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Ciscando Aventuras

FILME: Gandhi

(filme indo-britânico-estadounidense, diretor Richard Attenborough, 1982, 191 minutos)

Drama, ficção histórica-biográfico, roteiro de John Briley, baseado na vida de Mohandas Karamchand Gandhi,  líder do movimento de independência da Índia. Destaque total para a interpretação inesquecível de Gandhi pelo ator Ben Kingsley. Embora praticante Hindu, Gandhi abraçou o cristianismo e o islamismo.  O enredo aborda a vida de Gandhi a partir de 1893, quando ele é jogado de um trem na África do Sul por estar num compartimento só para brancos, e termina com seu assassinato, em 1948.

POR QUE GOSTEI:  Este é um filme que assisto quase todos os anos. Sempre me impressiona a disciplina que emana da figura de Gandhi. Disciplina amorosa: não aquela militar, rígida. A disciplina amorosa demanda espiritualidade.  Nascido no século XIX, Gandhi marcou o século XX com a política de não-violência, em um século com tantas guerras aterradoramente destrutivas, não só de milhões de homens, mas de mentalidades, de princípios até então considerados universais. Einstein, que conheceu Gandhi, chegou a dizer que, no futuro, poderiam duvidar que existisse um homem como ele, com suas ideias e sua capacidade de liderança.  Dito e feito, quase não se pode acreditar nas dietas disciplinares de Gandhi, com alimentos, sexo, até com a palavra. Fazia dietas de silêncio, deixando os políticos ao seu redor em desespero por necessitar de decisões de Gandhi, que se recusava a falar, no dia devotado ao silêncio. Todas as vezes que assisto ao filme é o que mais me impressiona. Como renunciar à palavra, quando ela se faz mais necessária e urgente? Sexo e alimentos são impulsos vitais e básicos para a sobrevivência.  A palavra é básica para o saber viver, saber conviver. A palavra é o que mais precisamos desenvolver para acessar a expansão da alma, para alcançar complexidades – nuances de sentimentos, refinamento de percepções, descobertas de novas dimensões de ser, novos mundos.  Esta dieta do silêncio hei de praticar…sabedoria é o que mais precisamos acessar nos dias de hoje. Transformações, é o que exala das ideias de Gandhi, como na frase: “ controlar minha ira e torná-la em um calor que é convertido em energia”. 

LIVRO: Relato de um certo oriente

(Milton Hatoum, Companhia das Letras, 1989 – 166 páginas).

Milton Hatoum é filho de um libanês com uma brasileira do Amazonas. Ganhou três Jabutis, o prêmio maior nacional. Dois Irmãos (2000), teve série na TV, e edição em quadrinhos. Cinzas do Norte, contos (2005),  vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. Seus livros já venderam mais de 400 mil exemplares no Brasil, traduzidos em dezessete países.

Ambientado entre o Oriente e o Amazonas, este romance trata da busca de um mundo perdido, que se reconstrói nas falas alternadas das personagens, ecos longínquos da tradição oral dos narradores orientais. Recebeu o Jabuti em 1990.

” Este é o relato da volta de uma mulher, após longos anos de ausência, à cidade de sua infância, Manaus, num diálogo com o irmão distante. História de um regresso à vida em família e ao mais íntimo, complexa viagem da memória a uma ilha do passado. O Destino do indivíduo se enlaça ao do grupo familiar na busca de si mesmo e do outro. (…) : a arte de reconstruir, no lugar das lembranças e vãos do esquecimento, a casa que se foi. Uma casa, um mundo.  único, exótico e enigmático em sua estranha poesia, mas capaz de se impor ao leitor com alto poder de convicção. (…): uma família de imigrantes libaneses, há muito ali radicada, vive seu drama de paixões contraditórias(…)  A narração remonta ao passado por lances retrospectivos, pela voz da narradora em que se encaixam outras vozes num coral coeso, lembrando a tradição oral dos narradores orientais : caixa de surpresas, de que saltam as múltiplas faces das personagens. Nela se guardam as hesitações e lacunas da memória, o que não se alcança do passado – modo obliquo de se deparar com os limites do conhecimento do outro e de si mesmo, enigma último do ser. Reino de figuras fugazes, é este o relato de uma volta à casa já desfeita, reconstruída pelo esforço ascético de um observador de olhar penetrante, mas pudoroso, que recorda e imagina. (…) o romance é ainda uma vez aqui a aventura do conhecimento que empreende o espírito quando se acabam os caminhos. E aí que começam as viagens da memória.”, assim observa nosso grande escritor e crítico literário Davi Arrigucci Jr. sobre esta obra-prima de Hatoum.

Li, pela primeira vez, e fiquei perdida, em meio às memórias e relatos, confundida pelas diferentes vozes dos personagens. Terminei a primeira leitura, enlevada pelo lirismo, pela poesia exalada nas frases do autor, e senti necessidade imediata de reler. O que fiz, recompensada releitura. Ao compartilhar aqui a emoção da experiência, me quedo querendo relê-lo.  Enorme Brasil! Importante acompanhar a colônia árabe alojada no Norte do Brasil, que ainda não conheço, embora já tenha viajado ao exterior (que contradição). Casada com um descendente libanês, sou grata aos imigrantes que formaram esta nossa multiversa cultura brasileira.

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicanalista pela Sociedade de Psicanálise de São Paulo e mediadora de leituras, participante do projeto Rodalivro, membro da Academia Francana de Letras. Correspondente da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

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