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A praça, novamente

Um ano atrás, quando a Prefeitura de Franca abriu o processo licitatório para as “reformas” das praças Nossa Senhora da Conceição e Barão da Franca, escrevi neste mesmo portal um artigo contando um pouco da história delas e as inquietações que me moviam naquele momento, de que o problema é de gestão e conservação dos espaços públicos, não de reformas (ou “deformas”) que os descaracterizem ainda mais, num processo de apagamento quase irreversível da história local.

No governo anterior de Gilson de Souza, um primeiro ataque ao apagamento da memória afetiva da praça foi realizado: um ignorante da história local mandou pintar todos os bancos da praça, escondendo os nomes dos doadores, gente do calibre de Aniz Aidar, Nazareth Baidarian e outros foram simplesmente apagados. É perfeitamente possível reverter essa condição, bastaria restaurar os bancos de granilite de alta qualidade construídos pela Marmoraria Minervino em 1960.

No entanto, sabe-se hoje que a Prefeitura recebeu da Acif em doação um projeto de reforma das praças sem analisar em profundidade o que estava sendo proposto. Ora, se é com dinheiro público que vão fazer as obras e não da Acif, deveria haver um cuidado especial em seu uso, a Prefeitura possui um corpo técnico para fazer isso. Como exemplo, os centenários parques londrinos conservam os nomes dos doadores dos bancos desde o século XIX. Sabe-se agora que não estava prevista a restauração dos bancos “apagados” com os nomes dos doadores, mas a construção de novos modelos projetados especialmente para a “deforma” em andamento.

Sinto e lamento dizer que, ao contrário do memorial do projeto que afirma que os bancos seriam ergonômicos e antropométricos, o design dos tais bancos inseridos em dois dos espaços mais amplos da praça são toscos, mal-acabados, não levam em conta a ergonomia, desconfortáveis e inadequados para o uso, além de inseguros ao deixar vãos nos encostos que podem ocasionar quedas e acidentes com os usuários.

Esse apagamento da história não é novidade em Franca, é algo recorrente. Ao iniciar as obras, foi retirada a placa metálica instalada no piso durante o governo Gilmar Dominici para comemorar a parceria com o Rotary pela construção de 500 rampas de acessibilidade na área central. Somente após reclamação do vereador Gilson Pelizaro foi recolocada no mesmo local, de onde nunca deveria ter sido arrancada. Pior, foi recolocada sem ser sequer limpa, está pichada.

O desenho elíptico de um “peixe” no chão da praça foi realizado em cimentado, cortando sem diálogo o piso em pedras portuguesas que já sofre com a falta de manutenção há anos. Se alguém explicar com propriedade o significado dessa intervenção ganha um doce do Binuto. Os encaixes entre esses tipos de pisos diferentes é de uma precariedade sem igual, basta caminhar pela praça para verificar como está sendo mal acabado o serviço. Isso, sem contar a logística da obra, onde os entulhos de concreto são simplesmente arremessados nos canteiros, que terão que ser obviamente refeitos, mas até mesmo o solo terá que ser retirado e substituído, pois haverá dificuldade para plantio em solo cheio de cimento. Pior, não há previsão de uma rede de irrigação dos canteiros. Nas obras particulares, a fiscalização da Prefeitura exige caçambas pra colocar material de demolição. Numa obra pública na principal praça da cidade, não, fazem vista grossa.

Porém, o pior está por vir. É a intervenção na praça Barão. Todo o arranjo atual, construído como um conjunto de calçadões nos anos 1980 (gestão Balieiro) será destruído para colocar no lugar um conjunto de pequenas áreas ajardinadas em formatos curvos. Sabe-se que onde antes eram as ruas Marechal Deodoro e General Telles foram executados contrapisos em concreto armado para suportar o trânsito de veículos de carga e descarga. No processo em curso não parece haver essa previsão. Enfim, se cabe algo a dizer sobre isso, é sobre a participação da população no processo de planejamento das cidades. Onde ela inexiste, as decisões são tomadas em gabinetes sem direito ao contraditório ou à crítica legítima. O resultado é a perda de oportunidades de utilizar melhor os poucos recursos públicos para investimentos que uma cidade como Franca dispõe, filme que assistimos também quando da construção da equivocada Casa da Cultura e do Artista Francano. E se a Acif não assumir a manutenção das praças dentro do projeto “Adote uma Praça”, em breve o que foi construído estará em mau estado, pois o principal problema é manutenção e não obra nova.

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

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