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Fim do ambiente onde todos são suspeitos…

Há 10 anos ou mais – desde que a população protestou nas ruas contra o Brasil gastar dinheiro para sediar a Copa do Mundo e foi deflagrada a Operação Lava Jato, destinada a coibir operações fraudelentas em órgãos estatais, empreiteiras com o envolvimento de políticos e executivos – o País vive formidável insegurança juridica. Notórias figuras amargaram prolongados períodos de cárcere, parte delas confessou os malfeitos e devolveu dinheiro público sacado do cofre por esquemas ilegais e explicitamente criminosos. Em alguns casos, o numerário teve de ser repatriado porque já se encontrava depositado no exterior e os titulares optaram por revelar sua existência para readquirirem o direito de responder pelos seus crimes em liberdade.

Depois do impeachment de Dilma Rousseff e suas consequências, o embate político tornou-se mais bruto e sofismatico. Os petistas – atingidos frontalmente porque eram fatos do seu período de governo – classificaram o afastamento da presidente como “golpe”, mesmo sabendo-se da legalidade e regularidade do processo tramitado no Congresso Nacional com a sessão de julgamento dirigida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Seus adversários aproveitaram-se do clima político criado e elegeram Jair Bolsonaro, que passou os quatro anos do mandato sob implacável perseguição e, agora, teve até decretada sua inelegibilidade e sofre as denúncias de ter tentado desfechar um golpe de Estado para anular as eleições de 2022 e continuar à frente do governo, hipótese que nega veementemente. .

Detonada a Lava Jato, cassado o mandato do seu ex-procurador-chefe, eleito deputado federal e tentado também o afastamento do ex-juiz Sérgio Moro, antigo titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que cuidava dos processos da operação (hoje senador), continua a fragilidade decorrente do derretimento da ação anticorrupção. Agora, no outro lado da contenda, verifica–se, em andamento no Congresso, a proposta de invalidar as delações premiadas cujos autores tenham produzido no período em que estavam presos. Na ótica dos adversarios de Bolsonaro, um dos objetivos do projeto seria livrar o ex-governante das acusações que o comprometem, como as do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens; mas há que se considerar que, estabelecido esse critério, a maioria dos delatores da Lava Jato, acusadores dos esquemas do PT também terão suas confissões desclassificadas.

Tudo o que se passou nessa década de Lava Jato e similares coloca nosso País sob grandes pontos de interrogação. Os crimes apurados (alvos de condenações até em Instâncias Superiores) requerem finalização. Não basta a descriminalização dos réus por questões formais sem a solução da prática delitiva. A Nação tem de ser informada claramente se houve ou não crime e o que foi feito para seu saneamento. Na pior das hipóteses, se ficar oficialmente declarado a inexistência de dolo, há que se reparar os atingidos e, mais que isso, processar, julgar e punir quem os enredou como criminosos. Outra coisa: esclarecer o que se fez do dinheiro devolvido pelos delatores.

A polarização política, que transformou adversários em inimigos não pode prevalecer. Que se confrontem durante as campanhas eleitorais é compreensível, mas fora deles é pura perda de tempo e turbamento da reputação da classe política. Não podemos continuar com as lideranças políticas – pouco importa se de esquerda, centro ou direita – coberta pela incerteza quanto sua honestidade e honradez. A prevalecer esse estado de coisas, cada dia ficará mais difícil a constituição de novos quadros para compor a atividade política. Reclama-se que o empresariado tem evitado entrar na política, mas isso é perfeitamente compreensível. Quem tem negócios a cuidar não pode ficar sujeito a ter a polícia batendo na porta com acusações que nem sempre se confirmam. Por isso, ficam fora, até por segurança.

O ideal seria que todo ocupante de cargo eletivo ou de altos postos fossem figuras acima de qualquer suspeita. O povo se sentiria mais confortável se assim fosse. Mas, lamentavelmente, as troca de farpas e a judicialização política tem operado como fator de desconstrução da imagem dos nossos homens e mulheres públicos. Isso é preciso acabar para a Nação deixar de viver sobressaltada. Precisamos ter o Estado, no seu sentido mais amplo, como aquele que cumpre suas funções sem a emissão de juízo de valores, sem sorriso nem carranca e tudo rigorosamente dentro da lei. Todos têm de levar consigo a certeza de que pagarão pelo errado que cometerem mas jamais serão acusados levianamente. No dia que conseguirmos esse nível de excelência, a maioria dos problemas nacionais estará solucionada.

Na mesma linha. Para pacificar todos os quadrantes da Nação, bom seria também providenciar a anistia aos condenados de 8 de janeiro. O suposto golpe de Estado pode até ter sido engendrado, mas não desfechado e, nestas condições, por diferentes razões, não existiu. Poderiam até os implicados quererem o golpe, mas para tentá-lo, teriam de dispor de armas, violência e provocado insegurança; o máximo que executaram foi baderna que poderia ter sido facilmente controlada. .Anistia é o perdão do Estado para a vida voltar ao curso normal. Condenado por um golpe pensado, facilmente poderá qualificado como preso político, produto comum às ditaduras, mas nunca na democracia…

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

É dirigente da Aspomil (Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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