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Eu e Otávio na Rua Antônio Bernardes Pinto

Por Aretha Amorim

Vivi minha primeira infância na Rua Antônio Bernardes Pinto, na década de 80. Nessa época a rua contava com um grande fluxo de carros, motos e muitos ônibus, era rotineiro olhar o vai e vem dos veículos pela janela, nela minha mãe amarrava uma cordinha frouxa, sem laço e sem jeito, que segundo ela, era a garantia para evitar qualquer imprevisto.

Morávamos em um sobrado em cima de uma loja de móveis, ele tinha uma calçada recuada, que talvez por sorte ainda conserva a marca dos meus pés descalços e sujos até hoje.

Nas minhas lembranças a rua tinha como atrações principais uma padaria, uma venda e uma escola.

Eu andava pela Bernardes Pinto, as vezes sozinha, o que era uma ousadia para uma menina de 7 para 8 anos, segundo a minha mãe ela dizia que me olhava através da janela com a tal cordinha. Nessas condições, eu ia comprar balas em uma economia do plano Cruzado.

Algumas vezes que fui na padaria, acabei indo na Escola. Na época se pedisse para minha mãe para ir até lá, provavelmente ela não deixaria. Mas, tinha por mim que era permitido, pois minha mãe ficava olhando da janela, então não era preciso avisar.

Para mim era o que tinha para olhar na rua, e ou talvez o que eu conseguia enxergar naquele momento da vida: a escola, a padaria e a venda. A padaria já era acessível, a venda eu tinha medo, não me interessava, diferente da escola grande e movimentada que chamava a minha atenção.

Nesse tempo, teve dias que Antônio Bernardes Pinto ficava muito diferente, eram dias de eleição, eu e meu irmão rolávamos na calçada, recolhendo panfletos e santinhos sem nem entender o que era esquerda e direita ou muito menos o que era política.

Em um desses dias meu pai passou e falou “ vou votar” , fui atrás dele.

Nesse dia, entrei na escola que só observava pelo lado de fora, entrei. Escola Estadual Otávio Martins. Lá tinha um pátio enorme e muitos, muitos papéis espalhados por todo canto, automaticamente comecei a juntar o máximo que as minhas mãos conseguiam, colocava dentro da minha camiseta, utilizava de estratégias fracassadas para concentrar o máximo de papéis, em um movimento repetitivo e fraco. Claro alguns e muitos santinhos caiam, salvava-se poucos.

Mas a diversão era pegar e ali naquele pátio, eu estava no paraíso, por tempos não conseguia entender se a emoção era por ter entrado na escola ou se era o encontro com tantos papéis.

Mudamos dali, fomos fazer nossas memórias em outra rua.

Vida correu, diversas eleições passaram, compreendi o que era esquerda e infelizmente o que era direita.

Voltei a entrar naquele pátio já mulher, mãe e professora. Vivi, vi, ouvi, não ouvi, falei, cantei, dancei, trabalhei, chorei, reclamei, cansei, sorri e amei naquele pátio.

Hoje quando olho para a Aretha da Rua Bernandes Pinto, criança, acredito que ela já sabia que muita da sua vida iria correr e cruzar por essa rua e que seus papéis ainda na sua infinidade iriam ser transformados em provas, trabalhos e diários.

Aretha Amorim é professora e pedagoga

Esse texto faz parte da série "O que elas têm a dizer" em que escritoras de Franca homenageiam a cidade pelos 200 anos, comemorados no próximo dia 28 de novembro. Será um texto por dia, até o final do mês, de crônica, conto, ensaio, poesia… escrito por mulheres. Se você também quiser participar, envie seu texto para solveloso2008@hotmail.com indicando no assunto: texto para homenagear Franca. Ficaremos felizes com todas participações. Soraia Veloso, escritora e francana de coração, é a idealizadora do projeto.

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