Entenda em 5 pontos o projeto de privatização da Sabesp aprovado hoje
THIAGO BETHÔNICO
Na noite desta quarta-feira (6), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), conquistou uma de suas maiores vitórias na Assembleia Legislativa de São Paulo com a aprovação do projeto de lei que autoriza a desestatização da Sabesp.
Foram menos de 50 dias entre o envio da proposta, em 17 de outubro, e a votação em plenário. Alvo de intensa campanha da oposição, o texto foi aprovado com 62 votos a favor –eram necessários, no mínimo, 48 do total de 94 deputados.
Com dez artigos, o PL (projeto de lei) segue agora para sanção do governador, que conseguiu oficializar uma de suas principais promessas de campanha.
Entenda, em cinco tópicos, os principais pontos da privatização da Sabesp.
1- POR QUE O GOVERNO QUIS PRIVATIZAR A SABESP?
O governo de São Paulo diz que a desestatização da Sabesp permite aumentar os investimentos da companhia em modernização, antecipar a universalização do acesso a água e esgoto de 2033 para 2029, incluir pessoas que hoje não estão na área de atendimento da companhia e, principalmente, baratear a tarifa para o consumidor.
Membros da oposição, contudo, dizem que não há nada além de ambição política por parte do governador. De olho no vácuo deixado por Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio quer se firmar como líder emergente da direita brasileira, fazendo das privatizações a marca de sua gestão. A Sabesp seria sua “joia da coroa”.
Para desestatizar a companhia de saneamento, o governo de São Paulo contratou, em abril deste ano, um estudo junto ao IFC para avaliar a viabilidade do processo e o modelo a ser seguido.
O estudo apontou que a privatização permite expandir o atual plano de investimentos da Sabesp, que hoje prevê R$ 56 bilhões até 2033. Com a venda, seria possível aumentar esse valor para R$ 66 bilhões e universalizar o saneamento básico quatro anos antes do previsto (em 2029).
Além disso, a companhia poderia expandir sua base de atendimento, chegando a 10 milhões de pessoas que hoje estão em áreas vulneráveis –1 milhão a mais que o previsto no plano original.
No entanto, o principal argumento do governo é que a privatização permite baratear a tarifa para o consumidor (leia mais sobre isso no item 4).
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2- O GOVERNO VENDEU A SABESP?
Não. O governo de São Paulo conseguiu aprovar um projeto para reduzir sua participação acionária, que hoje é de 50,3%. O objetivo é abrir mão do controle da companhia, diluindo as ações até ficar com algo entre 15% e 30%. O percentual exato ainda será definido, o que foi objeto de crítica dos parlamentares da oposição.
O PL aprovado garante ao governo o direito a “golden share”, ação preferencial que dá poder de veto à administração pública em decisões específicas. O mecanismo vai valer para mudanças no nome da companhia, no objeto social e na sede da empresa.
O projeto de lei também prevê golden share para que o governo possa limitar o exercício de voto de cada acionista. Os valores, contudo, ainda precisam ser definidos no estatuto social da companhia.
3- QUAL O MODELO DE PRIVATIZAÇÃO ESCOLHIDO?
O governo diz ter estudado vários modelos de desestatização, inclusive a venda total da empresa. A opção escolhida foi a de fazer uma oferta subsequente de ações (follow-on), mantendo maior controle sobre a Sabesp.
É um modelo diferente do que aconteceu com a privatização da Eletrobras, em que as ações foram diluídas na Bolsa de Valores. No caso da Sabesp, o governo buscará alguns acionistas de referência, que são investidores com maior participação na companhia e, consequentemente, maior controle.
No entanto, todos poderão participar do follow-on, sejam pessoas físicas, jurídicas ou fundos de investimento. A nova rodada de ações deve acontecer apenas no final de 2024.
4- COMO O GOVERNO PROMETE BAIXAR A TARIFA?
Durante a tramitação da proposta, o governo destacou que a privatização da Sabesp não implicará num aumento da tarifa –argumento que foi contestado pela oposição.
O PL aprovado, de fato, estabelece no artigo 2º que a desestatização deverá observar a redução tarifária, principalmente para a população mais vulnerável, mas não detalha qual será o montante ou a duração.
O projeto prevê instrumentos para garantir que os preços pagos pelo consumidor serão mais baixos do que se a companhia não fosse privatizada. O primeiro mecanismo é um aporte com os recursos que devem entrar com a venda de ações. Isso permitiria uma redução tarifária de largada.
No entanto, como não há estimativa de quanto a venda vai reverter em dinheiro para o estado, nem dos valores de referencia da oferta pública de ações, o percentual de desconto na tarifa ainda é desconhecido. O governo diz que esses detalhes estarão no novo estudo que será concluído em janeiro.
Em relação ao barateamento no longo prazo, o governo vai usar os dividendos que a empresa pagará ao estado de São Paulo para alimentar um fundo dedicado a esse objetivo.
O PL aprovado na Alesp cria o Fausp (Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo) para garantir a modicidade tarifária. Segundo a proposta, 30% do valor líquido obtido com a venda de ações também será destinado ao fundo.
O aporte de recursos públicos para baixar a tarifa foi um dos pontos de contestação. Para parlamentares da oposição, não faz sentido o estado de São Paulo desestatizar uma companhia para subsidiar a redução de tarifa de uma empresa privada.
5- O QUE ACONTECE AGORA QUE O PL DA SABESP FOI APROVADO?
Com a aprovação, o projeto de lei segue para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Alesp para revisão final. Em seguida, o presidente da Assembleia assina o texto e encaminha para sanção de Tarcísio, que tem 15 dias para analisar.
Segundo Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo, o governo deve optar pela sanção integral, acatando todas as emendas feitas pelos deputados.
Após a sanção, o governo fará reuniões com os 375 municípios atendidos pela Sabesp. Cada cidade terá seu próprio anexo no regimento interno, e o objetivo das rodadas de discussão é definir as obras, indicadores e metas que estarão definidas em contrato.
Em seguida, o governo abrirá uma fase de audiência e consulta pública, por volta de fevereiro ou março de 2024, para que os documentos construídos junto com os municípios sejam escrutinados.
Encerrada a etapa de audiência, os documentos vão para as Urae (Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário), que reúnem os municípios numa espécie de conselho deliberativo por região. Elas serão responsáveis por aprovar o regimento interno e a prorrogação de todos contratos da Sabesp até 2060.
O processo de privatização em si (a venda de ações) só começa após essa etapa. A previsão é de que se inicie em meados de 2024, num cronograma que pode se estender por mais seis meses. Isso porque a Sabesp precisará seguir todo um rito definido pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que inclui período de silêncio da companhia, diligência prévia, apresentação a investidores, precificação das ações e anúncio das ofertas.
Apesar do cronograma já mapeado, ainda é incerto o quão tranquilo será para o governo percorrer cada etapa. É possível que a discussão seja travada no nível municipal, por exemplo. No último dia 28, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Milton Leite (União Brasil), disse que a capital não abrirá mão de ter participação decisiva nas discussões sobre a privatização da Sabesp.
Resende diz que já vem dialogando com o Legislativo dos municípios, mas destaca que, juridicamente, são as prefeituras que têm a competência constitucional sobre os contratos de saneamento. Por isso, não acredita que as câmaras de vereadores vão impor alguma dificuldade ao processo de privatização.
O que é certo, contudo, é que a oposição vai seguir tentando barrar a privatização pela via judicial. Um dos caminhos em estudo é uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade), instrumento que questiona junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) a validade de um ato normativo.
Desde que o PL foi enviado, deputados contrários argumentam que a desestatização exige mudar a Constituição do estado, o que não ocorre via PL, e sim via PEC (proposta de emenda à Constituição).