Inspirados

Catarata

Com décadas bem (ou mal) vividas, nosso corpo acusa falhas, limitações, rugas, sinais de desgaste no corpo.

Na alma, rugas, cicatrizes, fraturas, sinais de encontros e desencontros com afetos, desafetos, amigos e adversários; tantas batalhas travadas, as perdidas e as  vencidas.

Vivo sinais, corpo e alma, com humor e renúncia à criança, à adolescente que já fui.  Quero dizer, ainda as guardo na imaginação, na memória: assomam no repente, assombram pelo terror e pelo encantamento, da morta imortalidade.

Visitei meu oftalmologista, esperando aumentar o grau dos óculos e me deparei com o diagnóstico: a vista embaçada com um nome a denunciar o uso contínuo dos olhos. Catarata.

Nome poético para o nublar do olhar… olhos enevoados d´água.

Imagino o tempo em que não havia óculos: as vistas embaçavam tanto que os velhos eram os guardiães das histórias, arquivavam passados, estocavam experiências contadas e recontadas ao redor da fogueira.

Cegueira física viviam nossos ancestrais! No entanto, envelhecer com sabedorias acumuladas se contrapõe às estreitas visões produzidas por excesso de informação.

Já leu Ensaio sobre a cegueira, de Saramago?

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicanalista pela Sociedade de Psicanálise de São Paulo e mediadora de leituras, participante do projeto Rodalivro, membro da Academia Francana de Letras. Correspondente da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo