As leis ainda são imprescindíveis nos tempos atuais…
Desde que se organizaram em agrupamentos mais estáveis, os humanos começaram a se preocupar com uma forma de preservar a paz. Enquanto nômades, não havia grandes conflitos entre os indivíduos da tribo. Porém, com a permanência em espaço restrito, ao passar para um estilo de vida sedentário, os atritos aumentaram e o convívio acabou arranjado sob a liderança de um membro mais forte do grupo, à semelhança dos animais gregários. Com o aumento dos membros das tribos houve a necessidade de se criar um sistema organizacional mais perene e impessoal. E a sociedade humana inventou as leis que a governam até hoje. Então, os direitos começaram a ser inscritos na sua história.
Jayme de Altavila, em sua “Origem dos Direitos dos Povos”, magnífico volume poético sobre os primeiros códigos de leis de que se tem notícias, anotou: “Inspirados, em sua maioria pelos deuses aos déspotas oniscientes e por eles mandados insculpir em dioritos, tal o Código de Hamurabi, ou gravar apressadamente em omoplatas de carneiro, tal as primeiras achegas do Alcorão, esses direitos adoraram as suas épocas e foram, a um tempo, herméticos e equitativos”. E mais adiante o inspirado poeta completa: “os direitos sempre foram espelhos das épocas… Inspirados nas necessidades de cada tempo, eles não foram benignos nem draconianos: foram o espírito ático de Solon e a alma acanhada de Dracon, traduzindo os merecimentos de suas épocas”.
Tendo em conta os últimos acontecimentos políticos ocorridos entre nós, em especial a depredação dos prédios dos Poderes da República no dia 08 de janeiro, não temos nenhuma dúvida de que a lei ainda é fundamental para que tenhamos um pouco de paz. Não é possível que as pessoas possam decidir, individualmente, sobre seus direitos. Ainda somos egoístas, violentos e descontrolados quando cuidamos dos nossos interesses econômicos ou morais. E se unimos forças em grupos deliberadamente à margem da lei, corremos sérios riscos de nos tornamos irracionais, na maioria das vezes. Por isso a lei ainda é fundamental, porque ela tira das nossas mãos as decisões sobre as questões que envolvem os conflitos de interesses mais importantes e porque ela baliza o exercício dos direitos nela reconhecidos.
Temos visto nos últimos tempos, não só no Brasil, mas em várias partes do mundo, certa rebeldia ao comando das leis, como se a sociedade humana já as pudesse dispensar. No Brasil, tivemos os recentes pedidos de imposição de uma ditadura militar – ou seja, a abolição do sistema legal em vigor para nos submeter a uma ditadura militar! Submeter a sociedade brasileira aos comandantes militares, armados, mas sem qualquer preparo para administrar, para decidir sobre direitos civis, para planejar a sociedade – uma vez que homens preparados para a guerra! Mas, não obstante, até presidentes da República têm investido contra a ordem legal, bastando que as investidas rendam aplausos de cooptados ideológicos ou de apoiadores inescrupulosos.
O presidente Lula, em tempos passados, várias vezes propôs greves gerais para parar o país, e inviabilizar o governo de Fernando Henrique Cardoso, legitimamente eleito, sem que houvesse fundamento para o exagero, senão sua ideologia ultrapassada. Em consequência de tais ações, houve depredação de patrimônio público, de patrimônio privado, enfim, balbúrdia e prejuízos à margem da lei, que jamais foram recompostos a contento.
O presidente Bolsonaro sempre gritou contra a lei, sejam aquelas que preveem multas de trânsito, multas por infração ambiental, e até aquelas que obrigam pais a vacinarem os filhos menores. E em situações muito mais graves, pregou o descumprimento de decisões judiciais, atacou o Poder Judiciário, promoveu o tempo todo atos antidemocráticos, em especial sugeriu a quebra do sistema eleitoral, claramente com vistas a viabilizar uma ditadura militar, enfim, dando mau exemplo em quase tudo o que fez.
Mas não podemos nos esquecer que a sociedade precisa de paz. E para isso a lei deve ser respeitada por todos. Não faz sentido que autoridades, sejam civis ou militares, promovam o descumprimento da lei ou a desobediência às autoridades sob ela constituídas.
Em outra passagem da sua obra, Jayme de Altavila uma vez mais constata: “Desde que o homem sentiu a existência do direito, começou a converter em leis as necessidades sociais. Para trás havia ficado a era da força física e da ardilosidade, com as quais se defendera na caverna e nas primeiras organizações gregárias…” Será que as pessoas que promoveram as depredações em Brasília querem mesmo retroceder às cavernas, ou ao tempo em que éramos comandados por um macho alfa valentão e violento? Parece que não. É bem provável que não tenham refletido sobre as tolices que fizeram impulsionadas por incentivadores digitais. Mas, não podemos nos descuidar. Precisamos conhecer bem o nosso sistema organizacional antes de sair por aí propondo a sua substituição por outro qualquer…