Opiniões

Vamos conversar sobre o Aborto?!

Sair da zona de conforto e abordar temas polêmicos é de fato desafiador, mas sabendo da necessidade do diálogo e reflexão resolvi, com coragem e consciência, abordar sobre o tema: ABORTO.

O tema aqui abordado se mostra discutível por envolver vários aspectos: jurídicos, psicológicos, culturais, religiosos, além de causar diversos sentimentos nas pessoas, em algumas de empatia, outras de ódio e revolta.

Inicio esse texto com duas afirmações:

  • Aborto provocado é crime no Brasil
  • Mulheres abortam

O crime de Aborto está tipificado no Código Penal, no Título I “Dos Crimes contra a Pessoa”, Capítulo I “Dos Crimes contra a Vida”, especificamente nos artigos 124 a 128.


Temos alguns casos previstos em que o aborto provocado não é punível, aborto legal, são eles:

  • Aborto necessário, quando há risco de vida da gestante;
  • Aborto sentimental, em caso de gravidez decorrente de estupro;
  • Em caso de gestação com anomalias fetais (desde o julgamento da ADPF 54 no ano de 2012 em casos de bebês anencéfalos).

Se o aborto provocado ocorrer em uma circunstância diferente das especificadas anteriormente será punível da seguinte forma:

  • Se provocado pela própria gestante ou com o seu consentimento a pena para essa mulher será de detenção de 1 a 3 anos;
  • Se provocado por um terceiro com o consentimento da gestante, a pena para esse terceiro será de reclusão de 1 a 4 anos; se não consentido será de 3 a 10 anos.

Será que a tipificação penal tem efetivamente impedido o aborto?

Primeiramente, conforme Pesquisa Nacional de Aborto (PNA 2016) publicada no site oficial do Ministério da Saúde “o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões”.

Passo agora a apresentar dados oficiais, no entanto, ressalto que os dados sobre o Aborto são frágeis, pois na maioria das vezes são feitos e permanecem na clandestinidade:

  • A Pesquisa Nacional do Aborto do ano de 2016 aponta que 1 em cada 5 mulheres alfabetizadas da área urbana aos 40 anos já fizeram pelo menos 1 aborto;
  • Pelo Ministério da Saúde, no ano de 2016, o Aborto era a 5° causa de morte materna no Brasil;
  • Conforme pesquisa da DataSus do ano de 2020, citada no artigo “Mortalidade por aborto no Brasil: Perfil e evolução de 2000 a 2020”:
  • O Brasil registra diariamente 535 internações causadas por aborto.
  • Em 2019, a cada 100 internações 99 foram causadas por aborto espontâneos do tipo de causas indeterminadas e apenas 1 de aborto previsto em lei, como em casos de estupro ou risco a vida da gestante.
  • As principais vítimas de procedimentos de aborto em geral são mulheres negras – Entre os anos de 2009 a 2018, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou oficialmente 721 mortes de mulheres por aborto em sua maioria negras ou pardas com baixo acesso a informações e cuidados humanizados. A cada 10 mulheres que vinham a óbito, 6 eram pretas ou pardas.
  • Entre 2010 a 2019, o SUS registrou 24,8 mil internações por aborto de meninas de 10 até 14 anos.
  • De acordo com os dados hospitalares do Sistema Único de Saúde, citado pela mestra Mirella de Carvalho Bauzys Monteiro, “(…)das internações de meninas de 10 a 14 anos relacionadas a aborto no Brasil em 2021, apenas 8% foram dentro das hipóteses autorizadas, enquanto 92% foram em decorrência de abortos espontâneos ou induzidos fora do hospital (MARTINS; PALHARES, 2022)”

Certo! E por que é tão necessário saber as estatísticas? Falar sobre o assunto?

Porque o aborto faz parte da vida reprodutiva de muitas mulheres no Brasil, e a punição vem após a morte do feto e muitas vezes da própria mulher que abortou, e então quem foi salvo? Ninguém!

Apenas a tipificação penal do Aborto não é suficiente para inibi-lo, por isso precisamos pesquisar o porquê do aborto ocorrer, das razões que levam mulheres a abortar e, então, pensarmos em políticas públicas efetivas.

Ressalto a importância de diferenciarmos sobre ser “a favor” do aborto (que significa: acho certo mulheres abortarem!) de ser “a favor” da DESCRIMINALIZAÇÃO do aborto (que significa: não acho que criminalizar a mulher que abortou seja eficaz na prevenção do aborto e colabora para a morte de mulheres).

O tema é polêmico, afinal quem é CONTRA a legalização do aborto defende:

  • o direito à vida
  • a existência do corpo do feto que se difere do da mãe
  • dignidade humana desse embrião
  • Entre outras

Enquanto quem é a FAVOR da legalização do aborto defende:

  • Ser uma questão de saúde pública
  • A liberdade de decidir
  • Por ser uma questão de justiça social e racial
  • Entre outras

Termino esse texto dizendo que é necessário não fecharmos os olhos para esse tema, independente se você é a FAVOR ou CONTRA a legalização do aborto, precisamos falar, estudar e pesquisar esse tema para juntos encontrarmos uma solução baseada nos princípios éticos, nos contextos sociais e aliados a empatia.

Obrigada por ler até o final, não deixe de expressar sua opinião com respeito a opinião das outras pessoas.

Até breve!

Fontes:

Aborto Induzido. Biblioteca Virtual em Saúde: Ministério da Saúde, Brasil. Disponível em <https://bvsms.saude.gov.br/aborto-induzido-3/#:~:text=Pesquisa%20Nacional%20de%20Aborto%202016.&text=Os%20resultados%20indicam%20que%20o,%2C%20pelo%20menos%2C%20um%20aborto>

Mapa Aborto Legal. Disponível em <https://mapaabortolegal.org/>

Retrocessos no direito ao aborto seguro devem causar mais mortes, afirma OMS. ONU News: Perspectiva Global Reportagens Humanas, Brasil. Disponível em <https://news.un.org/pt/story/2022/06/1794132>

Pesquisa Nacional do Aborto 2016 – Nota de Imprensa. Anis: Instituto de Bioética, Brasil. Disponível em <http://anis.org.br/wp-content/uploads/2016/12/Pesquisa-Nacional-do-Aborto-2016-Nota-de-Imprensa.pdf>

BOMFIM, V. V. B. da S.; ARRUDA, M. D. I. S. .; EBERHARDT, E. da S. .; CALDEIRA, N. V. .; SILVA, H. F. da .; OLIVEIRA, A. R. do N. .; SANTOS, E. R. dos .; SILVA, L. R. M. da .; SOARES, L. L. .; BEZERRA, M. E. L. de M. .; OLIVEIRA, M. P. de .; ANJOS, G. F. de P. F. dos .; CAVALCANTE, R. P. .; FERREIRA, P. de F. .; SILVA, J. F. T. . Abortion mortality in Brazil: Profile and evolution from 2000 to 2020. Research, Society and Development[S. l.], v. 10, n. 7, p. e49910716866, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i7.16866. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/16866. Acesso em: 24 apr. 2023.

MONTEIRO, Mirella de Carvalho Bauzys. A política pública de aborto legal em decorrência de violência sexual e a inapropriada limitação à idade gestacional. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Brasil, 14 de dez. de 2014. Disponível em <https://es.mpsp.mp.br/revista_esmp/index.php/RJESMPSP/article/view/500> Acesso em 24 apr. 2023

INFORMAÇÕES DE SAÚDE DATA SUS. Disponível em <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nibr.def>

Ministério da Saúde: DATASUS. Disponível em <http://datasus.saude.gov.br/

As opiniões aqui publicadas não refletem necessariamente a opinião da Folha de Franca

Ana Beatriz Junqueira Munhoz

É advogada especialista em direito previdenciário, pós-graduanda em direito do trabalho, diretora adjunta e coordenadora da comissão de combate à violência contra a mulher da OAB Franca, conselheira e secretária no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. Ativista social desde 2015 e escritora de seus sentires na página do instagram @coisasquetodocidadaodevesaber.

4 Comentários

  1. Há uma cultura, principalmente musical, que inventiva o sexo indiscriminado como sinônimo da liberdade. Não é segredo as músicas que não se cansam de usar ‘senta, senta’ e ‘novinha’.
    Não há uma política pública ostensiva de informação sobre prevenção a gravidez e DSTs. Isso influencia a população mais pobre, onde gravidez precoce é mais comum.
    Acho que deve se deixar claro que a gravidez indesejada trará mais consequências a mulher que ao homem, que segue em frente. Não estou dizendo que é certo, fique claro, mas isso é um fato.
    Pessoalmente, eu manteria a legislação como está.

  2. Bia.
    Primeiramente parabéns por este desafio em abordar temas polêmicos. Todavia se faz necessário nessa nova era tecnológica em que informações sérias e de qualidade são de suma importância.
    Gostei muito da sua abordagem esclarecedora: uma coisa é ser a favor do aborto e outra ser a favor da conduta não ser mais crime.
    Continue com seus textos e siga firme em temas relevantes como este.
    Grande abraço

  3. Importante reflexão que a Dra. Beatriz traz. Não há soluções fáceis para problemas complexos. Parabéns.

  4. Ótima abordagem Bia, não é sobre opiniões particulares é sobre um problema de saúde pública que há tempos tem sido invisibilizado por questões culturais ou religiosas… é muito mais que isso, mulheres morrem e precisamos olhar, o poder público precisa olhar!

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