Opiniões

Ensaio do Preso Consciente

O homem encarcerado que estamos acostumados a ver e a conceituar, é aquele que teve uma conduta considerada reprovada, contra a lei – penal, assim definida pela própria sociedade através de seus códigos de conduta. Mas, ao criar as teses, todas as circunstâncias estão no plano das ideias, direcionadas à conduta do outro. Por mais habilidade cognitiva que se tenha, somente podemos sentir plenamente aquelas questões que vivemos na pele. Estou falando de a experiência de preso estar.

No “calabouço” voltamos para nós mesmos, de modo a visitar os sentimentos em cada uma das camadas até chegar nas profundezas do nosso eu. A “sentença” do Coronavírus nos colocou de frente a nós mesmos. Agora que estamos sob cárcere privado, o que fazer? No meio jurídico, a sentença penal passa tecnicamente por etapas claras e positivadas – descritas em leis. Quero dizer que em uma sentença penal constará a pena definida e o tempo que ficará encarcerado – em crimes para os quais cabe reclusão, obviamente – podendo assim contar quantos dias falta para deixar aquelas grades.

Já na condenação imposta pela Covid-19 não há tempo determinado. Aquele vírus é autoritário, usa de uma sentença sem partes definidas. Não respeita soberanias de estados, poder econômico e pouco importa de onde veio. Queremos crer que não serão anos, provavelmente não serão, todavia, na exposição ao “calabouço” interno, dias são décadas. Uma parada brusca na rotina mexe profundamente conosco.

Turbilhão de pensamentos vem à tona, de questões simples a mais complexas. De recaídas depressivas a medo de não haver o que comer. Saudades dos abraços dos entes queridos e amigos. Recordações do samba no pé e das aglomerações dos churrascos dos finais de semana. Observa-se que não estamos em um cárcere físico perpétuo, mas o “calabouço mental” existente em nós pode nos acompanhar até o fim de nossas vidas. Creio que haverá grandes transformações em decorrência deste “toque de recolher” da Covid-19.


Torço que seja para o florescer da solidariedade e fraternidade como base principiológicos do pensamento de tudo para todos. E não de tudo para poucos. Digo que preso estou há dias e os pensamentos me acompanham há anos.

Dione Castro

É administrador de empresa, estudante de gestão empresarial pela Fatec, graduado em direito e um eterno curioso.

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