Opiniões

O Moço do Semáforo

Os nossos desafetos nós evitamos bloqueando-os das nossas redes sociais e não frequentando os lugares públicos e privados onde poderíamos encontrá-los. Mesmo assim, se porventura ocorre um encontro ocasional, baixamos os olhos, viramos para o outro lado, e às vezes, até assentimos com a cabeça de forma impessoal e neutra.

Mas o Moço do Semáforo não. Ele está sempre lá, no nosso caminho. Tem vários formatos e perfis, se multiplicando por todas as ruas da cidade e do país. Tem o gordinho sempre suado perto das Faculdades que vende suco de laranja e água gelada. Tem o mocinho raquítico de sorriso cariado que se aproxima com bucha, sabão e um rodinho de mão, e lava nosso para-brisa sem nos consultar se queremos o serviço. ‘Atrevido!’ ‘Será que tem Pix? Não tenho trocado…’  Tem o moço com cara de office boy, cabelo curtinho, calça jeans e camisa xadrez com sua indefectível mochila nas costas. Ele trabalha na esquina da Champagnat com a Praça Roque Menezes vendendo balas de goma. Quase sempre compro dele: às vezes compro e não levo, afinal de contas ele pode vender de novo e aumentar o lucro; outras vezes penso que não levar seria ofender. Ele está vendendo, por que desprezar? Nesse dilema ético, meus anjos e demônios duelam enquanto minha menininha interna esganada espera ansiosamente pelo dia que vou deixá-la se deliciar com as guloseimas.

-‘Tá-te quieta, garguica,’ ouço minha avó Antonia me dando bronca em espanhol.

Participando ou não desse comércio ou escambo de consciência, não há como negar que mexe conosco. O Moço do Semáforo é o retrato de um país desigual e injusto que ficou escancarado com a pandemia. Que sobrevive por pura teimosia, numa resiliência de inspirar qualquer empresário premiado. Por mais que façamos nossa parte com a Corrente do Bem no grupo Mulheres do Brasil, ainda me sinto imensamente em débito com esse moço quando passo ouvindo música estrangeira no podcast do meu carro com ar refrigerado. Ainda há muito a ser feito!!!

Podemos virar a chave e achar alguém para culpar: o governo, a igreja, as ONGs, as próprias pessoas, a sociedade, os políticos, os empresários, os chineses… Ou podemos pensar: ‘O que posso fazer para melhorar isso? Não vou resolver, mas vou fazer a minha parte…’ Focar na solução, não nos culpados…

Seja qual for o lado do disco que você escolha tocar, fica só uma dica e um pedido: Não vire o rosto, não baixe o olhar, não finja que não vê o Moço do Semáforo. O que ainda temos em comum, mesmo nesses tempos únicos e desafiadores, é nossa humanidade: não negue isso a ele, nem a ninguém! Olhe nos olhos do Moço, reconheça seu estado de vulnerabilidade e lhe dê um sorriso!

Eliane Sanches Querino

É diretora executiva da Know How. Professora de inglês e empresária. É líder e uma das fundadoras do Grupo Mulheres do Brasil.

Um Comentário

  1. Reportagem perfeita, e pra ampliar à ainda mais esses inumeros de homens do sinal. Temos a maior representaçao de que são verdadeiros vítimas da sociedade,o nosso gordinho do sinal Alonso y Alonso é também um homem que teve todo seu rosto e parte do corpo queimado por alguém que criminalmente o atacou,e esse moço do sinal luta todos os dias pra voltar a ter dignidade de olhar pros filhos e não se sentir um monstro e ele não é ,pois os verdadeiros monstros somos nós que as vezes compramos um suco com receio ou as vezes nem se quer o olhamos nos olhos dando uma moedinha. Acreditando que nossa esmola o sustentará,sinto que somos neste momento o verdadeiro sinal vermelho queimado😟👋👋👋👋 parabéns mais uma vez , Eliane Quirino pela sensibilidade nas palavras escritas .

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