ColunasVariedades

Oppenheimer é cinema maiúsculo

Com direção inspirada, Christopher Nolan explora o triunfo e a tragédia do “pai da bomba atômica”

Em meio a tantos blockbusters descartáveis e franquias requentadas (alô, Indiana Jones!), a chegada de Oppenheimer às telas prova que o cinema de verdade ainda está vivo e tem muito a oferecer. O filme estreia nos cinemas de Franca nesta quinta-feira, dia 20.

O roteiro adaptado pelo também diretor Christopher Nolan a partir do livro Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano (recém-lançado no Brasil pela editora Intrínseca) é a cinebiografia do homem que ficou conhecido como o “pai da bomba atômica”.

De fato, foi o físico J. Robert Oppenheimer quem coordenou o trabalho de quatro mil pessoas durante três anos e administrou o orçamento de US$ 2 bilhões do Projeto Manhattan, que culminou na invenção do mais poderoso artefato de guerra até então.

As duas bombas, lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945, podem ter colocado um fim à Segunda Guerra Mundial, mas foram o início dos dramas de seu criador nos campos psicológico e político.

Gênio indomável

A cinebiografia parte do início dos estudos de Oppenheimer na década de 1930, época em que frequentou universidades em diferentes países europeus como aluno e professor, e travou contato com cientistas de diferentes nacionalidades. Anos depois, alguns deles também estariam envolvidos na pesquisa atômica para fins bélicos, porém do lado dos nazistas de Adolf Hitler.

De volta aos Estados Unidos, o físico flertou com o crescente movimento de esquerda. De tendência humanista, Oppenheimer estava mais interessado em colaborar para a construção de uma sociedade justa e na luta contra governos autoritários do que em seguir dogmas desta ou daquela ideologia.

Se, por um lado, esta proximidade com os “comunistas” não se converteu em impedimento para que dirigisse o maior e mais secreto projeto de segurança dos Estados Unidos, por outro foi a arma de que seus inimigos se valeram no pós-guerra para tentar comprometer sua reputação e carreira.

Triunfo e tragédia

A exploração desta derradeira fase de sua carreira – a perseguição política – é um entre os muitos méritos do filme. Enquanto biografia, a trama explora aspectos da vida pessoal de Oppenheimer, seus relacionamentos conturbados com mulheres, com a comunidade científica e com os militares, e os desafios de construir a base de Los Alamos, um misto de cidade, laboratório, indústria bélica e campo de testes no meio do deserto dos Estados Unidos.

Acontece que Nolan não se detém no que seria o triunfo de Oppenheimer – o sucesso dos testes, o lançamento da bomba e a rendição do Japão. A partir daí, o diretor-roteirista explora sua tragédia e dedica praticamente todo o terceiro ato a duas audiências: uma no conselho responsável pela renovação da credencial de segurança do cientista e outra no Senado, para aprovação do presidente da Comissão de Energia Atômica em um cargo no gabinete da presidência.

Oferecidas em sequências paralelas e não lineares, as narrativas de ambas audiências vão se complementando, dando sentido a um quebra-cabeça que expõe as entranhas dos bastidores da política, o que confere à cinebiografia um clima de thriller político.

Elenco afinado

Nolan é notório não só como um competente contador de histórias, mas principalmente como diretor de atores, e neste último aspecto reside mais um dos méritos deste filme.

Cillian Murphy (que já trabalhou com Nolan na trilogia do Batman, em A Origem e Dunkirk) abraça com paixão o papel do físico ora indiferente, ora brilhante, ora amargurado, enquanto Robert Downey Jr. (o Homem de Ferro dos filmes da Marvel) está bastante à vontade na pele de um personagem mais condizente com seus 58 anos de idade na vida real, e cobre com necessária ambiguidade o presidente da Comissão de Energia Atômica, Lewis Strauss.

No papel do general Leslie Groves, o astro Matt Damon é igualmente um militar severo e um aliado. Emily Blunt e Florence Pug brilham em intensidade e profundidade como as duas grandes mulheres na vida de Oppenheimer, Katherine Oppenheimer e Jean Tatlock, respectivamente.

O elenco traz, ainda, o veterano Kenneth Branagh como o Niel Bohr, uma das maiores autoridades em física atômica da Europa e grande inspiração de Oppenheimer, e outro veterano irreconhecível no papel do presidente Harry Truman – aqui fica o desafio para os leitores descobrirem quem é antes de rolarem os créditos finais.

Por tudo isso e muito mais que a audiência descobre durante a exibição, Oppenheimer é cinema maiúsculo, é cinema de verdade, que exige atenção, compromisso, reflexão, olhos e ouvidos aguçados. Como toda obra cinematográfica que faz jus a este substantivo, deixa um gosto amargo na boca e permanece no pensamento por muito mais tempo além de suas longas 3 horas de duração.

Assista ao trailer de Oppenheimer:

Jota Silvestre

É apaixonado por cultura pop, é jornalista especializado em cinema, séries, animação e histórias em quadrinhos, com mais de 15 anos de experiência em publicações especializadas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo