O racismo legalizado pelo STJ
Recentemente, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) levantou um intenso debate sobre o alcance do crime de injúria racial no Brasil. O entendimento firmado pela Corte determinou que essa tipificação penal só se aplica a grupos historicamente oprimidos, o que, na prática, exclui pessoas brancas descendentes de europeus da proteção oferecida pela lei.
O caso concreto julgado pelo STJ teve origem em Alagoas. Em julho de 2023, um homem negro foi denunciado por injúria racial após chamar um homem branco de “escravista cabeça branca europeia”. Segundo o relator do caso, ministro Og Fernandes, “é inviável a interpretação da existência do crime de injúria racial cometido contra a pessoa cuja pele seja de cor branca, quando tal característica for o cerne da ofensa”.
A mensagem subjacente a essa decisão é clara: ofensas raciais dirigidas a brancos não são juridicamente relevantes. Esse entendimento cria uma situação alarmante, pois, ao relativizar a gravidade das ofensas com base na cor da pele, o STJ abre um perigoso precedente de discriminação legalizada.
Racismo agora tem cor?
Juridicamente, a injúria racial é equiparada ao racismo, conforme o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu em outras ocasiões. No entanto, a decisão recente do STJ parece reformular esse conceito, determinando que somente determinados grupos podem ser vítimas de crimes raciais. Por outras palavras, se o ofendido for branco, a ofensa deixa de ter relevância penal. Isso contraria frontalmente o princípio da igualdade perante a lei, base fundamental do Estado democrático.
Esse novo entendimento é justificado por alguns sob a ótica da “justiça histórica”, como se o sofrimento de determinados grupos no passado autorizasse discriminações atuais contra outros. Ora, se seguirmos essa lógica, um empresário poderia deixar de contratar um descendente de europeus apenas por sua etnia sem que isso configurasse discriminação? Estaríamos, então, institucionalizando uma espécie de “revanchismo racial”?
Além disso, a decisão levanta um problema ainda mais profundo. A Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989) também protege grupos religiosos, como cristãos, judeus e muçulmanos. No Brasil, onde a maioria da população se identifica como cristã, a lógica adotada pelo STJ abre margem para sustentar que ataques verbais contra evangélicos e católicos, por exemplo, não poderiam ser tipificados como crime de racismo. Afinal, pela interpretação da Corte, apenas minorias historicamente oprimidas mereceriam essa proteção legal.
Reação legislativa
Outro efeito preocupante da decisão é o impacto na coesão social. Em vez de promover a igualdade e a união entre os brasileiros, o entendimento do STJ apenas reforça divisões raciais. Criam-se categorias distintas de cidadãos perante a lei, onde uns são passíveis de proteção e outros, não. O resultado? Mais polarização e um enfraquecimento da própria luta contra o racismo.
Diante dessa aberração jurídica, o Movimento Brasil Livre (MBL), através do deputado Kim Kataguiri, propôs um projeto de lei para reverter essa interpretação. A proposta visa garantir que crimes previstos na Lei do Racismo possam ser cometidos contra qualquer pessoa, independentemente de sua cor, etnia ou procedência. Além disso, busca impedir que a dosimetria da pena seja manipulada com base no grupo racial da vítima ou do agressor.
A essência do projeto é simples: restabelecer o bom senso e a razoabilidade. O crime deve ser punido pelo ato cometido, e não pela identidade da vítima. Se o Estado brasileiro deseja realmente combater o racismo, não pode institucionalizá-lo por meio de jurisprudências seletivas.
O precedente aberto pelo STJ não apenas fere a Constituição, como também normaliza uma perigosa diferenciação racial no tratamento jurídico de crimes. A legislação penal deve proteger todos os cidadãos igualmente, sem distinção de cor ou origem. Se o objetivo é erradicar o racismo, a solução não pode ser criar novas formas de discriminação.
Afinal, se a cor da pele do ofendido define se uma ofensa é crime ou não, então não estamos diante de uma justiça racial, mas sim de uma nova forma de segregação legalizada. É isso que queremos para o Brasil?







