Nem neve fina estraga brinde dos ingleses em reabertura dos pubs
O estudante Redvers Freeman foi o primeiro a chegar ao Oxford Arms, pub na região turística de Camden Town, em Londres, nesta segunda-feira (12). Nem a neve fina que caiu pela manhã e a temperatura de 3 ºC em meio à primavera no hemisfério Norte desencorajaram o encontro com os amigos. “É uma volta à vida! Parece um retorno ao normal”, disse ele, segurando um copo de cerveja, à reportagem.
Depois de mais de três meses de lockdown – o terceiro desde o início da pandemia -, o Reino Unido começou uma nova etapa do desconfinamento. Na Inglaterra, pubs e restaurantes, fechados desde dezembro, agora podem servir em áreas externas, o que ocorrerá na Escócia e no País de Gales apenas em 26 de abril -ainda não há data marcada na Irlanda do Norte. Muitos ingleses ainda foram às compras ou ao barbeiro, já que lojas e salões também reabriram. Já Freeman não teve dúvidas de qual seria o programa do dia. “Eu mesmo cortei o meu cabelo em casa. A prioridade não é essa. Hoje vamos a vários pubs diferentes, é hora de aproveitar.”
No entanto, não é uma ida ao pub como antigamente. Na entrada, o cliente precisa informar nome e telefone ou acessar o aplicativo de rastreamento do governo. Depois de desinfetar as mãos com álcool em gel, sinais no chão indicam um sistema de mão única até a área externa. Nas paredes, mensagens avisam sobre distanciamento social. Até se sentar é preciso usar máscara, e os pedidos só podem ser feitos nas mesas que acomodam no máximo seis pessoas.
Muitos pubs criaram aplicativos próprios em que é possível comprar comidas e bebidas e fazer o pagamento, sem interagir com atendentes nem usar máquinas de cartão.
Depois de apenas quatro meses abertos em mais de um ano de pandemia e um investimento de milhares de libras em adaptações às exigências sanitárias, tantas regras trazem receio aos proprietários. “Durante esse tempo, recebemos uma pequena ajuda do governo local, mas nada comparado ao faturamento normal. Temos que pagar aluguel, funcionários. Estamos apenas sobrevivendo no momento. Devido às medidas restritivas, estamos operando com um terço da capacidade”, disse a gerente Caroline Maloney.
No primeiro dia da reabertura, valeu de tudo para atrair a clientela. Um pub na região de Bexleyheath abriu as portas à meia-noite de segunda-feira apenas por algumas horas. Já o Greyhound Inn, em Buxton, começou a servir o tradicional café da manhã inglês, que inclui torradas, feijão, linguiça e ovos, às 8h, sob temperatura de -1°C. Clientes sorridentes e encasacados comeram a primeira refeição do dia acompanhada de uma pint (copo cerveja de 568 ml).
Mas esses foram minoria. Segundo a Associação Britânica de Cervejas e Pubs, apenas 40% dos pubs na Inglaterra -cerca de 15 mil estabelecimentos- puderam reabrir. O restante não tem área aberta ou não se enquadra nas regras impostas pelas autoridades. Desde março do ano passado, 2,1 bilhões de pints deixaram de ser servidas em todo o Reino Unido, uma perda de receita de £ 8,2 bilhões (quase R$ 65 bilhões). Além disso, 2.000 estabelecimentos fecharam as portas de vez devido à pandemia.
Quem retomou as atividades espera ter prejuízo até que seja permitido servir na parte interna dos salões, a partir de 17 de maio. Pat Logue, dono do Sheephaven Bay, pub irlandês de Londres frequentado por moradores locais e decorado com bandeiras e camisas de times de futebol, gastou o equivalente a R$ 300 mil do próprio bolso para manter o negócio. “A reabertura traz uma mistura de sentimentos. Estou nervoso, mas também empolgado pelo futuro. Decidimos abrir porque as pessoas precisam se encontrar e nós precisamos encontrar as pessoas”, disse. “É como começar de novo, me sinto como no primeiro dia em que abrimos.”
Na área externa, alguns clientes que costumavam se encontrar diariamente ao redor do balcão se viram pela primeira vez neste ano. “Brinco que estou desejando feliz Ano Novo a todo mundo”, disse um deles. “Mas sinto falta do bar, é onde você vê pessoas, conversa com desconhecidos. Ir ao pub não é só beber, é falar com quem você talvez nunca mais encontre, e esse é um conceito que não temos há 13 meses.”
Em um momento em que os ingleses estão sedentos por contato social, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, pediu a todos que “ajam de forma responsável”. O próprio premiê havia prometido ir ao pub, mas cancelou a visita em respeito à morte do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth 2ª.
Boris já enfrenta, no entanto, a resistência do setor devido à possível implementação de um certificado que permitiria a entrada em locais com aglomerações, como casas noturnas e pubs, de quem foi vacinado, teve resultado negativo no teste de detecção para coronavírus ou tem anticorpos. Segundo o primeiro-ministro, a medida poderia ajudar na reabertura total da economia com maior segurança. Essas críticas, porém, vêm até de deputados do Partido Conservador, do qual ele faz parte.
Quem é contra a estratégia a considera discriminatória e desnecessária. O lockdown e a campanha de vacinação deram resultados, e casos e mortes despencaram. O número de infectados baixou de quase 60 mil no dia 9 de janeiro para 1.544 no último domingo (na média de sete dias). Para ajudar no rastreamento, quem mora na Inglaterra agora tem direito a fazer dois testes gratuitos por semana. Mais de 32 milhões de pessoas já receberam a primeira dose da vacina no Reino Unido, marca superior a 60% dos adultos. “O certificado não daria certo em pubs. Muita gente ainda não se vacinou ou não tomou as duas doses”, disse Logue, dono do Sheephaven Bay. “Quem vem a um pub não pode ser submetido a isso. Por que precisariam aqui e em supermercados não? Pubs são o alvo de tudo. Seria muito injusto.”