Filme – Gritos e sussurros
(sueco, direção de Ingmar Bergman, 1972, 91 minutos).
Um drama escrito e dirigido por Ingmar Bergman, e com direção de fotografia de Sven Nykvist. Diferente da maioria dos filmes de Bergman, Gritos e Sussurros utiliza muitas cores saturadas, principalmente o vermelho. É uma cor que sugere sangue e paixão. São três irmãs reunidas para a despedida de uma delas, Agnes, que lentamente morre de câncer. Suas irmãs estão profundamente imersas em suas próprias dores psíquicas e não podem oferecer-lhe o apoio de que ela precisa. Maria está devastada com a culpa do suicídio do marido, causada pela descoberta de seu caso extraconjugal. A autodestrutiva e suicida Karin vê sua irmã doente com repulsa. Apenas Anna, a empregada profundamente religiosa que perdeu o filho jovem, parece ser capaz de oferecer a Agnes consolo e empatia.
POR QUE GOSTEI: Bergman, genial. Tenho guardadas duas imagens do filme. Uma que me assustou, da irmã autodestrutiva, Karin, fiquei impactada (vi o filme muito jovenzinha, no Cine Odeon, extinto!) e associei a música com uma cena violenta, protagonizada por ela. Fiquei impedida de ouvir Chopin um bom tempo, até que consegui dissociar a música da cena. Cinema tem este poder de associar música à imagem. Poderosa associação. A outra cena, belíssima, é de Anna, a empregada, aconchegando a irmã Agnes ao seio desnudo, na cena da morte, na mesma posição de Pietà, de Michelangelo. Imagens que mostram como Bergman transita entre o terror e o sublime da condição humana. Os seus filmes são densos, existenciais, e exigem muito do espectador, mas valem pela possibilidade de adentrar em sentimentos que sabemos que, ou um dia seremos nós a estar naquela posição do personagem, ou pode nos dispor a sentir e pensar em pessoas próximas (ou distantes) e nos capacitar para a solidariedade, empatia e compaixão. Sentimentos valiosos para os dias de hoje.
LIVRO: Água Fresca para as flores
(Valérie Perrin, ed. Intrinseca, 2021, 479 páginas).
Um dos maiores fenômenos editoriais da Europa dos últimos anos, Água fresca para as flores traz uma sensível história de amor no peculiar cenário de um cemitério. Os dias da protagonista – Violette Toussaint – são marcados por confidências.
Violette Touissant mora em um cemitério. Ela é a zeladora, responsável por cuidar das lápides, por vender flores a quem procura. Ela abriu espaço e tempo para oferecer sua casa para aqueles que querem conversar, confidenciar coisas ou simplesmente sofrer pela perda. Registra com carinho e cuidado cada funeral que ela testemunha, anotando data e familiares presentes.
POR QUE GOSTEI: Descobri, com o livro, que existe alguém que zela pelo cemitério. Esta zeladora do cemitério – protagonista – Violette, é um personagem e tanto. Não imaginei que alguém pudesse morar dentro de um cemitério, lugar de mortes, e ter uma vida ali. Fiquei até curiosa para visitar cemitérios e conhecer seus zeladores. Valérie Perrin, com esta personagem, desdobra a vida de uma órfã, que se descobre muito viva, ao lado de muitos que sofrem perdas, como ela sofreu. A maneira como a autora desdobra sua vida cria suspense, cativa. Narra em flashbacks que vão se entremeando com o presente, tornando viva a movimentação das emoções vividas. O leitor se perde e se acha entre mortos e vivos, alguns vivíssimos. E outros mortíssimos. É uma história contada de forma encantadora. Apesar do número de páginas é daqueles livros que é possível ler em um dia – um domingão. Com muitos encontros e desencontros, lutos, e esperanças de nova vida. O final, onírico, emociona…
