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A futura sede do governo e a cracolândia

O anunciado plano do governador Tarcisio Gomes de Freitas, de devolver a sede do governo estadual, com suas secretarias e repartições, à  região entre os Campos Elíseos e a Praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, para revitalizar aquela área urbana e reunir tudo num só local, sugere um grande empreendimento mas vai demorar anos. É urgente que, antes de tudo, e com toda a urgência, se contemple a solução para a cracolândia, essa chaga que há décadas se instalou-na região e mantém milhares de pobres zumbis ali mantidos numa situação que não difere à de um campo de concentração. Homens e mulheres de todas as idades que, por diferentes razões, perderam tudo, não se reconhecem mais em suas identidades originais, já que perderam a sensibilidade e nem sentem o sofrimento. Não têm mais noção do bom e do ruim e – o pior – são escravos mantidos nessa condição para garantir o lucro do tráfico e de outros segmentos que fazem renda à sombra dessas pobres criaturas.

Os sucessivos governos – estaduais e municipais – tentaram resolver a cracolância mas naufragaram. Principalmente porque não foram capazes de montar um esquema muititarefas que ao mesmo tempo combata o tráfico, revitalize a região sucateada e dê o necessário encaminhamento e assistência às vítimas. Qualquer das ações que se implante isoladamente é fadada ao insucesso porque serve apenas para espalhar o problema para outros pontos da cidade, onde tudo se repete e pode até piorar.

O primeiro questionamento que se fez após o surgimento da cracolândia é o que estaria fazendo a polícia no cumprimento de suas obrigações coercitivas. A constatação é que a força policial, sozinha, não resolve a questão, assim como a ação da Prefeitura ou de qualquer outro órgão público. Além de tornar a área (e a clientela) indisponível ao tráfico, é preciso ter ações para salvar e recuperar as vítimas, um trabalho que com o passar do tempo foi se tornando mais difícil de concretizar diante das políticas de supostos direitos humanos que impedem coisas como, por exemplo, a internação involuntária.  Esse pretenso direito da vítima acaba se tornando o seu mal porque a faz continuar refém daqueles que lucram com a sua desgraça.

É um sonho irrealizável pensar que se resolverá a cracolândia – tanto a de São Paulo como as de todas as localidades – apenas com conversas e a concordância absoluta da clientela. Na maioria das vezes, ela não está em condições de raciocinar e cuidar do próprio interesse e sua família – desestruturada – também não é capaz de atuar. Nesse caso, o Estado tem o dever de tomar as providências e socorrê-la. Para tanto, tem de possuir esquemas coordenado e, inclusive, enfrentar os setores – criminosos ou não – que terão vantagens cessadas. A disponiblização de hospitais de emergência – como foram os da pandemia de Covid – para onde os adoecidos seriam levados e tratados para desintoxicação. A internação dos dependentes é o único caminho para se erradicar o problema e, após o tratamento,  devolvolvê-los à sociedade como cidadãos úteis e de potencial para voltar a viver às próprias custas.

O governo do Estado já prepara as PPPs (Parcerias Público Privadas) para contratar empresas e grupos econômicos que se interessem em implantar a nova estrutura administrativa. Não pode esquecer da prioridade de achar a soluções para a cracolândia, que não poderá continuar no mesmo local depois que ocorrer a sua revitalização. É um grande desafio colocado às mãos do governador e de sua esquipe.

Pensamos que os recursos existem mas até hoje não foram mobilizados conjuntamente e isso tem levado as ações ao fracasso. Pode parecer repetitivo, mas é real: a primeira e única providência para resolver o problema da cracolândia será tratar esses seres humanos que hoje são flagrantemente torturados (inclusive pela omissão do Poder Público) . Não basta remover o viés criminoso e nem a questão sanitária sem oferecer às vítimas a oportunidade de tratamento de saúde e ressocialização.  Sem a reunião de todos os requisitos, a cracolância e seus problemas simplesmente se transferirão de um lugar para o outro e jamais deixarão de existir…

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

É dirigente da Aspomil (Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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