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Entre a bufonaria e a nobreza

Uma análise do riso do ministro do Supremo Tribunal Federal ao negar o direito de sustentação oral do advogado

Em retórica é possível avaliar se um discurso foi capaz de ser persuasivo e se aproximou o auditório do ouvinte ou provocou distanciamento. Os fragmentos teóricos aqui apresentados foram extraídos do livro a Retórica do Risível do Grupo de Estudos Retóricos da PUC-SP, cuja leitura recomendo.

O riso é inerente e exclusivo do ser humano e a sua utilização, dentro do contexto jurídico, é controvertida, polêmica e deve ser evitada. O riso é capaz de mudar a disposição e o temperamento do auditório, o bom orador é aquele que, pelo discurso, é capaz de valorizar a conduta ética e de destacar o justo, o belo, o honrável e a nobreza. O riso, se bem empregado, pode até ser visto como uma virtude desde que fique no meio termo entre o excesso e a falta.

Para Aristóteles “Algumas piadas são adequadas a um cavalheiro, outras não o são; […] A ironia serve melhor a um cavalheiro que a bufonaria; o irônico faz piadas para se divertir, o bufão, para divertir outras pessoas”. Para Bakhtin, ao analisar a cultura medieval, o riso estava ligado ao carnaval ou ao cômico, situado entre a alegria e o medo. O riso para Magalhães “servia justamente para aliviar as tensões e liberar do medo constantemente vigiado”. O riso também tem uma ligação com o ridículo que tem como sinônimo o erro, o vício ou desvio. De todo modo, provocar o riso, levar ao ridículo, era descartado por pessoa de espírito elevado. O escárnio sempre foi evitado por pessoas nobres. O filósofo Bataille vê no riso uma experiência negativa, uma experiência do nada, da morte; e o grande orador Cícero, preocupado com o risível, ao falar dos limites para o seu uso, adverte que não se deve excitar o horror (ódio) nem a piedade (misericórdia).

A graça decorrente do riso, para Aristóteles, deve obedecer aos limites da respeitabilidade para ser socialmente aceitável, caso contrário, demonstra petulância, infâmia e obscenidade. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ao presidir uma sessão do Tribunal Superior Eleitoral, ao ser questionado por um advogado sobre o indeferimento do pedido de sustentação oral, assim se pronunciou: “Vou repetir novamente. A OAB vai lançar nota contra mim. Vão falar que eu não gosto do direito de defesa e vai dar mais uns 4 mil tuites dos meus inimigos. Então, vamos fazer doutor, a festa do Twitter das redes sociais”. Ainda disse que o Regimento Interno da Corte prevalecia sobre o Estatuto da Advocacia.

Para Ferreira, pela “prática da graça, o orador pode explorar o risível dos fatos sociais e assim, despertar o riso do auditório […] o contexto discursivo é determinante para o bom estabelecimento do acordo pretendido”. A graça é um atributo do orador e, ao analisarmos, retoricamente, o discurso do ministro, reconhecemos que ele se utilizou do risível como meio de desprestigiar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como forma de mostrar a sua superioridade e desvalorizar uma instituição que é essencial à administração da Justiça. Ao afirmar, “vou repetir novamente”, além de utilizar um pleonasmo “repetir novamente”, o ministro reforça o ethos de autoridade, e, novamente, inferioriza a OAB. Essa frase é um interdiscurso, pois o ministro indeferiu em outro caso a sustentação oral com fundamento no regimento interno do Supremo Tribunal Federal. A OAB, de fato, diante de situações como essa, faz nota de repúdio. O ministro poderia negar o direito do advogado de fazer a sustentação oral, mas ao adotar o estilo do riso, do deboche, da ironia e da superioridade tratou de forma rasteira, baixa, vil, insignificante, um tema que é extremamente relevante: a relação institucional e a efetiva aplicação da justiça.

O discurso é um fracasso do ponto de vista do ethos do orador, pessoal e institucional, pois hostilizou o auditório. O orador, ao intencionalmente colocar o riso no seu discurso, produziu o efeito de sentido do escárnio em relação à sustentação oral e ao regimento interno da OAB, além de acentuar a superioridade do STF, o que afasta a respeitabilidade, a elegância e a polidez que deve reinar entre as instituições.

Bakthin teoriza a carnavalização que é “o rito das inversões e transgressões simbólicas, no qual os pares antinômicos – superior/inferior, sublime/vagabundo, erudito/popular, clássico/grotesco – são desconstruídos e reconstruídos, obedecendo a uma lógica de ‘um mundo ao avesso’ e da ‘estética do realismo grotesco’ e que criam um ambiente propício à consolidação da figura do bufão como ente liminal”.

Retoricamente, é possível que o ministro, nesse caso específico, esteja mais para a bufonaria do que para a nobreza que se espera do integrante da mais alta corte do país. O ministro deixou de considerar os ensinamentos de Cícero que sempre recomendou atenção aos tipos de riso, conforme nos apresenta Ferreira: “elegante (elegans), polido (urbanum), inventivo (ingeniorum), engraçado (facetum), inaceitável (inliberare), petulante (petulans), infame (flagitiosum), obsceno (obscenum)” para adotar a bufonaria, já que, discursivamente, desejou fazer a “festa do Twitter das redes sociais”, quando deveria se preocupar com o julgamento justo construído com estilo nobre, elegante e polido.

Abuchaim adverte que, ao zombar de alguém, o objetivo é humilhar, e por isso o ministro faz com que riam daquele que é objeto da zombaria, que em nossa análise seria “a nota da OAB” que promoveria, na visão de Alexandre de Moraes, “a festa do Twitter das redes sociais”.

Dr. Acir de Matos

É advogado, Presidente da OAB Seccional Franca

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