Ciscando Aventuras
FILME: Chaplin
(filme franco-ítalo-nipo-britano-estadunidense, 1992, drama biográfico, direção: Richard Attenborough, 144 minutos).
Com roteiro de William Boyd, Bryan Forbes, William Goldman e Diana Hawkins baseado na autobiografia de Charles Chaplin e no livro Chaplin: His Life and Art, de David Robinson. Recriação da vida do gênio cômico Charlie Chaplin, a partir de suas origens humildes no sul de Londres até seus primeiros dias no teatro de variedades britânico, sua carreira no cinema mudo nos Estados Unidos e suas últimas obras. Sua vida pessoal foi bem turbulenta, incluindo quatro casamentos e um exílio forçado nos EUA, embora tenha retornado para receber um Oscar honorário em 1972. Interpretado brilhantemente por Robert Downey Jr., Oscar 1993. Grande elenco o acompanha. Oscar 93 também para Melhor direção de arte, e Melhor trilha sonora.
POR QUE GOSTEI: obviamente pela justa homenagem e resgate de uma era – a do cinema mudo – onde Chaplin reinou. Sua coragem de criar um Hitler, em plena Guerra e sua forma de convidar a rir da miséria humana, é genial: faz pensar, tanto quanto dizer dramaticamente, em tom “sério”. Bom lembrar que crianças brincam “a sério” e apreendem o mundo, elaborando o que observam e sentem a partir de seus brinquedos. Uma cena de Hitler brincando com uma bola representando todo o planeta, é antológica na arte cinematográfica. Mostra este infantil mortífero, de um ser autocrático, narcísico, que vê o mundo a partir de seu umbigo e aspira dominar tudo e todos – Freud analisou este tipo de líder, em A Psicologia das massas e análise do Eu, 1921, bem antes da existência e ascensão misteriosamente massacrante de Hitler.
Daí que é importante lembrar a pais e educadores o valor das suas brincadeiras. E também que piadas, chistes, são valores culturais que enraízam preconceitos, racismos, e podem, malevolamente, distorcer mentes e corações. Chaplin, com seu humor pôde trazer valores humanos imprescindíveis, como a solidariedade aos menos favorecidos, com a criação deste “vagabundo” tão amoroso e de índole aberta como uma criança a descobrir o mundo…
LIVRO: CORDA BAMBA
(Lygia Bojunga Nunes, 1981, 148 páginas).
Celebrando 91 anos, Lygia já publicou 23 livros. Corda Bamba é um sopro de coragem que nos leva ao encontro de forças adormecidas. E com cuidado, bem ao seu estilo, Lygia “estica a corda” e nos faz transpor a ponte que liga duas extremidades: realidade e fantasia. A narrativa inicia-se com Maria, uma menina de dez anos, que perde os pais (Márcia e Marcelo) em uma tragédia no circo em que trabalhavam. Ficou então aos cuidados de Mulher Barbuda e Foguinho, que eram seus melhores amigos. Corda Bamba é um sopro de coragem que nos leva ao encontro de forças adormecidas. Trabalhando na linha psicológica, com muita sensibilidade e respeito ao ser humano, enfoca a morte e seus estigmas. Conduz com maestria e um humor singular o aprendizado de viver com a perda. Ilumina a obscuridade ao levantar questões que passam despercebidas no cotidiano. Cria diálogos ricos entre o inconsciente e a realidade, e nos leva à compreensão de que podemos caminhar sozinhos e sermos bem sucedidos, mesmo que andemos na corda bamba.
Lygia Bojunga Nunes tem recebido reiterados elogios da crítica especializada, quer brasileira, quer estrangeira. No cenário brasileiro, com frequência tem sido reportada como a herdeira ou sucessora de Monteiro Lobato, por estabelecer um espaço em que a criança tem — através da liberdade da imaginação — uma chave para a resolução de conflitos, o que Monteiro Lobato fez com maestria, marcando leitores de várias gerações. Algumas vezes, no cenário internacional, costuma-se compará-la a Saint-Exupéry e a Maurice Druon. Misturando com habilidade o real e a fantasia, Lygia alcança, num estilo fluente, entre o coloquial e o monólogo interior, perfeita comunicação com seu leitor. Consciente de que literatura é comunicação, a autora não recusa tratar de temas considerados problemáticos, como suicídio, em 7 Cartas e 2 Sonhos (1983) e O Meu Amigo Pintor (1987); assassinato, em Nós Três (1987) e abandono dos filhos pela mãe, no conto “Tchau”, no volume de mesmo nome (1984).
O livro Um Encontro com Lygia Bojunga Nunes (1988), reuniu textos sobre sua relação com a literatura, apresentando, de forma dramatizada, o resultado de seu trabalho. Esse é também o início de uma reflexão metaliterária, que se estende por Paisagem e Fazendo Ana Paz, ambos de 1992, onde refletiu sobre o que é fazer literatura, fazendo literatura, linha que tem em Feito à Mão (1996), uma realização radical, pois o livro foi feito com papel reciclado e fotocopiado — uma alternativa à produção industrial.
Com Seis vezes Lucas e O Abraço(fala sobre abuso sexual), também de 1996, retoma tema instigante deste final de século: uma literatura dirigida a qualquer leitor. Consagrada pela qualidade de sua obra e caracterização da problemática da criança, acuada dentro do núcleo familiar. Publicada em alemão, francês, espanhol, sueco, norueguês, islandês, holandês, dinamarquês, japonês, catalão, húngaro, búlgaro e finlandês.
Seus livros têm sido altamente recomendados pela crítica europeia e estão sendo radiofonizados em vários países, sendo que Corda bamba foi filmado na Suécia. Casada com um inglês, vive parte de seu tempo em Londres e parte no Rio de Janeiro. A autora publicou em 1982 “7 cartas e 2 sonhos” pela editora Berlendis & Vertecchia, e em 1987 republicou-a pela editora Agir com o título “Meu Amigo Pintor”, e mais tarde a obra foi adaptada para o teatro.
Em 2023, a obra Meu Amigo Pintor, que já foi adaptada para o teatro, foi adotada pelo Vestibular da UERJ como leitura obrigatória em seu processo seletivo para 2024 no 1º exame de qualificação.
1973 – Prêmio Jabuti, com Os colegas. Em 1982 – Prêmio Hans Christian Andersen, pela obra (O Nobel da Literatura infanto-juvenil), em 2004 – Prêmio Memorial Astrid Lindgren (prêmio suíço para promoção da literatura infanto-juvenil).
POR QUE GOSTEI: em meus tempos de alfabetizadora, fim dos anos 70, era minha autora preferida para ler, em roda, para meus aluninhos, temas que sugeriam conflitos das crianças de toda ordem. E conflitos “cabeludos”, destes que adultos não têm coragem sequer de pensar sobre: suicídio, abuso sexual, luto, bullying, etc. e muitos outros! Esta Lygia Bojunga é “fera” – fazendo literatura há 50 anos, tem respeito profundo pela inteligência e sensibilidade infanto-juvenil. De tal ordem de excelência que sua literatura não serve a crianças e adolescentes tão somente – ela inspira adultos tanto quanto. Recomendo fortemente para quem não a conhece. Principalmente a educadores perdidos neste mundo de barbárie que vivemos e que sabem a importância de apresentar o mundo aos seus pequenos alunos de forma respeitosa e com valores consistentes que possam ajudá-los no convívio social, junto à família, e na escola, primeiro círculo vital para a construção de uma sociedade. Leiam muito Lygia Bojunga – garanto que não se arrependerão. É literatura que fala com a eternidade.