O bom, o mau e a 4×3
No último período, a discussão sobre a diminuição da carga horária de trabalho voltou a ganhar destaque, tanto nas redes sociais quanto em manifestações de rua espalhadas pelo Brasil. Essa demanda, tradicionalmente associada ao movimento operário internacional, agora surge de maneira nebulosa, sendo promovida por um movimento registrado na Junta Comercial e sustentada por duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) apoiadas pela direita tradicional no Congresso.
Os deputados federais Erika Hilton (PSOL-SP) e Mauricio Marcon (Podemos-RS) apresentaram PECs distintas que, embora apresentem nuances diferentes, têm em comum o potencial de impactar negativamente os direitos trabalhistas, representando interesses ocultos do grande empresariado. A proposta de Marcon, apelidada pela direita de “PEC da Alforria”, ameaça conquistas históricas da classe trabalhadora brasileira, ao propor o fim da escala 6×1, em que o trabalhador atua seis dias seguidos com direito a um dia de descanso.
A PEC de Erika Hilton, por sua vez, propõe uma jornada de trabalho de 36 horas semanais, organizada em uma escala 4×3 (quatro dias de trabalho seguidos por três de folga), sem redução de salário. Essa proposta já obteve as 171 assinaturas mínimas necessárias para tramitação na Câmara dos Deputados, alcançando 194 adesões no sistema interno até a manhã de quarta-feira, 13.
Entre os signatários, há representantes de partidos como PSDB, Podemos, Republicanos, MDB, Cidadania, União Brasil, PP, PL e outros, indicando um amplo apoio da direira. Já o texto de Marcon promove alterações substanciais na Constituição Federal, especificamente no inciso XIII do artigo 7º, além de incluir novos parágrafos. A proposta flexibiliza a jornada de trabalho e permite acordos individuais entre empregador e empregado, priorizando contratos individuais em detrimento de negociações coletivas.
Entre os pontos mais controversos, a PEC de Marcon estabelece que a redução da jornada será proporcional ao salário mínimo ou ao piso da categoria, afetando direitos como férias, décimo terceiro e FGTS, calculados com base na carga horária efetiva. O texto também permite jornadas flexíveis mediante contrato individual, respeitando o limite de 44 horas semanais.
“Art. 7º(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo, convenção coletiva de trabalho ou livre pactuação contratual direta entre empregado e empregador, inclusive por hora trabalhada, prevalecendo o disposto em contrato individual de trabalho sobre os instrumentos de negociação coletiva;”
A proposta introduz ainda os seguintes parágrafos:
“§ 2º Na hipótese de redução da jornada de trabalho prevista no inciso XIII deste art. 7º, o valor mínimo da hora trabalhada será proporcional ao salário mínimo nacional ou ao piso da categoria, calculado com base na jornada máxima de quarenta e quatro horas semanais, observada a mesma proporcionalidade no cálculo dos demais direitos trabalhistas, incluindo férias, décimo terceiro salário, FGTS e outros benefícios legais, de acordo a carga horária efetivamente trabalhada.
3º Mediante previsão em contrato individual de trabalho, a jornada de trabalho poderá ser flexível, respeitada a jornada semanal máxima de quarenta e quatro horas e observado o disposto no parágrafo anterior.”
A proposta, dentre outros, procura introduzir também os seguintes parágrafos à Constituição Federal:
“§ 2º Na hipótese de redução da jornada de trabalho prevista no inciso XIII deste art. 7º, o valor mínimo da hora trabalhada será proporcional ao salário mínimo nacional ou ao piso da categoria, calculado com base na jornada máxima de quarenta e quatro horas semanais, observada a mesma proporcionalidade no cálculo dos demais direitos trabalhistas, incluindo férias, décimo terceiro salário, FGTS e outros benefícios legais, de acordo a carga horária efetivamente trabalhada.”
A justificativa apresentada por Marcon é a de “modernizar” as relações trabalhistas, inspirado pelo modelo norte-americano. No entanto, a proposta revela um claro movimento para reduzir custos às custas dos trabalhadores. Ao vincular direitos básicos à carga horária efetivamente trabalhada, a medida abre margem para exploração e desvalorização do trabalho.
Apesar das diferenças aparentes, as PECs de Hilton e Marcon convergem ao atender interesses do empresariado, ainda que por caminhos distintos. O apoio de setores reacionários, incluindo bolsonaristas, à proposta de Erika Hilton evidencia que ambas as iniciativas podem complementar-se ao fragilizar a organização trabalhista e aprofundar a precarização do trabalho.
Esse cenário reflete a crise estrutural do capitalismo contemporâneo, marcada por flutuações na demanda por mercadorias e serviços. Essa irregularidade força as empresas a buscarem maior flexibilidade na alocação de mão de obra, reduzindo custos e maximizando lucros. Sob o modelo 4×3, é previsível que os salários diminuam e que as horas extras, impostas conforme a necessidade dos empregadores, substituam a renda perdida, enquanto o número de postos de trabalho encolhe.
Curiosamente, a proposta de Hilton conta não apenas com o apoio de políticos bolsonaristas e de parlamentares de partidos como MDB, PSD, PP e Republicanos, destacando a ausência de oposição real por parte da direita. Paralelamente, o projeto privado “Vida Além do Trabalho” (VAT), amplamente promovido por empresas e associações patronais, reforça essa agenda de flexibilização das relações trabalhistas, mascarada como liberdade de escolha.
O VAT, inspirado na organização 4dayweek Global, de origem norte-americana, prega a semana 4×3 como uma proposta de redução da jornada, mas, na prática, promove maior flexibilização e precarização. Rick Azevedo, vereador pelo PSOL e fundador do VAT, foi elogiado por veículos da grande mídia empresarial, como a revista Exame, pela Época Negócios, pela Folha de S.Paulo e teve destaque na Globo News. A imprensa capitalista estaria, finalmente, a favor dos trabalhadores? Com certeza não. Além disso, seu movimento enfrenta críticas por sua estrutura centralizadora e práticas autoritárias.
A privatização do VAT por Rick Azevedo (admitido pelo próprio, que registrou em seu nome o movimento), bem como sua condução autoritária, levanta questionamentos sobre as verdadeiras intenções por trás da iniciativa. Ele já impediu partidos e sindicatos de se associarem à mobilização e segue uma lógica semelhante à dos movimentos que desencadearam os protestos de 2013 e o impeachment de 2016.
O dono do VAT, por exemplo, teve um entrevero com a Organização Comunista Internacionalista (OCI), que acriticamente decidiu aderir ao movimento e recolher assinaturas. Os militantes da OCI, porém, cometeram o erro de defender a eleição de uma coordenação nacional para o movimento.
A OCI, então, recebeu uma notificação extrajudicial de Rick, que registrou o VAT na justiça e se declarou dono do movimento — uma prática totalmente alheia ao movimento operário. E, dessa forma, impediu a OCI de utilizar o lema do movimento. O movimento se apresenta, claramente, como um movimento da esquerda golpista, como aquela que em 2013 foi às ruas contra Dilma, em 2014 lutou contra a Copa do Mundo e em 2016 se pôs em favor do impeachment. Contra, inclusive, o governo do PT. O próprio Rick foi às redes sociais denunciar que o PT seria um partido “neoliberal” e atacou os deputados petistas.
A adesão de setores da direita às propostas de redução da jornada, contraditoriamente, contrasta com seu histórico de combate a direitos trabalhistas, como o Bolsa Família, a aposentadoria e o direito à greve. Esse apoio reforça que tais propostas não visam beneficiar os trabalhadores, mas sim enfraquecer sua organização e ampliar a exploração.
A resposta a essa ofensiva deve ser uma ampla mobilização em defesa de uma verdadeira redução da jornada de trabalho: 35 horas semanais, com no máximo sete horas por dia, fim de semana livre e sem redução salarial. Partidos de esquerda, sindicatos e a CUT têm o dever de liderar essa luta, priorizando os interesses dos trabalhadores e denunciando os ataques disfarçados de modernização.