Ideologias em trânsito

Anda de Uber.
Sei que sim. Eu também.
Conhece a vida de quem presta serviços de transporte por aplicativos?
Bom. É cediço que a Uber, multinacional dos Estados Unidos, é uma empresa de tecnologia que possibilita, por meio de seu aplicativo, que motoristas autônomos encontrem pessoas que precisam de viagens acessíveis e confiáveis. Esta última promessa, insatisfatória.
As suas concorrentes, como a Cabify, a 99, mais conhecidas na condução de passageiros, e iFood, Uber Eats, Rappi, nos serviços de entrega ao consumidor (delivery), devem ser enquadradas na mesma e ampla definição.
Ringue pronto, é dado o sinal de início do confronto:
– Salário médio de um Uber: R$ 2.000,00, se ficar com o prolongamento das costas no banco e as mãos ao volante entre 10 e 12 horas/dia. É, mais numa capital, o parceiro fatura mais de seis mil reais por mês. É verdade, mas também é fake. O carro não roda sem que sejam feitas e pagas despesas, dentre tantas e as imprevisíveis com combustível, manutenção preventiva e reparos, seguro do veículo (e, eventualmente, de terceiros, os seus clientes ou passageiros), IPVA e licenciamento, higienização do carro, trocas eventuais de pneus.
Por suas características, destaco o motorista da cidade de São Paulo, por que não, e a sua invejável fortuna?
– receita mensal: R$ 6.428,57;
– gasto mensal: R$ 3.926,96 – desses, R$ 1.852,50 são com combustível (gasto total inclui combustível, IPVA e manutenção);
– Lucro (se nada der errado com a máquina de trampo): R$ 2.501.61.[i]
Acham que esqueci as taxas e comissões das plataformas. Não. Estas são despesas de primeira hora, prioritárias. Senão, a parceria com o app é rompida.
Estando o veículo de trabalho financiado, é seguir a via dolorosa do calvário do falso e decantado empreendedorismo, em que, por mutilação, tirando-se o empreende, sobra o dorismo. Esta partícula, ‘dorismo’, de origem grega, expressa bem a sobriedade – no sentido de tristeza profunda e caras fechadas – e a ausência de bases de colunas na arquitetura.
A arquitetura da exploração do homem que é lobo do homem, popularizada por Thomas Hobbes, filósofo e lógico, cientista político e intelectual inglês, aplica-se aos aplicativos sobre rodas.
Que bases ou reservas um Uber – aqui, substantivado pelo mal social e violência à dignidade da pessoa humana – consegue amealhar?
As férias do mês não dão direito às férias em família e com os chegados. Não acumulou centavo de real. Acumuladas estão ou ficarão as dívidas, os empréstimos – com os agiotas oficiais (bancos e fintechs) e os que dispõem de um exército ou guarnição de justiceiros e seus particulares e cruéis tribunais do crime.
Antes que caia em lágrimas, automutilando-se de dó dos donos da Uber, trago lenços e lençóis de algodão puríssimo, de cetim, para declinar estes dados:
– receita da Uber em 2023: 38 bilhões de dólares – some-se a isso a atualização pela inflação oficial do Brasil em 2024, de baixos 4,83%, e terá a correção mínima desse bolsa-família de Travis Kalanick e Garret Camp, seus maiores acionistas.
Sarcasticamente, só pra encerrar o papo, Travis travou na pose. O ex-CEO e fundador da Uber, nos últimos seis anos, não estaria mais a dirigir automóveis!
Aquele mesmo que teve que renunciar à direção executiva, por ter se metido em escândalos, que vão de queixas de assédio sexual, fraudes fiscais, comportamentos antiéticos em seus relatórios corporativos e centenas de processos trabalhistas por todo lado, está moralmente desnorteado, trocando o seu estofo por pilhas acolchoadas de dólares.
Vai uma balinha, uma aguinha! …
Todo radicalismo será castigado.
Théo Maia
[i] Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2024/07/17/stopclub-estimativa-ganho-motorista-de-aplicativo.htm