Opiniões

A Cortina

Sentada no meu assento na Economy Plus da United Airlines, a caminho de San Diego, vou observando o que acontece por detrás da cortina que nos separa da classe executiva: para início de conversa, o tamanho das poltronas, o espaço e o conforto, mesmo em um avião menor como esse.

Ao chegar esbaforida, faminta, mas aliviada por ter conseguido pegar o voo da conexão, vejo que estão servindo água, suco de laranja e de tomate para os passageiros… da classe executiva… para nós, nada, nem ao menos um sorriso por detrás das máscaras.

A classe executiva tem um comissário imenso, mal cabe no corredor, braços fortíssimos de marinheiro Popeye. Não sei como esse gigante consegue se contorcer para servir com gentileza seus passageiros privilegiados. Está sempre com a bandeja de prata na mão, pratos e bebidas servidos em fina louça, nada de papelão e descartáveis como a gente.

Enquanto recebemos uma xícara de café e 2 bolachinhas, observo os pratos servidos na classe executiva, suculentos. Mas não me atraem. Só tenho inveja da caneca de café da moça da frente, que o comissário mantém sempre cheia com inúmeros refills. Ah, como eu amo!!!☕☕

Estou com fome! Após baixar o aplicativo, entrar no site e fazer um longo cadastro, consigo finalmente salvar meu cartão de crédito para poder comprar um pudim de chia. Saudável e nutritivo. Ainda bem que a aeromoça teve paciência para me ensinar em que página da revista de bordo havia um tutorial para salvar o cartão e poder comprar algo a bordo. Eu já tinha me resignado ao jejum!

Às vezes a cortina abre. Um bebê lá dentro chorou muito na decolagem. Seu choro incomodou todo mundo; algumas coisas são iguais seja qual for a categoria do assento. Logo ele consegue andar pelo corredor, sorri gostoso dizendo ‘Hi’ para todo mundo. Encanta a todos com sua graça… Até da classe econômica. É, algumas coisas são iguais.

A cortina representa privilégios e escolhas. Não podemos ver com ressentimento, ainda que seja inevitável uma pontinha de sensação de exclusão; ou seria despeito?

Vou pensando na guarita blindada que está sendo erguida no meu condomínio, no controle remoto que me dá acesso rápido; penso em quando passo de carro pelas pessoas apinhadas nos abrigos de ônibus. Debaixo de chuva…☔ Aqui mesmo no avião olho para trás e lá estão pessoas apertadas sem espaço para as pernas: um espaço que escolhi comprar para não chegar detonada ao meu destino. Privilégios e escolhas.

Se no Brasil sou ‘branca’ aqui sou latina. É diferente. Muito bom sentir na própria pele o preconceito velado para respeitar a dor dos outros. E saber com clareza que cortinas, grades, controles remotos, senhas, etc sempre existiram. Mas a cada dia caem mais por terra!! Porque estamos percebendo que estamos todos no mesmo barco… no meu caso, no mesmo avião. E que se ele cair, morremos todos. Finalmente juntos, iguais… ✝️

Eliane Sanches Querino

É diretora executiva da Know How. Professora de inglês e empresária. É líder e uma das fundadoras do Grupo Mulheres do Brasil.

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