As Canoas do negacionismo nunca vão virar?

O prefeito de Franca é um negacionista climático, embora não apregoe. De vez em quando diz algo sobre “sustentabilidade”, mas que não se sustenta na maioria das ações que decide, faz o contrário do que seria necessário para reduzir os impactos da crise climática planetária na cidade que administra. Em seu telegráfico “Plano” de governo, o atual prefeito incluiu um singelo item sobre a bacia do Rio Canoas, o principal manancial que abastece a cidade de água, sem a qual não vivemos.
Escreveu que ia elaborar “nova legislação para a regularização de Condomínios de Chácara, respeitando estudo de proteção do manancial do Rio Canoas”, encomendado junto a uma universidade. Dias atrás, anunciou em suas redes sociais que brevemente o projeto de lei que trata do assunto será encaminhado à Câmara, prevendo “mais moradias e sustentabilidade”. Sabe-se que há um setor troglodita do mercado imobiliário que, insatisfeito com o atual Plano Diretor que prevê a proteção da bacia do Rio Canoas, quer avançar com novos loteamentos sobre a área, que já tem um enorme passivo ambiental a ser recuperado, inclusive loteamentos irregulares não fiscalizados pela Prefeitura.
Franca tem, desde o final dos anos 1990, o atendimento integral em água potável e esgotos tratados da zona urbana, realidade excepcional em termos de cidades médias na América Latina. O sistema utilizado capta a água no rio Canoas (divisa SP-MG). As águas do Canoas, por muitos anos, foi fonte inesgotável para a cidade e sua degradação coloca em risco o abastecimento local. No início dos anos 1990, foi aprovada uma lei de proteção à bacia do Canoas, ameaçada então pela construção de conjuntos habitacionais do próprio governo estadual e loteamentos privados, lei que foi incorporada ao atual Plano Diretor. O crescimento da cidade obrigou a SABESP a construir um novo sistema de captação do Rio Sapucay, porém insuficiente, a água do Canoas continua indispensável para a segurança hídrica local.
Seja como for, geralmente o prefeito envia projetos de lei à Câmara elaborados sem qualquer discussão democrática com a sociedade, no máximo faz o que chama de “audiência pública” onde as pessoas não tem acesso prévio à proposta e tem 3 minutos para dar alguma sugestão. É só para cumprir o protocolo legal. Quando o projeto chega aos vereadores, é “imexível”, quando não é aprovado em regime de urgência pela ampla maioria governista. O negacionismo do prefeito está demonstrado em inúmeros episódios, um dos mais recentes o da licitação do transporte coletivo, onde não há qualquer previsão de mudança da matriz energética por ônibus elétricos, mantendo o diesel como combustível para a frota.
Acabamos de ver em marcha esse negacionismo do Prefeito com a aprovação pela Câmara Municipal de lei que destina os recursos provenientes do Fundo Rotativo Municipal de Saneamento – FRMS, advindo da privatização da SABESP, 26,2 milhões de reais, 90% para obras de recapeamento e o restante para “saneamento” com voto da oposição inclusive. Não há indicativo algum de quais locais receberão o recape, provavelmente a ser negociado depois com os vereadores. Em saneamento, também não há previsão de onde serão aplicados.
Com isso, temos de saída um grave problema. Os recursos da privatização da água e esgoto serão utilizados, como fez o padrinho político do atual prefeito, em asfalto, material que utiliza petróleo, cujo uso deveria estar sendo restringido e não incentivado. Esses recursos deveriam ser preferencialmente destinados à recuperação da bacia do Canoas, pois o estudo realizado pela UFSCar mostra claramente nas ações propostas para uma gestão integrada da bacia que a ocupação urbana com novos loteamentos é a última preocupação que deveria haver. Sem contar que a SABESP, antes pública e ativa agente na preservação da bacia, agora privatizada, está mais preocupada em aumentar os lucros dos acionistas e seus administradores que com a preservação ambiental. Se aumentar o custo de produção da água, basta aumentar a tarifa. O acesso à região se dá por uma única rodovia vicinal com traçado antiquado e que já está congestionada, mais moradores e veículos vão agravar a situação, sem contar a produção de resíduos em larga escala.
Antes de pensar em ocupar a região com loteamentos, primeiro é preciso regularizar e sanear os muitos loteamentos e construções irregulares existentes, coletar resíduos, recuperar nascentes e áreas de proteção permanente – APPs, recuperar e reflorestar áreas degradadas, reduzir a sedimentação nos cursos d´água, controlar o uso de produtos químicos nas plantações, estruturar a inexistente educação ambiental, fiscalização e monitoramento da Prefeitura sobre a área, enfim, um conjunto de ações planejadas que vão garantir a produção rural e da água para a cidade, o mais importante para o futuro de Franca.
A expansão horizontal descontrolada da maioria das cidades brasileiras é fruto em parte de um agressivo e poderoso setor imobiliário, que faz com que os mais pobres vivam em periferias cada vez mais distantes dos locais de emprego, trabalho e lazer, gerando com isso mais CO2 na atmosfera, ao tornar intensivo o uso de veículos a combustão fóssil. Ao colocar em discussão a conversa mole de “mais moradias” com “ocupação sustentável”, o prefeito nega a crise climática. Uma cidade que tem 40 mil lotes vagos em sua malha urbana existente dotados de infraestrutura, que tem ao menos 23 mil construções desocupadas, que nunca regulamentou o IPTU Progressivo para terrenos vazios previsto no Plano Diretor de 2003, que extinguiu sua empresa pública de habitação social, precisa mesmo expandir sobre a área de mananciais com mais lotes que tendem a ficar em parte ociosos? Não seria preferível adensar a cidade existente, torná-la caminhável com calçadas decentes, expandir ciclovias e transporte público digno, criar novos parques, usar o que já existe e está abandonado como tantos prédios públicos centrais, incentivar o mercado imobiliário a realizar retrofits em construções obsoletas, apoiar iniciativas de geração de emprego em bairros e em imóveis sem uso, ao invés de expandir a cidade sem limites?
Não faz sentido algum a não ser para aqueles que querem lucrar com a cidade, é claramente insustentável essa política urbana, demonstrando na prática o negacionismo climático e a falta de compromisso do atual prefeito com o desenvolvimento sustentável de Franca.
Mauro Ferreira é arquiteto e urbanista, professor voluntário de planejamento urbano no Programa de Mestrado em Políticas Públicas da UNESP-Franca
Essa matéria é uma radiografia da situação atual e do caos que está se transformando essa cidade, cada vez mais insustentável, a dinastia de políticos negacionistas na cidade de Franca é um tiro no pé do futuro, mas é notório quem patrocina esses políticos, a Bacia do Rios Canoas já é uma área degradada e este projeto de lei pode torná-la uma área devastada, cercada de lixo e esgoto por todos os lados.
Mauro, esse pessoal, nem sequer tem esse conhecimento, nem sequer faz alguma pesquisa ou procura orientação. Só faz o que os engrandece. DESORIENTADOS.
Esquecem que tem filhos e netos que vão COLHER O QUE ELES PLANTAREM.
Realmente a sua visão é de SUSTENTABILIDADE. PARABÉNS.
É incrível a sua colaboração nesse cenário tão desumano.A negação do cuidado com o manancial das águas de Franca é insustentável.A prefeitura priorizar apenas o lucro das imobiliárias e desconsiderar a importância das catástrofes climáticas que vem acontecendo por negligência daqueles que são nossos representantes.Que triste perceber a irrelevância que se dá a um tema tão necessário de ser protegido.
Será que existe alguém que possa ler esse texto para o prefeito ? Acho que ele não lê as crônicas do Mauro, e nem o Ewertom também não ! Por isso, peço ara alguém que está lendo isso para avisar alguém mais prpoximod a prefeitura que leia esse texto importantíssimo para a sua Excelência!
Parabéns pelas colocações, com clareza e conhecimento, até mesmo quando fala da tal audiência pública só para dar legalidade aos atos. #SalveaBasiadoCanos
Sou moradores a quase 50 anos ,no Centenário e Palestina Eu vi e vejo a destruição das nascentes do braço do Rio Canoas.
Parabéns pelas colocações, com clareza e conhecimento do assunto.
Realmente as audiências públicas são só para dar legalidade aos atos.
Sou Morador do Jardim Centenário e Palestina a quase meio século, eu infelizmente venho acompanhando a depredação das nascentes do braço do Rio Canoas. 🥺🥹
Muito interessante este artigo que demonstra muito conhecimento de casa e só uma grande mobilização da sociedade civil será capaz de sensibilizar o poder público dominado pela escola
do clientelismo eleitoreiro e imediatista.