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FILME: A ausência que seremos

(2021, colombiano, diretor: Fernando Trueba, 136 minutos).

A Ausência que Seremos é a história de Héctor Abad Gómez (1921-1987), sanitarista (Javier Camara), pai de Hector Abad, escritor colombiano. Héctor foi médico e professor de mestrado, ajudando a promover a tolerância e lutando pelos direitos humanos na Colômbia.

No longa, seu filho – Héctor Abad Faciolince – expõe seus sentimentos a respeito de sua relação com seu pai, descrevendo a história de família e o drama por trás de seu trágico assassinato pelos paramilitares colombianos. O filme é baseado em um livro de mesmo nome. Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-americano.

Entre 1984 e 2002, pelo menos 4.153 pessoas ligadas à “União Patriótica”, frente ampla de esquerda à qual pertencia Hector Abad, foram assassinadas, sequestradas ou desapareceram; entre elas, dois candidatos presidenciais, 5 deputados federais, 11 deputados, 109 vereadores, vários ex-vereadores, 8 prefeitos em exercício, 8 ex-prefeitos e milhares de militantes. Muitos dos crimes permanecem sem solução até hoje, como o do médico Abad; os responsáveis são ligados a grupos paramilitares, integrantes da Força Pública e/ou traficantes de drogas. Medellín,  a “cidade da eterna primavera” devido ao seu clima ameno, foi palco de boa parte desses crimes, mas não de todos: a Colômbia é um vasto país, de geografia complexa, populoso e diverso regionalmente. Esses números referem-se à “União Patriótica” apenas, a violência atingiu os mais variados estratos políticos, sem falar na população em geral – e as estatísticas, se tomadas em seu aspecto geral, crescem em espiral. Na Colômbia um dos termos mais perversos da ciência política foi cunhado: narcoterrorismo. Se você estivesse no lugar errado, na hora errada – probabilidade razoável, se vivesse em uma grande cidade – poderia ser vítima de carros-bomba, tática suicida que o glamourizado capo Pablo Escobar lançou no final dos seus dias, com o objetivo de aterrorizar cidadãos e cidadãs.

POR QUE GOSTEI:  importante saber a história dos nossos vizinhos latino-americanos. Quase nada tinha visto do cinema colombiano.  O filme mostra uma relação do pai com o filho, e um contexto em que o pai, defensor do livre pensamento, sustenta seus valores.  Héctor, pai,  é pacifista, e o seu próprio filho, escritor, a contar a sua história.  Uma proeza literária, já que o biografado se mostra com personalidade complexa, na sua pena.  Gostei de saber da história colombiana sob outro vértice, outros olhos.  

LIVRO: Livro de Receitas para mulheres tristes

(1996, Héctor Abad (o que escreveu o romance que deu origem ao filme indicado acima), Companhia das Letras, 2012, 144 páginas).

Héctor Abad nos revela sua sensibilidade humana, adotando gêneros desprezados, e os reinventando como boa literatura, sem lhes roubar a simplicidade. A ironia está presente em todas as páginas, nunca corrosiva. Diz que ninguém tem a receita da felicidade, para em seguida afirmar que em seu “largo trato com frutos e verduras, com ervas e raízes, com músculos e vísceras de diversos animais silvestres e domésticos” descobriu “alguns atalhos de consolação”. Faz boas mágicas com as palavras, sem alarde, com conselhos simples, boas risadas com suas piadas de alto calão.  Visita os principais tópicos que mais preocuparam os filósofos do bem viver. Fala da angústia diante da finitude e da velhice, da imensa dor do luto, dos dilemas éticos nas relações amorosas. E de questões mais comezinhas – e por vezes mais prementes -, como os incômodos da menstruação, a frigidez, o mau hálito, a constipação intestinal, sem hierarquia, porém. Cada texto tem sua cor, sua filigrana, e juntos (72 textos) formam um precioso livro-caleidoscópio que dá pena de largar e vontade de reler sem fim, sob outra luz. O convite:  “leia este falacioso ensaio de feitiçaria: o encantamento, se valer, nada mais é que seu som – o que cura é o ar que as palavras emanam”.

POR QUE GOSTEI:  Um livrinho que a gente devora, fininho.  A indicação que compilei, da  Companhia das Letras, reflete o humor do livro, vocação encantatória. Palavras têm um poder!  Não consegui achar onde coloquei o meu livrinho…que se escondeu de mim.  Me veio forte o livrinho, ao falar do filme baseado no romance escrito por Héctor Abad, filho.  Interessante que quando vi o filme não tinha associado ao escritor das “receitas para mulheres tristes”.   Tenho tentado aqui, nesta coluna, me aventurar não na minha memória arquivista, mas na memória afetiva.  Espero a visita de uma associação – de uma cena de filme marcante, de uma impressão indelével de um livro.  Hoje, livro e filme coincidiram no mesmo autor.  Vale a pena conhecê-lo.  Você encontra entrevistas de Héctor Abad no youtube. Cisque lá. E eu estou feito doida procurando em todas as minhas estantes!!! Cadê você, encantatório? Quero reler as “receitas”.

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicanalista pela Sociedade de Psicanálise de São Paulo e mediadora de leituras, participante do projeto Rodalivro, membro da Academia Francana de Letras. Correspondente da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

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