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Minha trajetória em Franca: coragem e resiliência

Por Rosângela Valentino

Franca, minha cidade, tem uma história que se mistura com a minha e com tantas mulheres que aqui vivem, sonham e lutam. São 200 anos de uma cidade que, ao longo do tempo, cresceu e se transformou, mas sem perder sua essência. Franca é conhecida pelo trabalho e pela força de seu povo, e isso se reflete nas mulheres que fazem parte dessa história. Somos mães, filhas, trabalhadoras, empreendedoras e, acima de tudo, resistência.

Quando olho para Franca, vejo uma cidade moldada pelo esforço de tantas mãos femininas invisibilizadas, mas essenciais. Seja nas fábricas de calçados, nos comércios ou nos lares, as mulheres francanas sempre carregaram nas costas o desenvolvimento desta cidade, muitas vezes sem o devido reconhecimento. Ao longo desses 200 anos, conquistamos mais espaços e nossas vozes têm se tornado mais fortes.

Minha trajetória pessoal se entrelaça com essa história de luta e perseverança. Sou Rosângela Valentino, uma mulher preta, filha de uma mãe preta resiliente e de um pai branco racista, cuja postura opressora marcou profundamente minha infância conturbada. Cresci em um ambiente de violência doméstica e carência afetiva, enfrentando os desafios de sobreviver aos espancamentos e à falta de estrutura familiar. Uma das minhas maiores dores foi a perda de um dos meus irmãos, um homem preto e LGBT, que, devido ao preconceito do nosso pai, tirou a própria vida. Esse episódio devastador me aproximou das pautas LGBT e me impulsionou a lutar pelos direitos e pelo respeito dessa comunidade.

Franca é mais do que o berço do calçado; é uma cidade que pulsa cultura, educação e diversidade. Aqui, cada praça e cada rua guardam histórias. Caminhar por elas me faz refletir sobre como nossas lutas diárias constroem o amanhã para as próximas gerações de mulheres. Sou mãe de cinco filhos, que criei sozinha com amor e determinação. Ao longo dos anos, três dos meus filhos se assumiram LGBT, reforçando ainda mais minha luta e meu compromisso com as causas que defendem a igualdade e a diversidade. Minha história como mãe, ativista e mulher é marcada pela transformação da dor em força, e do amor em ação.

Há 7 anos, fundei a organização da sociedade civil Coletivo Arco-Íris, a primeira OSC da cidade que oferece, entre outros serviços, apoio à população LGBT+. Esse trabalho voluntário tem sido uma forma de empoderar mulheres e construir um espaço onde todas possam se sentir representadas e respeitadas. É sobre continuar lutando para que mulheres negras, mulheres transexuais e mulheres da periferia sejam cada vez mais acolhidas e ouvidas.

Como chef de cozinha, encontrei na culinária uma forma de expressar minha arte e sustentar minha família. Atualmente, estou escrevendo um livro autobiográfico intitulado “As Filhas de Maria”, uma obra que quero que seja um testemunho inspirador sobre minha jornada, marcada por desafios, resiliência e conquistas. Sou também a idealizadora do projeto social Almoço Solidário. Esta iniciativa já ajudou mais de 17 mil famílias em situação de vulnerabilidade social, oferecendo refeições dignas e acolhimento em tempos de necessidade.

Celebrar os 200 anos de Franca é também reconhecer a importância do olhar feminino na construção dessa cidade. É dar voz a nós, mulheres francanas, que carregamos no peito orgulho, amor e a esperança de um futuro mais justo e igualitário. Porque Franca não é apenas uma cidade: é a casa onde nossas histórias se encontram, onde nossa força se multiplica e onde, juntas, continuaremos a fazer história.

Considero minha vida um exemplo de coragem e, em que pesem as dificuldades, quero ser agente de transformação social e que minha trajetória seja um farol de esperança para a comunidade preta, LGBT, mães solo e para todos que acreditam no poder da solidariedade e do amor.

Rosângela Valentino é a fundadora do Coletivo Arco-Íris, a primeira OSC da cidade e idealizadora do projeto social Almoço Solidário

Esse texto faz parte da série "O que elas têm a dizer", idealizado pela colaboradora Soraia Veloso, em que escritoras de Franca homenageiam a cidade pelos 200 anos, comemorados no próximo dia 28 de novembro. Publicamos um texto por dia ao longo de mais de 40 dias, escritos por mulheres.

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