Para Taffarel, faltou chance de redenção a Barbosa em uma nova Copa
Goleiro em três Copas do Mundo, Taffarel, 54, acredita que faltou a Barbosa, marcado pelo Maracanazo, em 1950, e cujo nascimento completa 100 anos neste sábado (27), a oportunidade de jogar outros Mundiais pela seleção brasileira. O gaúcho de Santa Rosa trabalha atualmente como treinador de goleiros do time nacional e já foi do inferno ao céu com a camisa canarinho.
Em 1990, na Itália, Taffarel foi titular de uma equipe lembrada pela eliminação para a Argentina. O carrasco naquela oportunidade foi Claudio Caniggia, que aos 36 minutos do segundo tempo recebeu belo passe de Maradona – este arrancou com a bola do meio de campo e deixou três brasileiros para trás – e driblou facilmente o arqueiro para dar a vitória por 1 a 0 aos argentinos e a classificação às quartas de final. A derrota da seleção brasileira marcou o jovem goleiro de 24 anos e seus colegas da então chamada, de forma pejorativa, “Era Dunga”.
A “vilania” de Taffarel ainda teria mais um capítulo, nas Eliminatórias para a Copa de 1994, nos EUA.
Aos 39 minutos do segundo tempo de um difícil duelo contra a Bolívia, em La Paz, o goleiro defendeu um pênalti cobrado por Erwin “Platini” Sánchez, que poderia impedir a primeira derrota na história da seleção em 40 anos de torneio classificatório para os Mundiais.
O Brasil fazia uma campanha abaixo das expectativas, com muitas críticas ao estilo de jogo do técnico Carlos Alberto Parreira. Ter evitado sair da altitude boliviana com um revés já seria algo positivo naquela altura, mas, quatro minutos após a defesa, Taffarel falhou em um chute de Marco Etcheverry, quase sem ângulo. O time ainda levaria mais um, de Álvaro Peña, já nos acréscimos.
A redenção veio quase um ano depois, no Mundial de 1994, com uma atuação firme na final contra a Itália, coroada com a defesa da penalidade cobrada por Daniele Massaro e o tetracampeonato. “Caso minha experiência na seleção tivesse acabado ali, aos 24 anos [em 1990], eu, Jorginho, Dunga, Branco [remanescentes da Copa anterior] ficaríamos marcados negativamente para sempre. Quando tu perde, principalmente na seleção, a derrota marca muito. Seleção é a vitrine maior. E lá tu tá nessa condição de ser marcado como um jogador vencedor ou perdedor”, diz o ex-goleiro à reportagem.
Para Taffarel, que ainda foi vice no Mundial de 1998, na França, a injusta cobrança sobre Barbosa poderia não ter durado toda uma vida se ele pudesse ter tido uma nova chance de defender a seleção brasileira em outra Copa do Mundo. “Ele era o melhor goleiro que tinha no Brasil. Não é que ele surgiu do nada e foi jogar uma Copa do Mundo. Ele jogava no Vasco e era o grande nome da posição na época”, afirma.
No Mundial de 1950, Barbosa estava com 30 anos. Ele chegou atuar pela equipe nacional em 1953, mas viu a chance de jogar a Copa no ano seguinte encerrada ao ter a perna quebrada em uma dividida com Zezinho, do Botafogo. Sua carreira após a grave lesão não seria mais a mesma até a aposentadoria, em 1962, aos 42 anos. “Eu faço questão de falar sobre a injustiça com o ser humano. Ela foi além do campo de futebol, além de uma Copa do Mundo. Injustiça pessoal que esse cara carregou a vida inteira. O gol que ele levou do Ghiggia, os goleiros de hoje em dia levam com naturalidade. É uma bola chutada muito forte, no chão, rente ao poste, e tu tá ali tentando fechar o ângulo. É uma defesa muito difícil. Era também uma outra bola, o gramado do Maracanã não era o mesmo de hoje…”, pondera Taffarel.
O tetracampeão compara o lance de 71 anos atrás com um decisivo para o pentacampeonato, em 2002. “Para mim não foi uma falha [do Barbosa]. Daí eu passo para o Oliver Kahn, em 2002, na final da Copa do Mundo contra o Brasil, que soltou a bola nos pés do Ronaldo, um chute fácil do Rivaldo. O Ronaldo foi esperto também, mas ele soltou uma bola fácil. E me diz onde ele foi cobrado, ele, um goleiro dos anos 2000? É muito exagerado isso aí.”
“O goleiro [nos anos 1950] não era o principal jogador do time, não havia um treinador de goleiros específico pra ti. O goleiro não era uma posição prioritária. O futebol era diferente naquela época. Aquele era o futebol da paixão, ofensivo. Todo mundo atacava, ninguém defendia. Não tinha esse lado tático”, completa. Taffarel também relembra que havia muitos percalços em 1950, pelo fato de o Mundial ser no Brasil, um país ainda sem títulos dessa magnitude, e dos problemas de preparação daquele time, que no dia da final, por exemplo, foi interrompido diversas vezes durante o almoço para receber autoridades e celebridades antes do confronto contra os uruguaios.
“Tem que se analisar todo o contexto. Não só o Barbosa que vai lá e toma dois gols numa final de Copa e o pessoal acha que ele falhou. Tem o contexto porque ele é negro [racismo da época], porque era o futebol do oba-oba. Tem muita coisa interessante aí para se estudar”, finaliza.