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O prefeito e o Clube dos Bagres

Recentemente, o Condephat municipal fez o tombamento provisório da antiga fábrica da MSM, bela e imponente testemunha da pujança industrial de Franca. Como se sabe, neste país nem tombamento definitivo é garantia de nada, a destruição do passado da cidade está a espreita como nunca. Cinquenta anos de militância na defesa do patrimônio cultural da cidade me fez gato escaldado e de couro cada vez mais grosso ante a inacreditável ineficácia e inoperância dos poderes constituídos para defender o patrimônio histórico local. A cidade faz duzentos anos, mas sua história vai sendo apagada continuamente, nada restou do século XIX e da primeira metade do século XX.

Acho que, das lutas inglórias que travei ao longo da vida, essa seja a que mais se aproxima da inutilidade, inclusive por ser uma das mais críticas ao capitalismo tupiniquim que abraça parcelas expressivas do mercado imobiliário, onde a busca selvagem pelo lucro se sobrepõe à qualidade do espaço para as pessoas viverem e à própria sustentabilidade urbana. Afinal, em tempos de individualismo feroz é difícil convencer a sociedade da necessidade de preservar edificações de outras gerações, em geral abandonadas à ação do tempo pelos gestores que deveriam zelar por elas, ou mesmo proprietários privados que não realizam manutenção adequada de suas construções com valor histórico ou cultural, preferindo demolir pedaços da história até mesmo de seus ancestrais para lucrar um pouco mais.

Antes da MSM, tivemos uma perda emblemática: quando a cidade comemorava o título mundial do basquete masculino pela equipe local, tradição que remonta os anos 1950, o ginásio onde a história começou a ser escrita ruía estrepitosamente pela incúria e falta de manutenção. O tombamento definitivo do ginásio do Clube dos Bagres (projeto de Ícaro de Castro Melo em 1954) foi referendado em 2002 pela Prefeitura. Transcorridas duas décadas, o prédio foi abandonado tanto pelos proprietários quanto pelo poder público municipal, fazendo com que a cobertura viesse ao chão, felizmente sem vítimas. Mas poderia ter havido um desastre de proporções inimagináveis.

Restou a perda de parte do patrimônio histórico. Vou usar as perguntas do CAU-Ceará em caso similar para caracterizar a situação que enfrentamos. “Quais são as razões que explicam tamanho descaso com uma construção emblemática da paisagem urbana da Franca? Se havia interesse em preservá-lo, porque o prédio foi abandonado por quem tinha responsabilidade em mantê-lo como patrimônio histórico e arquitetônico para as presentes e futuras gerações?” Espero que o Ministério Público consiga responder no curso de procedimento preparatório para inquérito civil.

Enquanto isso, o antigo ginásio do Clube dos Bagres, por sua história e importância cultural e esportiva, deveria há muito ter sido encampado pela Prefeitura para ser de uso público. No entanto, a Prefeitura sempre se eximiu de fazê-lo, inclusive o prefeito atual Alexandre Ferreira, como se a preservação da história não lhe dissesse respeito. Um evento como a queda do telhado do ginásio não pode abrir precedente que coloque em risco o pouco do patrimônio construído preservado do século XX que ainda resta em Franca.

Penso que seria hora do Prefeito mudar sua postura diante do ocorrido: assumir que houve uma cadeia de descaso e mudar o rumo da política pública de preservação quando a cidade chega aos 200 anos. Fazer com que o que restou do velho ginásio cumpra uma função social, como abrigar um espaço educativo e museológico do basquete da cidade aos moldes do Museu do Futebol de SP, sem contribuir para transformar as edificações que representam a história da cidade em um pedaço de terra com função meramente mercantil, favorecendo o apagamento da nossa história.

Muitas pessoas da cidade têm ligações afetivas com o Bagres e o basquete e se disporiam a ajudar, assim como seria possível obter recursos de outras esferas de governo para um projeto desta natureza. A palavra está com o prefeito e candidato à reeleição Alexandre.

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

11 Comentários

  1. Ótimo texto Mauro! Um precioso convite à reflexão e , indo além, com uma propositura de ação; ambos importantíssimos. Me solidarizo com você, também fico indignada e triste por ver onde chegou o “nosso” Clube dos Bagres, imagino o tão difícil deve ser você! Te parabenizo por ainda ter força e predisposição para lutar pela preservação da Memória e História de França. Um abraço e obrigada.

  2. Muito bom seu texto, que o pode público possa analisar e refletir, não dão a mínima para o nosso patrimônio histórico, faz parte de nossas vidas e da cidade . Que sirva pra analisarem e que tem condições de conservar o que é de direito da cidade..

  3. Mauro, parabéns…mas é impossível esperar algo nesse nivel do Sr Prefeito Alexandre, pois ele simplesmente ñ consegue manter a cidade – iluminada o suficiente, manter ruas,calçada e bosques limpo e sem mato, além de aproveitar de forma efetiva os espaços públicos – inclusive encampar esse emblemático espaço …na torcida p ele nesse final de alguns mandatos mostrar que evoluiu independente de reeleição…

  4. Perfeito esclarecimento Mauro, concordo plenamente contigo e também me sinto indignado pelo total descaso. Pelo todo ocorrido, o mínimo sensato a fazer, seria de agora pra frente, ADMINISTRAR.

  5. Nada contra quem se preocupa em preservar lembranças, quando criança frequentar o Clube dos Bagres era todo final de semana, o Country Clube também, porém por descaso e não acompanhar a evolução, são lugares que perderam sua glória. Imaginemos o valor financeiro para manter tudo isso por pura nostalgia, vamos parar de demagogia, dizendo que os outros tem de preservar estes elefantes brancos, haja dinheiro. O Hotel Brasil em Ribeirão Preto ninguém quer assumir, devido ao altíssimo valor para reforma, de uma construção em ruínas. Tem é que demolir e criar sim, um novo lugar limpo e agradável. Falar em preservação é simples, quero ver por a mão em sua própria carteira para isso. Tanta coisa mais importante para se preocupar do que essas obras sem valor e futuro para ninguém.

  6. O prédio do Museu José Chiachiri é outro patrimônio histórico prestes a desabar.
    Cumprimento o prof. Ferreira pelo seu trabalho notável, incansável, para a preservação da sanidade na memória da Franca, à beira da demência.

  7. O descaso é gigantesco não só da prefeitura como também dos proprietários de várias casas, prédios de nossa cidade que foram demolidas e estão em situação precária. Lembro na minha adolescência de vários casos de demolição em nossa cidade durante a noite para não chamar a atenção da comunidade de Franca. Agora o caso do Clube do Bagres é de dar medo a gestão deste espaço. Antes da queda do telhado a quadra estava sendo alugada durante o dia e durante a noite o movimento no clube só tinha gente estranha no local, foi esse pessoal sair deste espaço no domingo, na segunda o telhado caiu.

  8. O prefeito atual, não gosta da cidade. Isto explica tudo. Não adianta discutir. Temos que prestar atenção, pois ele vai tentar a reeleição com um vereador de vice.

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