Opiniões

Trevas e Luz

Nos dias que correm , o mundo passa por um período de retrocesso, principalmente se considerarmos questões como o negacionismo da ciência, a ascensão de governos autoritários em países de longa tradição democrática, como os EUA, o retorno de influências religiosas nos órgãos de poder estatal, etc. Não é novidade essas oscilações na caminhada da humanidade. É bem conhecido o longo período da Idade Média, que já foi classificado como o ciclo das trevas na história da Europa, por causa da desordem que reinou após a queda do império romano e com a ascensão da igreja católica, que passou a dominar a política, a cultura, a filosofia e as artes, impondo-se pelo medo, sobretudo dos processos inquisitoriais secretos. Restou ainda como marco sanitário desse período a peste negra, que dizimou um terço da população do continente.

No Brasil, um país que não pode ser considerado de longa tradição democrática, traços desse retrocesso são bem evidentes nos últimos anos. Afora a corrupção, que infelizmente vai se mostrando endêmica, temos visto claras tentativas de controlar os órgãos de comunicação, com violações de um dos pilares da democracia – a liberdade de expressão. E temos assistido ao aparelhamento sistemático dos órgãos da administração, com a colocação de pessoas sem preparo, mas com viés ideológico e até religioso no comando das políticas de estado. E temos a nossa pandemia de Covid-19 matando parte da população, à semelhança do que ocorreu na Idade Média, felizmente hoje melhor controlada pela ciência, apesar de seus opositores.

Mas, após a Idade Média, findada por volta do século XV, com a organização gradativa dos povos europeus em estados autônomos, com o início da era dos descobrimentos e com a redescoberta da cultura clássica, teve início a Idade Moderna. Essa evolução culminou, cerca de um século depois, no Iluminismo, um movimento filosófico e cultural que propunha o uso da razão em oposição aos dogmas religiosos, e pregava liberdade econômica e política, sob os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Teve enormes consequências, como a Revolução Francesa, que derrubou a monarquia e os privilégios da burguesia na França, influenciou a luta por independência das colônias da América do Norte, das colônias na América espanhola e, no Brasil, a Inconfidência Mineira em 1792, e quase um século depois, a independência do país do domínio Português.

Sobre o problema do retrocesso verificado nas democracias atuais, o presidente dos Estados Unidos reuniu nesta semana as principais lideranças do mundo, para discutir meios de afastar o perigo. Inclusive o Brasil foi convidado. Por razões óbvias, ficaram fora o presidente da Rússia e o primeiro ministro da China! Comparando os padrões dos movimentos de retrocesso atuais com os da Idade Média, verificamos que há enormes diferenças, inclusive com relação ao número de mortes das pandemias presentes nos dois momentos históricos. Mas, tendo em conta a velocidade dos meios de comunicação e de transportes atuais, os perigos se igualam porque os agentes de transmissão dos malefícios podem se espalhar rapidamente: os discursos que difundem ódio e ignorância e o vírus da Covid-19.

Claro que o obscurantismo de hoje é bem perigoso porque, para sustentar que a Terra é plana nos dias atuais supõe um esforço de negacionismo e de ignorância muito maior do era exigido para se acreditar no fim do mundo no ano 1000, na Idade Média. Mas devemos sempre manter as esperanças porque, de ordinário, a luz sempre vence as trevas, até por ser este um fenômeno natural!

Dr. José Borges

Advogado (Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca); especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Ambiental. Foi Procurador do Estado de São Paulo de 1989 a 2016 e Secretário de Negócios Jurídicos do Município de Franca. É membro da Academia Francana de Letras.

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