Catarata
Com décadas bem (ou mal) vividas, nosso corpo acusa falhas, limitações, rugas, sinais de desgaste no corpo.
Na alma, rugas, cicatrizes, fraturas, sinais de encontros e desencontros com afetos, desafetos, amigos e adversários; tantas batalhas travadas, as perdidas e as vencidas.
Vivo sinais, corpo e alma, com humor e renúncia à criança, à adolescente que já fui. Quero dizer, ainda as guardo na imaginação, na memória: assomam no repente, assombram pelo terror e pelo encantamento, da morta imortalidade.
Visitei meu oftalmologista, esperando aumentar o grau dos óculos e me deparei com o diagnóstico: a vista embaçada com um nome a denunciar o uso contínuo dos olhos. Catarata.
Nome poético para o nublar do olhar… olhos enevoados d´água.
Imagino o tempo em que não havia óculos: as vistas embaçavam tanto que os velhos eram os guardiães das histórias, arquivavam passados, estocavam experiências contadas e recontadas ao redor da fogueira.
Cegueira física viviam nossos ancestrais! No entanto, envelhecer com sabedorias acumuladas se contrapõe às estreitas visões produzidas por excesso de informação.
Já leu Ensaio sobre a cegueira, de Saramago?