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Janete Vaz e a alma feminina do Sabin Diagnóstico e Saúde

Foi Silvia Bittar, gestora do Sabin em Franca, que me recebeu antes de eu começar a entrevista com Janete Vaz, uma das fundadoras do Sabin Diagnóstico e Saúde. Enquanto me contava sobre uma das tradições do Sabin – pão de queijo e café fresquinho servidos para todos que passam por ali – Silvia fez um resumo de Janete o qual arrematou com: “Ela é uma pessoa maravilhosa! Você vai amar a entrevista!”.

Silvia não exagerou. Conheci Janete Vaz e duas horas depois de ótimo bate-papo, posso dizer que ela amealhou mais uma fã.

Saí da entrevista com aquela sensação boa de ter me enriquecido com a experiência e de que poderia contar para os leitores e leitoras um pouco da trajetória dessa mulher que, quase 40 anos atrás, fundou, com a sócia Sandra Costa, o que é hoje uma rede de laboratórios com 7 mil funcionários e 350 unidades espalhadas pelo País.  

De bônus, além de toda a conversa sobre empreendedorismo, Janete, que é uma das 40 empresárias que participaram da fundação do  Grupo Mulheres do Brasil, também abriu o coração. Ela falou dos filhos, dos netos, de amizade, e sobre seu segundo casamento; realizado quando ela já estava na casa dos 60 anos.

Acompanhe os principais trechos da entrevista e conheça um pouco sobre essa mulher, bioquímica de formação, que é, ao lado da sócia Sandra, a definição da alma feminina que o Sabin tem.

E, veja bem! Não se atreva a definir esse perfil da empresa como “maternal”… Erro no qual essa jornalista incorreu e foi rapidamente corrigida por Janete: “Espírito maternal, não. Porque o maternal, às vezes, tem um olhar protetor. E a gente não tem esse olhar protetor. Porque nós queremos produtividade, assertividade, comprometimento. Não existe protecionismo. Pelo contrário. A gente trabalha duro para que as pessoas possam entregar qualidade”.


A avó e a mãe

“Tem coisas que a gente não muda. São da nossa essência, da nossa criação e até da nossa genética.Nesse sentido, minha vó foi muito importante pra mim. Ela vendeu Avon até os 80 anos de idade. Ela casou com 15 e aos 19 ficou viúva, quando já era mãe de dois filhos e estava grávida do terceiro. E ela deu conta, com muita honradez, com muita disciplina de tudo que lhe foi exigido. Eu aprendi demais com ela. E gosto de contar que aprendi a dar presente para todos os familiares, com uma forma de valorizar o dia do nascimento de cada um; e o ‘comprar e vender’. Ela ficou rica, casou de novo, o segundo marido acabou com tudo e ela se virou. Mas ele foi o grande companheiro dela. Ela vendia Avon e ele entregava” (risos)

O pai

“Meu pai se casou aos 18 anos com minha mãe. Eu nasci no aniversário de 23 anos dele e já era a terceira filha. E ele construiu tudo. Ele infartou aos 50 anos e faleceu aos 63, mas ele ensinou princípios e valores muito importantes para todos que circulavam ao redor dele. Tem até uma curiosidade, que três gerentes de banco que seguraram o caixão dele falaram que papai que tinha ensinado os fundamentos da Zélia Cardoso pra eles. E meu pai tinha o segundo ano primário! Ele primava pela honestidade e falava sempre que sua palavra vale mais do que a sua assinatura e, também, que quem não sabe administrar o pouco jamais vai saber administrar o muito. Isso tudo vai formando a gente. Ele, por exemplo, pagava todos os funcionários no último dia do mês e diz ‘ele trabalhou mês inteiro, tem que receber. Não importava o dia da semana que caísse. E até hoje o Sabin também faz dessa forma, por causa deste princípio”.

A mãe

“Falo sempre que o Instituto Sabin tem o DNA da minha mãe. Minha mãe era aquela que cuidava de todo mundo. Minha avó faleceu em seu oitavo parto e minha mãe era a filha mais velha. Então, ela cuidou de todos os irmãos. Então era cuidadora, ela era vista como essa mulher que abraçava todo mundo. E cuidava não só dos irmãos, cuidava dos vizinhos, cuidava de quem precisava. E o Instituto faz muito hoje. A mãe da Sandra (a sócia), era costureira, se transformou numa grande designer, passou a fazer vestidos de noiva e ser reconhecida na região. Então, a gente tem esse jeito, esse zelo com as pessoas”.

O começo

Os 15 primeiros anos foram de formação mesmo, de crescimento, de muita luta e de muita dificuldade. E eu falo que nunca percebi que a mulher tinha dificuldade. Eu nunca percebi que existiam essas dificuldades, por conta dessa minha origem; da história da minha vó, da minha mãe, das minhas tias e primas… todas essas mulheres que se formaram, trabalharam, foram mantenedoras…Então eu trouxe tudo isso comigo e não percebia que existia essa dificuldade. Por isso que hoje eu carrego essa bandeira. Hoje eu vejo que a gente precisa inspirar outras mulheres, assim como eu fui inspirada por mulheres que me fortaleceram.

Trajetória

“Tem 18 anos que nós estamos entre as 10 melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Não quero o primeiro lugar; eu falo que o primeiro lugar só anda pra trás (risos). Mas o compromisso é de ficar entre os 10 porque você garante que aquela metodologia vai influenciar outras pessoas e fazer com que os colaboradores, os líderes busquem sempre melhoria.  

Os 4 valores do sucesso

“Aprendemos que os 4 valores que determinam o sucesso de uma empresa são: o Valor Familiar, o Valor Cultural, o Valor Empresarial e o Valor Espiritual. O Valor Empresarial é compartilhar, distribuir, pular o muro da empresa e disseminar o aprendizado que tivemos. Vejo isso muito forte no Sabin. O Valor Cultural é muito visível dentro da empresa. Todo colaborador chega e entende qual é o valor dessa empresa, qual é a cultura, que é no acreditamos, como nós tomamos as nossas decisões no dia a dia. O que um líder precisa saber para ser líder, então isso tudo é muito claro para todos. O Valor Familiar é tudo isso que falei do aprendizado com os pais, a influência que eles foram. E os Valores Espirituais é falar de Deus com muita naturalidade. Não perguntamos sobre religião, mas somos cristãos, com os valores de gratidão, de servir, entendendo muito bem o seu papel. Ter amor, que falo que é a base de todos de todos os outros valores”.

Reclamação de cliente

“Gestão de pessoas pra gente é um processo fantástico. E ele vem desse nosso processo de construir junto uma empresa cada vez melhor. É todo o tempo dar feedback, ensinar a valorizar o feedback. Quando um cliente faz uma reclamação de um funcionário hoje em dia ele acha que  vai prejudicar aquele funcionário, mas a melhor coisa que existe é o feedback. O cliente nos dá a chance de corrigir uma parte do processo que pode não estar boa. O cliente é nosso maior auditor e a opinião dele nos ajuda, por exemplo, a reforçar um treinamento ou fazer algo diferente para melhoras.

Wilson Cunha Júnior, gestor médico do Sabin de Franca; Janete Vaz; Joelma Ospedal e Silvia Bittar

É mais fácil hoje

“Quando me perguntam como eu aguento, como eu dou conta. E eu respondo, não sei como eu dei conta lá atrás (risos). É muito mais fácil hoje do que era antigamente. Mas tem um segredo, sim, pra lidar com tudo isso: processo e treinamento. Se não tiver processo, como as pessoas vão saber como agir? Pensando nisso, trouxemos sempre muitas ferramentas para alinhar nossas práticas com as melhores práticas do mundo. Então, são dezenas e dezenas de auditorias na busca imparável pela qualidade. E o treinamento vem desde o começo e é padronizado. Então, você abre a tela do computador e fala do treinamento de uma recepcionista que está no primeiro dia, no segundo dia, e como é que ela vai fazer, quantos dias ela vai ficar só atrás observando, que dia que ela vai sentar e fazer com a treinadora do lado, quando ela vai fazer sozinha, como é a avaliação dela de 45 dias, a de 90 dias… Somos rigorosos porque a retenção começa na contratação; ela começa no desenvolvimento. Se eu contratei errado eu vou ter esse processo errado multiplicado muitas vezes”.

Medo todo dia

“Medo a gente tem todos os dias. Mas eu sou daquelas assim: coragem é superior ao medo. É muito normal você ter medo. E faz parte. Medo e risco fazem parte do empreendedorismo. Você corre risco o tempo todo. E isso traz medo, mas se você ficar paralisado, não vai chegar a lugar nenhum. Afinal, você só tem resposta depois da atitude, depois do primeiro passo. Se você não der passos, não vai chegar a lugar nenhum. E as respostas estão lá na frente. Elas não estão aqui, enquanto estou no planejamento, estou só escrevendo, ou engavetando as coisas por medo”.

Mulher empreendedora

“O erro impede e mulher tem muito isso. Mulher quando faz o primeiro erro, ela chora; o segundo erro ela desespera e o terceiro ela fecha  empresa. Por que empresa de mulher fecha mais rápido do que empresa de homem? Pelo medo. E por que a mulher tem medo? Pelo desafio. Ela quer aprender primeiro, ela quer saber primeiro, tem medo de mudar. Mas a gente precisa fazer mudanças. Porque você melhora depois do erro. A cada erro você melhora dois passos. A gente ganha em cada correção de erro. Você aprende mais, você busca pessoa pra te complementar naquilo que você vê que é a sua deficiência. Você precisa ter humildade pra isso. Você não pode querer centralizar o seu conhecimento, você precisa entender que quanto mais você ensina, mais você aprende. Você não perde nada por isso”.

Ousadia

“Hoje o Sabin é exemplo pra muitas empresas. Por causa da nossa ousadia de ter coragem de ter feito isso, de avançar, de querer crescer. Nós nascemos num espaço de 90 metros quadrados e tinha que comportar tudo nesse espaço; o laboratório, a parte  técnica, operacional, o atendimento… e tínhamos três colaboradores. Um era uma faxineira que vinha aos sábados, ou seja, isso significa que quem literalmente limpava no dia a dia éramos nós. Hoje  nós estamos com 350 unidades no Brasil, em 78 cidades, com 7 mil colaboradores. Tudo isso mostra que vale a pena. O que não pode é ficar guardando, ficar com medo”.

Momento difícil

“No dia a dia de uma organização você tem todos os dias desafios que você precisa enfrentar e isso não vai mudar nunca. E isso é provocação para o seu crescimento. Mas eu diria que a situação mais difícil que eu achei que não ia dar conta foi fazer a governança e entregar o bastão. Não é fácil você entregar sua empresa nas mãos de terceiros para administrar. Eu construí essa empresa pensando nos meus filhos. Eu tive um casamento de 31 anos muito difícil e eu pensava na segurança que eles precisariam ter. Eu sabia que se eu faltasse, eles precisavam estar preparados para administrar aquilo ali. Estavam todos estudando se preparando, mas eu vivia aquilo ali. Eu chegava às seis e meia da manhã e parava à meia-noite e meia. Eu não tinha tempo pra mais nada. Em 30 anos de trabalho, se eu tiver almoçado em casa um ano, somando tudo, foi muito. Tirei duas semanas de férias ao longo desses 30 anos. Então a minha vida era isso. Então, o processo foi muito dolorido eu tinha muito medo eu tinha medo de qualquer pessoa que assumisse. Eu achava que era impossível outra pessoa fazer o que eu fazia. Aí o que eu falo é que a própria Bíblia diz que é importante que você se diminua pra que outros cresçam e foi o que aconteceu.

Facada

“A cada dois anos eu e Sandra trocamos presidência e vice-presidência. Quando fizemos o Conselho de Administração, fui eleita a primeira presidente. Então eu soube que não poderia  circular nos dos dois papéis, ou seja, era preciso escolher um novo executivo pra que eu fosse só conselheira. Aquilo foi uma facada. Na mesma hora fui às estrelas e voltei. Pedi seis meses para decidir e foram seis meses que não dormi. Isso foi em 2013.

Tínhamos 3 superintendentes e qual delas eu poderia escolher? Duas tinham certeza de que seriam as escolhidas e tinha a Lídia, espetacular como gestora da técnica. E eu acredito que quando o profissional conhece o negócio é muito mais fácil do que é um pessoa que conhece de gestão de negócios. Então, conhecer do negócio e ter o perfil da Lídia, que é sensata, muito equilibrada e acima de tudo, sabe ouvir muito, ela é uma ela pessoa que entende o valor de ouvir as pessoas. E ela participou de tudo quando passamos pelo processo de certificação da ISO, a Lídia participou de tudo. Além de ser uma pessoa muito preparada pra assumir tudo isso. E tudo se confirmou. A Lídia tem uma equipe espetacular. A Lídia é a melhor CEO do Brasil na área da Saúde. Ela é uma mulher que não mede esforços, tem reconhecimento de toda a equipe, da diretoria. Um trabalho magnífico”.

A carreira e os filhos

“Tenho 3 filhos, a Raquel, o Rafael e o Leandro. Quando tive meus filhos eu tinha medo por eles, porque eu não tinha tempo. Eu cuidava deles de manhã, deixava eles na escola e depois, às vezes, eu nem os via. Eu só ia perguntar se tinham feito o dever no dia seguinte, quando estava levando na escola. E eu tinha essa angústia, essa preocupação se eles iriam me cobrar essa ausência. Até o dia em que a Raquel me corrigiu. Em uma palestra ela falou ‘não era a ausência. Era a distância. Porque você estava distante, porém presente’. Porque eu passei pra eles todos os valores que recebi e fui formando esses meninos, mas era difícil. E eu me preocupava se essa situação iria comprometer a formação deles. Conversando com uma psicóloga, ela disse que não. Ela me disse que minha pouca presença iria impactar muito mais meus filhos do que muitas mães que abandonam emprego pra ficar com os filhos e acabam não dando pra eles qualidade de relacionamento. E o que eu dava pra eles era orgulho. Quando ela falou que eles iam ter orgulho de mim, foi nisso que me segurei e continuei fazendo. Mas é preciso eleger prioridades. Por exemplo, nunca faltei em um Dia das Mães. Quando eu tive minha neta, há seis anos, minha agenda era igual a de agora. Não tinha tempo pra nada. E no terceiro mês de gravidez ficamos sabendo que ela teria um problema cardíaco. Passei a acompanhar a Raquel nas consultas, o quadro parecia cada vez mais delicado. Depois do parto decidimos fazer um tratamento nos Estados Unidos. Eu cancelei tudo que tinha na minha agenda, pra ficar com ela. Porque eu não estava preocupada somente com minha neta. Eu estava preocupada com a minha filha. Porque eu precisava ser a mãe da minha filha…” (nesse momento, Janete se emociona e fica com a voz embargada).

Casamento depois dos 60

“É importante nós contarmos nossas histórias. Eu conto as histórias que conto, porque as mulheres que me ouvem, vivem o que vivo. Elas vivem separação, eu vivi. Elas vivem novo começo, como eu vivi. Porque eu conheci o Flávio aos 60 e a mesma coragem e ousadia que tive para começar o Sabin aos 29 anos, eu tive para conhecer o amor e a felicidade que eu não conhecia antes. Eu mostro pra elas que a gente precisa mudar a lente. E a ideia de contar também essa história do casamento começou aqui em Franca. Eu vim falar para 800 mulheres (Janete é palestrante) e quando chegou a minha vez de falar, a Luiza (Helena Trajano) me chamou e falou ‘A Janete vai contar pra vocês como é casar depois dos 60 anos’. Isso me pegou de surpresa, porque eu estava pronta pra falar de empreendedorismo (risos). E a Luiza começou a ‘vocês que estão frustradas, que acham que a vida acabou ou que querem achar um companheiro, a Janete vai contar o que ela teve que fazer, o que teve que mudar para se casar depois dos 60. Porque minha filha casou em 2015 e eu em 2016. Tudo que eu fiz pra minha filha, o mesmo enfeite, a mesma mesa, os mesmos fornecedores, o vestido Marta Medeiros… tudo que dei pra minha filha, dei pra mim, também. Foi um casamento grandioso. E a Luiza contou tudo isso antes de eu falar e foi um sucesso” (risos). Por isso que agora eu sempre levo essa história nas minhas palestras. Mostrar pras mulheres o que eu tive que transformar pra casar depois dos 60 anos. E eu conto que tive um casamento muito difícil e que encontrei a felicidade depois dos 60. Quando me separei, um dia uma prima minha, que é psicóloga, me disse num evento familiar: ‘Janete, a mulher que é separada tem que mudar sua vida, sua roupa, seu comportamento e até o jeito de cumprimentar as pessoas. E eu estava me vendo como uma mulher velha aos 54 anos. Porque eu já vestia só roupa de velha mesmo. Me preparando pra ser vó. (risos) E aquela fala dela foi decisiva pra mim, foi importante e tive uma transformação, mesmo. E falo sobre isso porque as pessoas têm um preconceito ainda com relação ao segundo casamento. É difícil? É! Porque os homens não querem mulheres da nossa idade. Mas você tem que se valorizar pra que eles possam te ver não pela idade que você tem, mas por quem você é”.

Janete Vaz e os netos

Joelma Ospedal

É jornalista e apaixonada por comunicação.

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