Cidade de idosos

O recente censo demográfico realizado pelo IBGE em 2022 mostra que a paisagem humana de nossas cidades está rapidamente se transformando. A população idosa de Franca cresceu 67% ao longo dos 12 anos entre censos, cujos dados mostram que dos 352.536 habitantes, 60.579 são pessoas com 60 anos ou mais, o que já representa 17% da população total e não para de crescer. As causas desse crescimento são várias, a maior expectativa de vida decorre em geral da melhoria dos serviços públicos de saneamento, saúde e educação, incluindo a vacinação massiva dos idosos e transferência de renda pelo governo federal aos mais pobres.
A Prefeitura tem feito algumas iniciativas para atender a crescente demanda de serviços públicos específicos para esse segmento da população, mas ainda são poucas, esparsas, atendem pouca gente. Pior, em relação à adaptação física da cidade a essa nova realidade populacional, praticamente nada foi feito. Sabemos que o futuro é moldado pelas decisões do presente. O governo Alexandre tem dado respostas burocráticas, sem qualquer criatividade ou inovação para solucionar os problemas urbanísticos que enfrenta, tal como tem feito em relação a emergência climática por seu negacionismo.
Em parte devido ao seu caráter centralizador e autocrático, o governo municipal planeja e decide executar obras e serviços sem ouvir a comunidade, apenas determinados grupos. O projeto em curso de permitir o aumento da urbanização na bacia do Rio Canoas é um dos exemplos nefastos disso. Há outros.
A apresentação de um projeto para construir um novo mercado municipal no antigo estádio “Cel. Nhô Chico” da Francana é um excelente modo de verificar na prática como essas discussões são restritas e se dão apenas no âmbito interno da Prefeitura e alguns setores privilegiados, sem uma análise mais ampla e uma discussão democrática sobre as intervenções que deseja fazer.
A rigor, nos últimos tempos a Prefeitura tem marcado audiências em horários que dificultam a comunidade participar, não divulga detalhes das propostas e não ouve demandas, nada muda nos projetos, apenas cumpre de maneira protocolar a lei que exige uma “audiência pública”. Ouve mas não escuta. Quando precisa de autorização legislativa, costuma enviar projetos de lei em cima da hora e pede votação em regime de urgência, revelando um padrão que tem a pressa como método e a exclusão do debate público. Se alguém contesta, o próprio prefeito vai às redes criticar esse alguém como se fosse ele o detentor da “Verdade”. Não há espaço para outros pontos de vista ou abertura para construir aprimoramentos a suas propostas. A urgência tem sido usada como estratégia política que evita o contraditório e restringe a apreciação mais acurada das propostas. A cidade merecia um pouco mais de democracia, de transparência e base técnica sólida nas decisões, discutidas com o tempo necessário ao esclarecimento e convencimento da sociedade, não decididos a portas fechadas, pois o futuro exige planejamento coletivo, não decisões apressadas que podem comprometer o bem comum.
A Francana construiu o estádio Bela Vista em 1920 e o reformou em 1947, logo que assumiu o profissionalismo. Em 1959 o nome foi alterado para homenagear o Coronel Nhô Chico, que havia cedido a área ao clube. Foi palco de memoráveis jogos da Veterana contra Ponte Preta e outros grandes times da segunda divisão paulista. Foi campo de futebol profissional até 1969, quando foi inaugurado o Lanchão e passou a ser utilizado apenas para treinos e times de iniciação. A crise do futebol no interior levou a Francana a quase falência, o campo virou moeda para pagar credores até que a Prefeitura o desapropriou. Em 2003, tive a honra de ser o relator do processo de tombamento do frontão do estádio de tantas memórias, medida que felizmente o impede de ser demolido.
O projeto do prefeito foi apresentado à ACIF recentemente, mas os detalhes são desconhecidos ainda dos demais munícipes pagadores de impostos. O mercado será um insípido galpão com pequenos boxes para comércio e vagas para carros, muitas. O centro da cidade vive uma situação de descontrole, não tem uma política pública para enfrentar seus inúmeros problemas, dentre eles o grande número de moradores de rua, inúmeras edificações habitacionais e comerciais vazias, construções obsoletas ou abandonadas, calçadas intransitáveis, trânsito congestionado, avanço do comércio informal nos calçadões e praças, esvaziamento habitacional, insegurança a noite após fechamento do comércio, prédios públicos abandonados, patrimônio histórico destruído, etc.
Com essa realidade, é necessário fazer algumas perguntas: há mesmo necessidade de priorizar um novo mercado público com tantos problemas na mesa sem solução a vista? Existem mercadores populares sem local para trabalhar? Há necessidade em priorizar a construção de um novo mercado com dinheiro público se existem dezenas de edificações comerciais, inclusive alguns pequenos centros com boxes vazios e em melhor localização, construídos e gerenciados pela iniciativa privada? A feira de artesanato da praça do cemitério ao lado do estádio praticamente acabou, porquê? A Prefeitura tem expertise e dados robustos para comprovar que consegue locar espaços comerciais próprios de forma sustentável onde nem a iniciativa privada consegue? Se há necessidade da prefeitura fazer isso, não seria melhor ela mesma ajudar os pequenos empreendedores a locar esses espaços vazios em vez de construir? Será que a Prefeitura quer retirar os atuais ocupantes de espaços nas praças centrais para um local afastado do movimento das pessoas que chegam ao centro pelo terminal de ônibus, principal porta de acesso à região como demonstra o estudo encomendado pela própria prefeitura sobre o transporte coletivo? Nesse caso, certamente teremos resistência dos mercadores populares. Haverá espaço para diálogo?
São tantas as questões em aberto que penso que a resposta será negativa, tal projeto é um investimento público incerto e que dificilmente trará bom resultado. Por isso, como qualquer cidadão sonhador, atrevo-me a propor uma radical mudança de rumo ao projeto, mesmo sabendo de antemão que estou falando no deserto, o prefeito em nada deverá alterar seu comportamento no comando de um governo desencantado e sem sonhos ou imaginação sobre qual cidade seus habitantes querem no futuro.
Aquele lugar devia ter outro uso. Afastando soluções elitistas do mercado imobiliário sempre a espreita para capturar recursos públicos, o projeto deveria prover habitação social para repovoar o centro da cidade atendendo idosos de baixa renda que usam os serviços disponíveis na região central que, por ser plana, facilita deslocamentos a pé. Há inúmeros pequenos “hotéis” no centro onde já vivem idosos pobres e solitários que poderiam viver melhor num lugar mais confortável e adequado. As soluções habitacionais oferecidas na cidade após a extinção da PROHAB pelo prefeito tem sido providas apenas pelo mercado privado em loteamentos cada vez mais distantes das regiões centrais já providas de toda a infraestrutura, qualquer deslocamento dos idosos para atendimento de saúde ou lazer exige demoradas viagens de ônibus que na região central poderiam ser feitos a pé.
O velho “Nhô Chico” poderia receber um projeto de habitação com locação social do tipo do que a Prefeitura de São Paulo construiu com um premiado projeto de arquitetura do escritório de Hector Vigliecca. Junto aos edifícios, poderia até existir um pequeno centro comercial com serviços onde até os próprios moradores poderiam trabalhar, como manicures, pequenos consertos, barbearias, lanchonete. Vou mais longe. O Champagnat poderia ser recuperado para atender essa população com espaços de arte, cultura e a prática desportiva poderia ser incentivada nos espaços existentes no centro, inclusive na antiga sede social da Francana. Por coincidência, ao lado do estádio está a Sociedade São Vicente de Paulo, que atende idosos. O projeto poderia ser ampliado com a ocupação dos terrenos da entidade ainda vagos com outras edificações do mesmo gênero pela SSVP, aumentando ainda mais o número de moradores da região central, estimulando o comércio e a criação de empregos na área. Até mesmo a Francana poderia ter uma loja-conceito no frontão tombado e restaurado.
O projeto de Vigliecca em São Paulo no bairro do Pari dispõe de 145 unidades habitacionais, distribuídas entre o andar térreo e mais três pavimentos, com 48 apartamentos de 43 m² contendo 01 dormitório e 72 quitinetes, de 29 m² cada uma. Do total das unidades, 09 apartamentos e 16 quitinetes no andar térreo foram adaptados para pessoas com dificuldade de locomoção, havendo espaço para circulação de cadeiras de rodas. O edifício é provido de elevadores e área para o convívio comunitário. O conjunto possui algumas características especiais como maior espaço nos banheiros para circulação de cadeira de rodas; salão de festas; sala de atividades; salas de convivência no hall de acesso aos elevadores e escadas; corredores com ampla ventilação; área externa destinada à horta comunitária; quadra de bocha; espelho d’água implantado sobre caixa de retenção de águas pluviais e áreas verdes.
Fica ao prefeito de Franca a sugestão para fazer algo parecido, usando com imaginação escassos recursos públicos para deixar um legado de real transformação e adaptação da cidade para melhor a um contingente de pessoas que só aumentará e que a cidade ainda não está preparada para atender, invertendo o curso atual pelo bom exemplo que poderia oferecer. Mas isso é apenas outro sonho de um velho arquiteto e morador da cidade a 73 anos.
Ótima ideia desviar o foco do comércio para quem realmente importa: o morador do centro e mais ainda, o morador idoso. Já temos vários exemplos em cidades que enfrentam os mesmos problemas.
Na minha ignorância acredito que mercados são atividades regionais de bairro, mais bem resolvidas pela atividade liberal.
Caro colega e amigo, pontuou com brilhantismo o que nossa querida FRANCA deverá empreender no futuro, saudações.