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“Sonhos costurados: do basquete de Franca à Seleção Brasileira”

Por Flávia Mildres

Nascida no dia 28 de novembro de 1981 às 23h55, minha mãe dizia que eu queria nascer no dia da Franca. E sobre a comemoração do meu aniversário, ela sempre me levava nas festas da cidade e dizia: “Vamos, filha, pode comer seu bolo”. Durante alguns anos, eu acreditava mesmo que aquela era a minha comemoração. Éramos bem pobres, e aquele bolo, por diversas vezes, era meu presente.

No quintal, meu pai construiu uma tabela de basquete, feita de vergalhões e arame, o suficiente para me dedicar ao sonho: basquete feminino de Franca. Minha primeira bola foi comprada com muito dedo furado, na costura manual e madrugada adentro. Eu chegava aos treinos na Quadra Poliesportiva Champagnat a pé. Quantas novidades! As primeiras viagens, restaurantes; aliás, vivências oportunizadas inicialmente pelo basquete. Lembro-me do dia em que uma grande empresa da cidade nos patrocinou e ganhei meu primeiro tênis novo. Fico emocionada com a grandiosidade experienciada nos Jogos Regionais de 1999. Nós, jogadoras do basquete feminino, tínhamos nossos nomes mencionados na imprensa, “na rádia”, fruto da nossa vitória invicta na competição, só “prata da casa”, a maioria de nós da periferia da cidade. Poucos meses após a morte do meu pai, meu grande incentivador, nunca me viu jogar em quadra.

Uma semana antes dos meus 17 anos, eu costurava sapato de madrugada, estudava pela manhã, treinava à tarde e à noite. Eram poucos momentos de descanso para que eu pudesse realizar meu sonho. Era uma sexta-feira, meu pai Flávio, daí o meu nome, não estava bem, tinha ficado o dia todo no pronto-socorro, não conseguia dormir, estava com dor no estômago. Sentou na sala comigo enquanto eu costurava e me perguntou se eu realmente estava me dedicando ao meu sonho. Eu olhei para ele com vergonha e respondi que não. Com um olhar de ternura, ele me disse que tudo que você quiser será necessário realmente se dedicar. Esse foi o nosso último encontro. Decidi me dedicar e, depois de seis meses, conquistei o meu maior título: Jogos Regionais 1999.

O esporte hoje brilha com a minha filha Agnys. Cada conquista é comemorada por todos nós, família e amigos. Este ano, ela foi convocada pela segunda vez para representar a Seleção Brasileira de Atletismo, primeira do ranking nacional sub-23. Sem dúvida, ela me superou em muito. Dedicação e superação marcam nossa jornada no esporte.

Do sono ao sonho, essa é minha história, nossa história! A trajetória do esporte nas nossas vidas e a herança que passei para minha filha Agnys, vinda do meu pai, sempre me emociona e me inspira.

Flávia Mildres é Tudão

Esse texto faz parte da série "O que elas têm a dizer" em que escritoras de Franca homenageiam a cidade pelos 200 anos, comemorados no próximo dia 28 de novembro. Soraia Veloso, escritora e francana de coração, é a idealizadora do projeto.

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