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Franca precisa de mais árvores para evitar outro haboob

“Todos os seres vivos estão conectados e não existe a possibilidade

de seguirmos degradando a natureza sem sofrermos consequências”

Elaise Maria de Mello Barbosa, líder do Comitê Verdejar

Nas últimas semanas, a cidade de Franca ganhou nominalmente o noticiário nacional e internacional com uma pecha nada lisonjeira e que surpreendeu a muitos: sua área  tem sido ecologicamente tão devastada que propiciou o fenômeno climático haboob (do árabe habub que significa “destruidor” ou “que vagueia”), a tempestade de poeira no entorno do município.

No dia 02 de outubro, pelo menos três cidades do Mato Grosso do Sul também registraram a ocorrência comum em regiões áridas ou desérticas, como a África.

Conforme explicações de ecologistas e meteorologistas, a destruição da mata nativa abrindo extensos descampados para plantios propicia o aquecimento e diminuição da umidade relativa do ar de modo que, à secura, resíduos de poeira se deslocam do solo e cinzas das queimadas frequentes à ausência de chuvas, combinadas aos fortes ventos, propiciem o haboob.

A Folha de Franca convidou Elaise Maria de Mello Barbosa, líder do Comitê Verdejar, ao lado de Maria Lídia Borges Machado e com Leliana Fritz Veronez; do núcleo Franca do Grupo Mulheres do Brasil, mulheres protagonistas em ações voluntárias sociais e ambientais. Em atividade desde 2016, o Verdejar já plantou 7 mil árvores em Franca, realizou ações de educação ambiental em 45 escolas da cidade; promoveu ações de adoção de mudas, e tem a meta de fomentar o desejo da população em ter plantadas na cidade 1 milhão de novas árvores.

O trabalho feito pelo Verdejar – Grupo Mulheres do Brasil foi certificado pela Fundação do Banco do Brasil em 2021 como uma das 59 tecnologias sociais no Brasil todo, sendo indicada como modelo para replicação. Resultado de um trabalho consistente, continuado, criativo e engajado que o grupo faz.

Elaíse se tornou Líder da Realidade Climática em 2020 (liderado pelo ex-vice presidente americano Al Gore). Em 2021 iniciou um curso de Especialização em Arborização Urbana pela UNIFESP de Diadema – SP, término em 2022.

“O  Estado de São Paulo é das regiões mais devastadas do país, contando com apenas 17,5% de sua vegetação nativa original (Relatório de Qualidade Ambiental 2020 – Secretaria de Infraestrutura e do Meio Ambiente do Estado de São Paulo) e que a região de Franca conta com apenas 10,83% de sua vegetação nativa original, por ser região agroindustrial dedicada ao plantio de cana, café, pastos e outros”, explicou Elaise.

Em termos de ações na cidade, ela contou que em abril de 2021 o prefeito Alexandre Ferreira atendeu a um pedido do grupo Verdejar e do Projeto Vila Verde por meio da assinatura do Decreto no 11.238  de 12 /04/2021 que deu imunidade a 8 árvores na cidade de Franca. “Consideramos uma grande conquista, até mesmo pelo ganho de respeito para com as árvores, um patrimônio da cidade.

O trabalho feito pelo Verdejar – grupo Mulheres do Brasil foi certificado pela Fundação do Banco do Brasil em 2021 como uma das 59 tecnologias sociais no Brasil todo, sendo indicada como modelo para replicação. Resultado de um trabalho consistente, continuado, criativo e engajado que o grupo faz”, considerou.

Nesta entrevista, ela alertou para os perigos de desertificação, se nada for realizado em prol do ambiente e apontou metas e ações efetivas para que a cidade e região possam reverter tal estado de degradação ambiental e as respostas furiosas da natureza, como vimos há duas semanas.

Folha de Franca – Como se deu o seu interesse e posterior envolvimento com a questão ambiental?

Elaise Maria de Mello Barbosa  – As ciências naturais sempre foram de meu interesse desde a infância: sempre me conectei com plantas e animais e seu estudo. Mas somente após a aposentadoria decidi dedicar parte do meu tempo em trabalho voluntário ambiental e essa oportunidade surgiu com a chegada do núcleo Franca do Grupo Mulheres do Brasil em 2016. Nesse mesmo ano assumi a liderança do Comitê Verdejar criado com a presença de Luiza Helena Trajano, presidente do Grupo Mulheres do Brasil.

Folha de Franca- Conte-nos sobre o Grupo, sua participação e as ações realizadas até aqui.

Elaise – Após o início do núcleo Franca e da criação do Comitê Verdejar em setembro de 2016, o grupo passou a se reunir para definir o caminho a ser trilhado. Em fevereiro de 2017 tivemos nossa primeira ação que foi um projeto de paisagismo no Centro Comunitário do City Petrópolis quando recebemos algumas mudas da Prefeitura e tivemos o patrocínio do Leite Jussara. As árvores plantadas ali, após 4 anos, já estão adultas e lindas.

Em março de 2017 fizemos parceria com o Senac no projeto Harpa Verde – desenvolvido por seus alunos no bairro Cidade Nova, onde fica a escola. Nesse momento tivemos 3 apoios fundamentais: Algar-Telecom, Unimed e Fazenda Rockport. Esse foi nosso primeiro plantio em residências (julho de 2017) e a partir do Harpa Verde seguimos plantando mensalmente em calçadas.

Projetos maiores chegaram e o grupo reflorestou uma mata ciliar no Jardim Noêmia em dezembro de 2019 com 3,5 mil mudas (aqui destacamos a parceria com a MacBoot, Ecoplans e Fazenda DaTerra; em 2020 fizemos um replantio com apoio também do Posto Mário Roberto e Comjunior). Para isso mobilizamos mais de 1.000 voluntários pela cidade e seguimos cuidando desse espaço, que já passou por 4 incêndios até agora. Também plantamos uma floresta de bolso na UNESP em dezembro de 2020, com 196 mudas – pelo aniversário de Franca e como memorial aos mortos pelo covid nesse ano. Com a continuidade de um trabalho reconhecidamente bem feito e cuidadoso, muitos outros parceiros se juntaram a nós, como a Tetra Pak, Tip Toey Joey, Homea, Homeopatia Brasil, Sapucaia, Cocapec, Ponto Natural, Posto Dallas, ACIF, Know How, CCBEU, Loja Mude, RaniGami, Juba Design, Blue3 e tantos voluntários e mesmo escolas e universidades que em algum momento contribuíram para o trabalho do Verdejar.

Já plantamos quase 7 mil árvores em Franca e já fizemos trabalho de educação ambiental em 45 escolas da cidade. Também fizemos ações de adoção de mudas em vários eventos e anualmente visitamos as mudas plantadas e reorientamos os moradores sobre os cuidados com elas. Somos um grupo com mais de 100 voluntários.

Folha de Franca – O fenômeno do haboob assustou a todos e colocou Franca no noticiário nacional como a área mais devastada do país. Para muitos, essa revelação surpreendeu. E a você? Fale sobre o que entende sobre isso.

Elaise – Foi realmente assustador ter vivido essa situação. Sabemos que o Estado de São Paulo é das regiões mais devastadas do país, contando com apenas 17,5% de sua vegetação nativa original (Relatório de Qualidade Ambiental 2020 – Secretaria de Infraestrutura e do Meio Ambiente do Estado de São Paulo) e que a região de Franca conta com apenas 10,83% de sua vegetação nativa original, por ser região agroindustrial dedicada ao plantio de cana, café, pastos e outros. A cana-de-açúcar tem caráter de plantio e colheita anual e o solo exposto foi o que permitiu o haboob, além das queimadas e geadas que a região sofreu. Sem dúvida os eventos extremos relacionados com o aquecimento global, como a seca prolongada que nossa região vem sofrendo há anos também contribuíram para essa nova modalidade de problema em nossa região.

Penso que para melhorar a situação precisamos em primeiro lugar focar em reflorestar nossa região, principalmente as matas ciliares (beira de córregos e rios), limitar a área de plantio de cana e outras culturas de replantio anual que permitem a terra exposta nesta época do ano, trabalhar pela manutenção da floresta Amazônica (que contribui para as chuvas em nossa região). Porque é muito triste pensarmos que se nada fizermos, a falta de água pode piorar, o período de secas pode se ampliar, os haboobs podem se tornar comuns por aqui.

Folha de Franca – Que avaliação vocês fazem, a partir do ponto de vista das ações no Verdejar, da questão ambiental local?

Elaise – Nossa avaliação é de que temos muito a fazer. Franca tem um déficit muito grande de árvores para termos um clima mais fresco, um ar mais puro, mais saúde, bem estar, mais área de absorção de água de chuvas (porque inundações também acontecem por aqui e a água que escoa pela terra retorna aos lençóis freáticos, o que é importante na manutenção dos mananciais), árvores grandes são necessárias para evitar as “ilhas de calor” na cidade, promovidas pelo asfalto exposto e construções de concreto.

O Relatório de Arborização Urbana de Franca de 2019 aponta para a existência de pelo menos 51.000 árvores na cidade, o que consideramos insuficiente.

Quando iniciamos em 2016 falávamos na necessidade de 3 árvores por habitante, ou seja, de 1 milhão de árvores para o número de habitantes de Franca, para termos uma cidade com área verde adequada. Houve quem questionasse que esse número de 3 por habitante não tivesse respaldo científico, embora amplamente encontrado em artigos de revistas e em matérias jornalísticas.

 Hoje falamos na necessidade de 3 árvores vistas de cada residência, 30% de cobertura verde na vizinhança e de estarmos no mínimo a 300m de alguma área verde que permita atividades recreacionais múltiplas, que é a regra 3-30-300 indicada pelo Dr. Cecil Konijnendijk van den Bosch da Universidade de British Columbia – Vancouver / Canadá. Simplesmente passamos a usar um número mais aceito pela comunidade científica, na prática a necessidade permanece semelhante.

Por essa regra podemos falar na necessidade de pelo menos 300.000 árvores em calçadas de residências em Franca e de muitos parques e praças estruturados disponíveis para a população e distribuídos pela cidade toda, no que Franca está deficiente.

Por isso seguimos com nosso projeto “Eu sou uma em 1 Milhão”, acreditando que se todos nos mobilizarmos para o plantio de 1 milhão de árvores em Franca em calçadas, parques, praças e matas urbanas então teremos uma cidade com o verde ideal para todos.

Folha de Franca- O que vem sendo realizado na cidade no sentido mesmo de destruição do ecossistema e o que vem sendo realizado na via contrária, em sentido de preservação e recuperação?

Elaise – Precisamos nos unir pela proteção da APA – área de preservação ambiental da bacia do rio Canoas. Loteamentos clandestinos acabaram se desenvolvendo nesse espaço e colocam em risco uma bacia que é fundamental para o abastecimento de água de Franca.

Nesta questão considero a educação ambiental como sendo de muita relevância. Enquanto encontramos cidadãos culpando as árvores por problemas até de segurança e pedindo sua remoção ou mesmo matando árvores, por outro lado, temos uma juventude mais comprometida em agir contra a crise ambiental e mais interessada em atuar para garantir o futuro das próximas gerações. Muita gente já consegue entender que todos os seres vivos estão conectados e que não existe a possibilidade de seguirmos degradando a natureza sem sofrermos consequências. E que a economia pode ser boa para todos, até para a sustentabilidade. Os recursos ambientais são finitos.

Folha de Franca- Há possibilidades de recuperação? Quais são as medidas a serem tomadas imediatamente?

Elaise – Com o crescimento populacional, o uso da terra foi muito alterado para formação de cidades, plantações extensivas e criação de gado. Difícil pensar numa recuperação do muito que já destruímos, mas precisamos pensar numa forma para conseguirmos ter um equilíbrio com a natureza.

A medida mais imediata é impedir as queimadas em florestas que fazem com que o Brasil seja o sexto país do mundo que mais produz gases de efeito estufa e com isso reduzir essa produção. O que já temos de área desmatada precisa ser otimizada para as atividades humanas, parte dela precisa ser reflorestada.

Folha de Franca -Nesse cenário, quais são as metas do Verdejar?

Elaise – Nosso propósito é sermos sementes. Promover e mobilizar os cidadãos a se interessarem pelo tema ambiental além de fomentar o plantio de 1 milhão de árvores dentro da cidade.

Folha de Franca -Quais as medidas cidadãs (que cada pessoa precisa tomar) para minimizar o impacto ambiental?

Elaise – São muitas as ações que cada um de nós pode fazer em sua vida cotidiana como:

  1. reduzir o uso de combustíveis fósseis que são geradores de gases de efeito estufa. Caminhar, andar de bicicleta, usar transporte público,
  2. reduzir e compostar o resíduo orgânico (lixo em aterro produz gás de efeito estufa), uso de composteiras,
  3. reduzir e separar para reciclagem o resíduo reciclável – reutilização de recursos naturais,
  4. excluir o uso de plástico descartável de uso único (sacolas, copos e canudinhos) que representa 40% de toda produção de plástico no Brasil e que tem contaminado rios e mares, usar sacolas de tecido,
  5. diminuir o consumo de tudo – evitar o desperdício de recursos naturais,
  6. reduzir o consumo de carne vermelha (criação de gado produz gás de efeito estufa),
  7. aumentar o uso de alimentos orgânicos (uso de fertilizantes gera gases de efeito estufa),
  8. reduzir o uso de água e de energia elétrica (que pode ser proveniente de queima de combustíveis fósseis), Usar lâmpadas de LED, por exemplo, que consomem menos energia,
  9. investir em energia solar (energia limpa).
  10. E é claro, plantar árvores, muitas árvores. A cada 7 árvores plantadas retiramos da atmosfera 1.000 kg do CO2 por ano da atmosfera. Existe um projeto global para plantio de 1 trilhão de árvores no mundo (1 Trillion Trees), com a finalidade de mitigar o aquecimento global.

Essas são algumas das atividades humanas que impactam no aquecimento global.

Folha de Franca – O que você diz da questão dos acordos climáticos mundiais?

Elaise – A questão climática se encontra a cada dia mais em evidência e muitos estão trabalhando para que possamos ter sustentabilidade em todas as áreas de nossas vidas – deixarmos o planeta do mesmo jeito que encontramos ao chegar. Até mesmo empresas e grandes corporações entendem a importância do tema e estão trabalhando para ajudar em fatores ambientais aderindo à sigla ESG, que trabalha fatores ambientais, sociais e de governança.

Os acordos climáticos têm caminhado com bastante dificuldade e resistências, mas têm caminhado. Os EUA voltaram à mesa de debate, o que fortalece a causa. Estados Unidos e China são os maiores produtores de gases de efeito estufa do mundo. A poluição não entende fronteiras, não temos um governo mundial, então é necessário que cada país entenda a necessidade de cumprir com esses acordos para o bem de todos. O Brasil tem toda a possibilidade de liderar as discussões do tema por sua relevância no planeta devido à sua riqueza ambiental. Eu particularmente, gostaria muito que nosso país assumisse esse papel.

O último relatório do Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima – IPCC (sexto relatório de agosto de 2021) aponta para dificuldades ainda maiores para impedir que o planeta aqueça mais do que 1,5oC, são mudanças climáticas mais intensas e rápidas e que podem se tornar irreversíveis. Teremos a COP26 em Glasgow – Escócia em novembro deste ano e o planeta observa com atenção se teremos novas metas e diretrizes.

Folha de Franca – Como estão a legislação e políticas públicas ambientais em Franca, na sua avaliação?

Elaise   – Temos muitas leis ambientais em Franca e poucas são seguidas com critério e comprometimento. Por exemplo, a lei que pede o plantio de 1 árvore por bebê nascido na cidade (lei “Uma Vida, Uma Árvore” nº 4.843 / 1997)é cumprida com um plantio coletivo 1 vez ao ano em área que ninguém sabe onde e que nem sabemos se é cuidada depois. Gostaria de ver mais transparência no cumprimento das leis ambientais e também de ver melhorias nas políticas públicas de Franca para essa área.

Nosso Jardim Zoobotânico está bem deteriorado e nem mudas de tamanho adequado para arborização são oferecidas aos cidadãos. Muitos vão até lá, ganham uma muda e pedem ao Verdejar para plantar para eles, pois a Prefeitura somente oferece remoção de árvores e não o plantio. Outras pessoas pegam a muda, plantam de maneira inadequada por falta de orientação e acabam perdendo o plantio.

Franca já teve a Dra. Olga Almeida que nos anos 90 do século passado plantava diariamente em Franca pelo menos umas 30 mudas, do início dos anos 2000 para cá percebemos o sucateamento da área ambiental. Em 1996, quando a Prefeitura dispunha de menos verba, tínhamos um Jardim Zoobotânico que produzia 600.000 mudas por ano, e das árvores que temos hoje muitas foram plantadas naquela época. Então penso que falta priorizar o meio ambiente.

Temos promessas de reabertura de ecopontos, de melhoria do Jardim Zoobotânico, de criação de novos parques, até de fiscalização de áreas de descarte irregular de resíduos por drones. Sigo aguardando. Gostaríamos de ver também novas ciclovias na cidade, mais cuidado com nossas árvores, um movimento mais assertivo rumo a uma maior sustentabilidade ambiental.

Vanessa Maranha

É Psicóloga, Jornalista, Escritora Premiada, colunista da FF.

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