite não podia faltar nossas idas ao Picanha. Os jogos de basquete! Quantas lembranças!

Falar dessa época traz uma reconstrução na memória de um quebra-cabeças com peças que ainda faltavam completar, mas esperançadas por um desejo de ser feliz! Não tem como viver no centro de Franca e não passar pela praça Nossa Senhora da Conceição, que por sua imponência, cativa os olhares que com passos ligeiros desbravam dias e noites na busca de um novo tempo. Quantas vezes passamos por lá!

As canções de Marisa Montes estavam nos LPs da Martins, no calçadão da Rua Marechal Deodoro, bem como revistas que queríamos tocar, folhear e apreciar as notícias e fotos dos artistas preferidos. Ficávamos olhando e desejando comprar, ou, quem sabe, ganhar no amigo secreto de Natal. Quantos desejos!

Os sonhos da juventude também tinham uma pitada de medo daquilo que ainda não sabíamos como seria, ou seja, conhecer o desconhecido. Ah, se soubéssemos, teríamos aproveitado mais esse tempo. Minha mãe sempre dizia que aquela época passaria rápido demais e eu, na minha desconfiança, pensava que duraria o resto da vida. Quantos sonhos!

A mesma Franca que me decepciona, é aquela que me dá conquistas e frutos dessa cidade das colinas. Se viajo, fico feliz ao chegar. Se fico muito tempo sem viajar, começo dela a reclamar. Contudo, sei, com certeza, que minha terra é um lugar no qual eu posso pisar e ter a certeza que a cidade me abraça e acalenta. Ah isso é colo de mãe. Quanta contradição!

Ao relembrar essa fase da minha vida, sentimentos afloraram e fizeram ter a certeza que Franca trouxe para mim as coisas mais belas da minha vida e nela vivi e vivo histórias compostas e impostas, mas que trazem um colorido especial para a minha existência. Franca, parabéns pelos seus 200 anos!

Eu e Otávio na Rua Antônio Bernardes Pinto

Por Aretha Amorim

Vivi minha primeira infância na Rua Antônio Bernardes Pinto, na década de 80. Nessa época a rua contava com um grande fluxo de carros, motos e muitos ônibus, era rotineiro olhar o vai e vem dos veículos pela janela, nela minha mãe amarrava uma cordinha frouxa, sem laço e sem jeito, que segundo ela, era a garantia para evitar qualquer imprevisto.

Morávamos em um sobrado em cima de uma loja de móveis, ele tinha uma calçada recuada, que talvez por sorte ainda conserva a marca dos meus pés descalços e sujos até hoje.

Nas minhas lembranças a rua tinha como atrações principais uma padaria, uma venda e uma escola.

Eu andava pela Bernardes Pinto, as vezes sozinha, o que era uma ousadia para uma menina de 7 para 8 anos, segundo a minha mãe ela dizia que me olhava através da janela com a tal cordinha. Nessas condições, eu ia comprar balas em uma economia do plano Cruzado.

Algumas vezes que fui na padaria, acabei indo na Escola. Na época se pedisse para minha mãe para ir até lá, provavelmente ela não deixaria. Mas, tinha por mim que era permitido, pois minha mãe ficava olhando da janela, então não era preciso avisar.

Para mim era o que tinha para olhar na rua, e ou talvez o que eu conseguia enxergar naquele momento da vida: a escola, a padaria e a venda. A padaria já era acessível, a venda eu tinha medo, não me interessava, diferente da escola grande e movimentada que chamava a minha atenção.

Nesse tempo, teve dias que Antônio Bernardes Pinto ficava muito diferente, eram dias de eleição, eu e meu irmão rolávamos na calçada, recolhendo panfletos e santinhos sem nem entender o que era esquerda e direita ou muito menos o que era política.

Em um desses dias meu pai passou e falou “ vou votar” , fui atrás dele.

Nesse dia, entrei na escola que só observava pelo lado de fora, entrei. Escola Estadual Otávio Martins. Lá tinha um pátio enorme e muitos, muitos papéis espalhados por todo canto, automaticamente comecei a juntar o máximo que as minhas mãos conseguiam, colocava dentro da minha camiseta, utilizava de estratégias fracassadas para concentrar o máximo de papéis, em um movimento repetitivo e fraco. Claro alguns e muitos santinhos caiam, salvava-se poucos.

Mas a diversão era pegar e ali naquele pátio, eu estava no paraíso, por tempos não conseguia entender se a emoção era por ter entrado na escola ou se era o encontro com tantos papéis.

Mudamos dali, fomos fazer nossas memórias em outra rua.

Vida correu, diversas eleições passaram, compreendi o que era esquerda e infelizmente o que era direita.

Voltei a entrar naquele pátio já mulher, mãe e professora. Vivi, vi, ouvi, não ouvi, falei, cantei, dancei, trabalhei, chorei, reclamei, cansei, sorri e amei naquele pátio.

Hoje quando olho para a Aretha da Rua Bernandes Pinto, criança, acredito que ela já sabia que muita da sua vida iria correr e cruzar por essa rua e que seus papéis ainda na sua infinidade iriam ser transformados em provas, trabalhos e diários.

Esses textos fazem parte da série "O que elas têm a dizer" em que escritoras de Franca homenageiam a cidade pelos 200 anos, comemorados no próximo dia 28 de novembro. Será um texto por dia, até o final do mês, de crônica, conto, ensaio, poesia… escrito por mulheres. Se você também quiser participar, envie seu texto para solveloso2008@hotmail.com indicando no assunto: texto para homenagear Franca. Ficaremos felizes com todas participações. Soraia Veloso, escritora e francana de coração, é a idealizadora do projeto.

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