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A Simplificação Tributária e a desigualdade social brasileira

Por Tito Flávio Bellini, doutor em História e professor do departamento de História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro

A Simplificação Tributária foi aprovada na noite do dia 06 de julho.  Destaques ainda estão sendo debatidos e o projeto certamente será ainda alterado no Senado.  Ao lado do chamado “calabouço fiscal”, foram duas grandes vitórias do governo.  Os governistas comemoram a aprovação em larga vantagem, inclusive destacando o fato de não terem aumentado a carga tributária brasileira, repetindo algo que virou um mantra, mas corresponde sobretudo à visão das classes econômicas privilegiadas do capitalismo brasileiro.

O sistema tributário brasileiro é considerado um dos mais injustos do mundo, justamente pelas suas características centrais, que são a tributação concentrada sobre o consumo, o que pesa muito mais sobre a classe trabalhadora e a classe média, com impostos cobrado sobre impostos em efeito cascata (cumulatividade), além da possibilidade da chamada “guerra fiscal” entre estados por conta da diversidade de modelos nos estados nas alíquotas de ICMS e suas isenções.  Temos ainda as graves isenções e não tributações sobre agronegócio (tanto na exportação quanto sobre a propriedade rural, que praticamente inexiste), quanto isenções sobre lucros e dividendos que não incidem sobre grandes proprietários, mas os trabalhadores pagam quando tem participação nos lucros.  No Imposto de Renda, como a alíquota máxima é de 27,5%, os ricos e hiper ricos pagam menos impostos que os trabalhadores, o que é chamado de caráter “regressivo”, ou seja, quem tem mais, paga proporcionalmente menos impostos, quando paga.

Vamos ao projeto.  Trata-se da PEC 45 da Câmara dos Deputados, de autoria de Baleia Rossi, protocolada em 2019, com elementos da PEC 110 do Senado, de autoria de Davi Alcolumbre, também em 2019.

Basicamente, durante toda a tramitação, o foco do projeto, em suas 92 páginas, foi a tributação sobre o consumo (89 páginas basicamente) com menções quase erradicas à tributação sobre propriedade e lucros e dividendos. Na prática, a PEC extingue 5 impostos: ICMS (estadual), ISS (municipal), IPI (federal), PIS/PASEP (federal) e COFINS (federal).  Em seu lugar será criado o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços (gerido por um conselho com representantes de estados e municípios) e a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços, de responsabilidade federal. Haverá uma alíquota única, com exceções sobre determinados produtos e serviços, e com possibilidade de devolução de impostos para famílias de baixa renda. 

Também foi aprovado o chamado Imposto Seletivo, sobre bens nocivos à saúde, com um parêntese, o agronegócio conseguiu enfiar isenção de agrotóxicos colocados como insumos agropecuários.  A transição completa do sistema tributário levará 8 anos, com as compensações decorrentes da mudança findando apenas em 52 anos!

No tocante à propriedade, poucas alterações, como no IPVA, que passará a ser cobrado sobre veículos náuticos e aéreos e possibilidade de revisão de valor de IPTU a cada 4 anos, por decretos municipais. 

A Reforma Tributária é um tema recorrente na história brasileira e, após o fim da ditadura militar, nenhuma foi aprovada.  Tivemos no início dos anos 90, sob a égide da abertura econômica e da chegada do neoliberalismo no brasil, dois momentos importantes: a Lei Kandir, que acabou com a tributação de exportação de commodities e a posterior isenção de Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos, já sob o governo FHC.  Duas mudanças que, obviamente, só favoreceram a acumulação de lucro e propriedades ainda mais nas mãos dos setores econômicos privilegiados do nosso país.

Essa Reforma, ou melhor, a Simplificação Tributária, ajudará a corrigir injustiças econômicas e sociais no Brasil?  A resposta, definitivamente, é negativa.  Segundo dados compilados pelo professor Evilásio Salvador no seu estudo Perfil da Desigualdade e Injustiça Tributária, o IR no Brasil representa cerca de 10% do PIB e apenas 5% da carga tributária nacional.  Desse, a renda de salários tem taxas variando entre 7,5% e 27,5%, a renda fundiária, 0,03% a 20% e a renda sobre aplicações financeiras, de 0,01% a 22,5%.  Vemos portanto que novamente quem mais paga imposto de renda, é a classe média e a classe trabalhadora.

Outros dados alarmantes: as pessoas com de renda acima de 40 salários mínimos representam apenas 2,7% das declarações, mas abocanham 30% do rendimento nacional.  Dos 5,8 trilhões de reais declarados ao FISCO em 2013, 41,50% eram propriedade de apenas 726 mil pessoas no país. Apurando ainda mais esses dados, chega-se ao absurdo de que 0,36% da população brasileira concentra 45,50% do PIB nacional. 

Quando se fala de hiper ricos (acima de 160 salários mínimos), temos o número de 72 mil pessoas, sendo que 66% de seus rendimentos são ISENTOS OU NÃO TRIBUTÁVEIS de pagamento de impostos, o que é uma aberração no sistema tributário nacional. Dos 623 bilhões de reais declarados, mas isentos de impostos em 2013, 288 bilhões eram de lucros de acionistas, que pagam taxa zero ao tesouro nacional.

Já a classe trabalhadora, com renda de até 3 salários mínimos, tiveram 90% de seus rendimentos oriundos de fontes tributáveis.  Ou seja, a classe trabalhadora, além dos impostos sobre consumo, paga imposto de renda sobre 90% de seus rendimentos.  Já os hiper-ricos pagam imposto de renda em cerca de 35% de sua renda.  Quem considera esse um sistema justo, precisa rever seus parâmetros éticos e morais.  Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2009, cerca de 10% das famílias brasileiras mais pobres gastavam 32% de sua renda em impostos, enquanto nos 10% das famílias mais ricas esse valor era de 21% da renda.

Em 2009, enquanto a tributação sobre consumo representava cerca de 56% e a tributação sobre renda, 11%, a tributação sobre propriedade representava míseros 1,30% do PIB.  E sobre os grandes latifúndios e concentração e terras, o Imposto Territorial Rural pago em todo o país equivale a risíveis 0,01% do PIB brasileiro.  Esse é nosso agro…

Isso tudo continuará em nosso país, pois a simplificação tributária aprovada não tocou no central: nas propriedades, lucros e dividendos.  Desse modo, a perfumaria aprovada nessa PEC e que poderá ajudar a classe trabalhadora representa migalhas e muitos elementos dependerão ainda de regulamentação em leis específicas.  Continuaremos com um sistema tributário dos mais injustos do mundo, que favorece quem concentra renda, propriedades e lucros e sobrecarrega o trabalho e a classe que vive dele.  Continuaremos sendo um dos países mais desiguais do mundo.

Essa pauta, tida como uma vitória de setores progressistas, não deveria ser a prioridade, que continua sendo a revogação da Reforma Escravagista de Temer e a Reforma que sepultou o futuro da juventude, na previdência social, com o fascista inelegível.

O argumento da falta de correlação de forças no congresso seguirá sendo o mantra para não pautar, organizar e mobilizar a classe trabalhadora.  E pela experiência dos primeiros governos petistas, que tinham conjuntura favorável e não adotaram essas medidas, não criemos expectativas demasiadas.  O fascismo derrotado, segue vivo e, enquanto a hegemonia dentro do petismo responsabilizar indivíduos pelo panorama do congresso, apostando suas fichas na velha política de governabilidade, mas nada fazer de efetivo para melhorar a capacidade de organização e mobilização popular, a ultra-direita seguirá viva e ameaçadora. Só a luta muda a vida.  E só a organização popular poderá alterar em algum momento essa correlação de forças tão injusta em nosso país.  Até lá seguiremos nós, classe trabalhadora, carregando nas costas o agronegócio, o sistema financeiro e os grandes capitalistas e proprietários, que continuarão com seus lucros livres de impostos.  Aguardaremos ainda uma real Reforma Tributária, estrutural, que taxe fortunas, propriedades dos ricos e lucros e dividendos.  Algo pouco provável sob o capitalismo brasileiro.

Tito Flávio Bellini

É doutor em História, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e ex-candidato a Senador

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