Nos últimos meses, novas investigações expuseram um dos maiores esquemas de corrupção dentro do Poder Judiciário brasileiro, envolvendo a suposta venda de sentenças judiciais por desembargadores no Mato Grosso do Sul. Segundo reportagem do CNN, o caso, inicialmente conduzido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, agora, sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin, soma-se a outra investigação de suspeitas semelhantes no próprio STJ. Frente à gravidade do cenário, a reação da classe política, ou melhor, a ausência dela, levanta questionamentos profundos e perturbadores sobre a omissão do Congresso Nacional e as consequências dessa postura para a sociedade.
Não é novidade para ninguém que a corrupção, infeliz marca que permeia as instituições brasileiras, encontra-se presente também no Judiciário e no Ministério Público. No entanto, existe um aspecto diferenciado e mais complexo: ao contrário do Legislativo e do Executivo, o Judiciário é um poder amplamente protegido de fiscalizações externas e de responsabilizações efetivas. Poucos são os juízes e desembargadores que se tornam figuras públicas, o que torna ainda mais difícil para a sociedade acompanhar seus atos e cobrar transparência. E, infelizmente, ao invés de assumir a liderança na defesa da justiça e da transparência, grande parte dos parlamentares parecem reféns de uma aliança de interesses e temem confrontar o Judiciário – um temor que pode ter origem no velho adágio de “rabo preso”.
A necessidade de uma PEC para responsabilização efetiva
Um exemplo eloquente dessa inércia política é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa dar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o poder de aplicar sanções verdadeiras aos juízes que cometam crimes, incluindo a exoneração definitiva. Hoje, a pena máxima que pode ser aplicada é a aposentadoria compulsória, em que o magistrado condenado é afastado, mas segue com provento ajustado ao tempo de serviço, um privilégio impensável em qualquer país desenvolvido. Kim Kataguiri, deputado e coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), foi o autor e tem sido uma das poucas vozes a apoiar a PEC, trabalhando na sua relatoria desde o primeiro mandato. Apesar de suas tentativas de levar a proposta adiante, a PEC permanece engavetada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sem sequer ter sido pautada para votação.
Seis presidentes já passaram pela CCJ desde a entrega do relatório e, até hoje, a PEC permanece intocada. Tal comportamento ilustra o receio da classe política em abrir mão do confortável status quo, onde poucos, senão quase nenhum juiz, enfrenta consequências reais por crimes que prejudicam diretamente a sociedade. Esse medo de agir, disfarçado pela omissão, mantém intacta uma estrutura que beneficia apenas aqueles que integram os escalões mais altos do poder.
Uma justiça que se vende ao maior lance
A realidade revelada pela investigação envolvendo o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul é um escândalo por si só: a prática de venda de sentenças judiciais, onde decisões que impactam o patrimônio e a vida de pessoas são tratadas como mercadorias. Os desembargadores, ao negociar sentenças, traem o compromisso ético de imparcialidade, colocando interesses pessoais e ganhos financeiros acima do dever constitucional. Ainda mais alarmante é o fato de que o próprio STJ, órgão que agora autoriza a investigação do TJ-MS, também é alvo de inquérito semelhante no STF, sugerindo que a corrupção na justiça não é isolada, mas um fenômeno que permeia altos escalões.
Ao que parece, a impunidade generalizada no Judiciário encontrou um porto seguro nas brechas do sistema e na omissão do Congresso Nacional. O que vemos não é uma justiça cega, mas uma justiça de olhos bem abertos para vantagens e benefícios privados. E, ao que tudo indica, a classe política brasileira, especialmente aqueles no Legislativo, parece incapaz – ou relutante – de tomar qualquer ação contundente para enfrentar o problema. Estariam, portanto, nossos parlamentares tão imersos em relações e acordos velados com o Judiciário que se veem impossibilitados de exercer seu papel fiscalizador?
A função do Congresso vai muito além de legislar; cabe-lhe, também, defender o Estado de Direito e a justiça em sua forma mais íntegra. Entretanto, a omissão de nossos representantes deixa a população vulnerável a uma rede de poderosos magistrados que, caso sigam intocáveis, podem manipular sentenças e decisões com base em interesses pessoais, distantes das necessidades de justiça e equidade.
Ao deixar o CNJ sem poderes para aplicar sanções verdadeiramente punitivas e permitir que magistrados corruptos continuem a receber salários vitalícios após serem “punidos” com aposentadoria compulsória, o Congresso brasileiro age de forma negligente e complacente. Nos raros momentos em que a corrupção dentro do Judiciário se torna pública, como no caso atual, a resposta política se limita a meros murmúrios, sem qualquer ação efetiva. E assim, ano após ano, o cidadão comum continua desamparado diante de um sistema judicial onde, em muitos casos, o peso da balança depende da quantia oferecida.