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Vila Tião

A Vila São Sebastião ou “Vila Tião” como os francanos a chamam foi uma das primeiras ocupações irregulares da cidade, ainda nos anos 1950. Situada na zona oeste, cresceu inicialmente acompanhando a estrada vicinal para a pequena Ribeirão Corrente, o primeiro local a ser urbanizado do outro lado da rodovia Cândido Portinari na região. Com sua estrutura viária feita aos trancos e barrancos e precária infraestrutura, foi ocupada por trabalhadores muito pobres em seus primórdios, geralmente migrantes do campo. A violência urbana instalada ali, até por conta da ausência de iluminação pública nas ruas até 1970 a fez ser chamada de Vietnã pelo noticiário de frequentes brigas e bebedeiras. O bairro foi urbanizado lentamente, com redes de água, esgoto, pavimentação, escola, posto de saúde, aos poucos se integrou totalmente à cidade. Restaram problemas na infraestrutura, como o congestionado sistema viário e a ocupação desordenada das margens do córrego Engenho Queimado.

O córrego do Engenho Queimado canalizado

A partir de 2013, já durante o governo Dilma Roussef PT), isso começou a mudar com o novo Plano Diretor (aprovado em 2003) que incentivou o crescimento da cidade naquele vetor levando ao surgimento de dezenas de grandes projetos imobiliários ocupando áreas antes rurais. Em seguida, pela obra financiada pelo governo federal através do PAC II (Programa de Aceleração do Crescimento), permitindo que a Prefeitura fizesse um projeto com investimento de R$ 19 milhões na canalização do córrego Engenho Queimado, construção de habitações de interesse social, proteção das áreas de preservação permanente e equipamentos de lazer e recreação.

Segundo a Prefeitura, o projeto elaborado previa a canalização a céu aberto com gabiões de dois quilômetros de extensão do córrego, o plantio de árvores em parte da extensão do curso d’água – começando nas margens da rodovia Cândido Portinari e continuando até a ponte existente entre os jardins Martins e Palmeiras. As obras de drenagem e captação de águas pluviais seriam realizadas para tentar evitar inundações. Mais recentemente, ação do vereador Gilson Pelizaro (PT) com a Prefeitura permitiu que recursos remanescentes do projeto fossem aplicados para ampliar a vazão da ponte do jardim Palmeiras e reduzir riscos de inundação naquela região, que continuam.

Trata-se da obra mais longeva da Prefeitura. Já são dez longos anos de obras, constantemente interrompidas por vários problemas, desde atrasos de repasses do governo federal após o golpe que retirou a presidenta eleita até problemas administrativos nas licitações da Prefeitura. O fato é que, mais uma vez, perdemos grande oportunidade de colocar o urbanismo a serviço das pessoas e de fato dar qualidade de vida à comunidade do entorno.

As obras realizadas não recebem a manutenção adequada pela Prefeitura. As margens do córrego no trecho canalizado são constantemente tomadas por lixo e resíduos. Boa parte das árvores plantadas desapareceram, não houve manutenção. Na margem oposta à Vila Tião nada foi feito em termos urbanísticos. As 86 moradias projetadas foram construídas noutro bairro, distante. As áreas de lazer e seus equipamentos são de uma pobreza franciscana e não estão em bom estado, não atraem moradores ao seu uso. A calçada que acompanha a área de preservação permanente que um dia foi pintada de azul (segundo a Prefeitura, “para contrastar com o verde da vegetação”) é estreita, tem obstáculos como postes e árvores que deveriam ter ficado na faixa de serviço do passeio. A impressão que passa, para uma obra relativamente nova, é de incompletude e abandono.

Franca tem enormes dificuldades para investir em urbanismo há tempos. O orçamento é restrito pelas obrigações já assumidas com educação, saúde e folha de pagamento do funcionalismo ou em projetos equivocados como a reforma da Praça N.S. da Conceição. Obter um financiamento federal dessa ordem, a fundo perdido, foi uma grande oportunidade que infelizmente se perdeu para criar de fato um grande e exemplar parque linear com qualidade paisagística e desenho urbano adequados que mudasse a vida no bairro. Mas sempre é tempo de rever e reverter atitudes do passado.

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

2 Comentários

  1. Considerações super importantes, essa obra se arrasta a muitos anos. O intenso crescimento urbano nessa região justifica um trabalho qualificado, mas para os políticos tem pouca visibilidade.

  2. Como sempre Meu Mestre Mauro, pesquisa e conhecimento de causa, preciosa pra escancarar O DESCASO ABSOLUTO.
    Perfeito quando você diz: SEMPRE É TEMPO DE REVER E REVERTER.

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