Dia do Jornalista tem origem na queda de d. Pedro 1º e em morte
NAIEF HADDAD – Se houvesse Datafolha em 1830, o instituto mostraria que a popularidade de dom Pedro 1º andava de mal a pior entre os mineiros. Oito anos antes, ainda como regente, ele havia feito viagem por Minas Gerais para conquistar apoio a fim de se contrapor à corte portuguesa. As articulações foram bem-sucedidas e contribuíram para que, em setembro de 1822, Pedro se tornasse o imperador. O Brasil anunciava, enfim, sua independência.
Em 1830, tudo seria diferente nas andanças do monarca pelas montanhas mineiras. Em dezembro daquele ano, dom Pedro 1º partiu rumo à província com a expectativa de ser louvado como antes. “Viagem impopular e melancólica”, escreveu o historiador Pedro Calmon no livro “A História da Civilização Brasileira”. Entre as razões para a receptividade fria, havia um caso trágico ocorrido poucas semanas antes, o assassinato de Líbero Badaró em São Paulo.
Apesar da precariedade das comunicações em um país de território enorme, mas população pequena (pouco mais de 5 milhões de habitantes), a notícia da morte do jornalista e médico se espalhou rapidamente. Além das decisões típicas de um déspota, como a criação de cargos vitalícios, o imperador se desgastava com episódios como o fracasso do Brasil na Guerra da Cisplatina, encerrada em 1828, e a crise econômica de 1829. O assassinato de Badaró, que se contrapunha em textos veementes ao pendor absolutista do monarca, engrossou o caldo da insatisfação.
Há 190 anos, em 7 de abril de 1831, dom Pedro 1º abdicou o trono. Cem anos depois, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) instituiu essa data como Dia do Jornalista em homenagem a Badaró. À frente do jornal paulistano Observador Constitucional, Badaró era um nome em ascensão entre os críticos do autoritarismo crescente do imperador, o que não significa que sua morte tenha as marcas de dom Pedro 1º.
Tudo indica, segundo os biógrafos de Badaró, que seu assassinato tenha sido ordenado pelo ouvidor Candido Ladislau Japi-Assu, nome forte da Justiça na província de São Paulo naquele período. No entanto, correram boatos país afora de que o monarca estava ligado ao crime.
A vida de Badaró daria um filme e tanto – e não só por ter sido o primeiro jornalista em atuação no Brasil a ser assassinado em razão do seu ofício. Nascido em 1798 em Laigueglia, pequena cidade na região da Ligúria, norte da Itália, o rapaz alto e magro estudou medicina em Pavia e Turim e botânica em Bolonha. Tinha, desde muito jovem, uma visão liberal, ou seja, defendia as liberdades individuais e a imposição de limites ao poder do Estado. Era tamanha a sua convicção que acrescentou Líbero ao nome de batismo.
Inquieto, Badaró se mudou para o Rio de Janeiro em 1826 e logo se notabilizou como “operador e parteiro”, nas palavras de Brasil Bandecchi, um de seus biógrafos, e no combate à epidemia de varíola. Nas horas vagas, dedicava-se aos estudos da vegetação tropical, pela qual ficou maravilhado. No Rio, conheceu o baiano José da Costa Carvalho, fundador de O Farol Paulistano, o primeiro jornal paulista impresso. A amizade deles se fortaleceu com base nas ideias liberais em comum.
Foi Carvalho quem convidou o amigo italiano a se transferir em 1828 para São Paulo, onde, além das atividades como médico, escrevia artigos para O Farol. Recém-criada, a Faculdade de Direito, no largo de São Francisco, precisava de professores, e Badaró se ofereceu para lecionar geometria. Daí em diante, sua casa se tornou uma extensão do ambiente acadêmico e, em meio às intensas discussões políticas, nasceu o Observador Constitucional, segundo jornal de São Paulo.
Médico, botânico e professor, Badaró passou a se dedicar também ao jornalismo. Surgia um homem de imprensa crítico e arrojado. “Sobre os atos do governo, diremos mui francamente o nosso parecer, tanto em louvor, como em contrário, sem por isso darmos nossas palavras por Evangelhos, ficando cada um livre de combater a nossa maneira de pensar, sendo que cada um pensa como sabe e como pode”, dizia o programa do Observador em sua primeira edição, de outubro de 1829.
Não foi esse, entretanto, o texto do jornal que ganhou peso histórico. Mais adiante, em uma série de artigos depois reunidos em livro, Badaró defendeu uma imprensa sem amarras com clareza jamais vista no incipiente jornalismo brasileiro. “Se não é a liberdade de imprensa que faça chegar ao ouvido dos imperantes o gemido dos oprimidos, qual será outro meio?”, escreveu.
Nos primeiros meses da Independência, dom Pedro 1º demonstrava uma tendência liberal. Mas, com o passar dos anos, passou a ceder às tentações absolutistas, postura que era alvo de Badaró e dos demais redatores do Observador. Não demorou para que o jornal passasse a incomodar o poder. E logo vieram as ameaças de morte ao jovem italiano. A rua de São José, onde Badaró morava, estava deserta na noite de 20 de novembro de 1830.
Ao voltar para casa, a poucos metros da faculdade, ele foi abordado por dois imigrantes alemães, que lhe fizeram uma pergunta com a intenção de confirmar a identidade do jornalista. Mal respondera, levou um tiro, que o acertou no abdômen. No dia seguinte, muito debilitado, Badaró disse aos amigos que o acompanhavam a frase que se tornaria célebre. “Morre um liberal, mas não morre a liberdade”, conforme relato de Joaquim Antonio Pinto Junior, estudante de direito que estava ao lado dele nos momentos finais.
A São Paulo de 1830 tinha cerca de 9.000 habitantes, e “quase toda a população”, como descreveu Augusto Goeta na biografia “Líbero Badaró”, acompanhou o enterro do jornalista de apenas 32 anos. Japi-Assu e os alemães foram julgados e absolvidos por um tribunal no Rio.
O Observador teve vida curta (13 meses), mas o jornalista tomou as memórias daquela geração e das seguintes. Em 1889, ano da Proclamação da República, a rua de São José, no centro da cidade, ganhou outro nome: Líbero Badaró.