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Sonhos para as eleições

Mais uma vez, nos aproximamos de eleições municipais em Franca. Infelizmente, cada vez mais os candidatos a prefeito tem apresentado propostas genéricas e sem nenhum projeto de cidade. Quase não há mais sonhos ou utopias de transformação, só de tocar o dia a dia, uma disputa do poder pelo poder. O papel da arquitetura e do urbanismo como instrumento de apoio à transformação urbana caiu em descrédito e tem sido desconsiderado.

A maior parte da cidade é constituída por moradias, sejam de luxo, modestas, simples ou até mesmo barracos. Lugares onde as pessoas vivem e sonham, onde constituem e mantém suas famílias, agora cada vez menores e com um cada vez maior contingente de idosos, cujas necessidades são diferentes de vinte anos atrás. Claro que uma cidade não precisa apenas das casas em si, mas também de uma enorme infraestrutura para funcionar bem – redes de água e esgotamento sanitário, drenagem, vias pavimentadas, passeios caminháveis, energia elétrica, iluminação pública, serviços de coleta e disposição final de resíduos, sistemas de transportes, equipamentos de educação, saúde, cultura, lazer, espaços verdes e outros.

Essa enorme massa construída em loteamentos abertos ou fechados se articula com outros usos, os locais de comércio, da indústria, dos serviços, das instituições públicas e privadas, praças e parques. Enfim, a cidade para funcionar e ser boa precisa ter uma mistura de usos que garantam diversidade e viabilidade econômica às atividades privadas, um dos principais elementos a tornar a cidade mais rica, “inteligente” e criativa.

Franca, em seus 200 anos, caminha em sentido contrário ao que apregoam os urbanistas sobre as melhores cidades para se viver. Os problemas da cidade do ponto de vista físico são semelhantes ao das principais cidades brasileiras: empregos concentram-se em poucas regiões, insegurança, avanço e controle pela criminalidade de determinados territórios, violência no trânsito, transporte coletivo precário, aumento de moradores de rua, baixa renda da maioria para pagar aluguel ou manter as prestações da casa própria, concentração das moradias da população de maior renda em espaços segregados, poucas opções de acesso a atividades de lazer e cultura em parques, praças esportivas, museus e centros culturais públicos de qualidade.

Para tentar qualificar o debate sobre a cidade que queremos, gostaria de colocar alguns pontos de reflexão aos candidatos sobre o urbanismo local e algumas utopias. Lembro que nos anos 60-70, foram sonhos utópicos a FRANCAL, o Distrito Industrial, as grandes avenidas, os calçadões, ideias presentes no Plano Diretor – PD da cidade e que acabaram se tornando realidade ao longo de vários mandatos. Não entro no mérito dessas ações, mas parece que os últimos prefeitos pensaram apenas no presente. Para eles não existe crise climática, atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS é coisa de acadêmicos distantes da realidade da administração pública, projetos de longo prazo são dispensáveis.

Enfim, o que vemos hoje? Em primeiro lugar, a expansão territorial sem limitações. Para ser sustentável no futuro, a cidade precisa conter a mancha urbana e ocupar os vazios. Avançar sobre a bacia do Canoas deixando 40 mil terrenos vagos e 22 mil construções desocupadas, além de enormes glebas rurais dentro da mancha urbana existente, significa irresponsabilidade de nossa geração ao empurrar a cidade para a insustentabilidade, a conta virá no futuro logo ali. Sei que o poder do setor imobiliário tornou-se avassalador, mas a sociedade e o poder público precisam se dar conta do preço que pagaremos todos pelo máximo lucro de alguns poucos em detrimento da maioria.

Em segundo lugar, para enfrentar essa questão da expansão, a Prefeitura precisa inverter os sinais e avançar em duas frentes: de um lado, fazer cumprir a função social da propriedade urbana implantando o IPTU progressivo, a edificação compulsória e de outro, incentivar a ocupação do existente. É preciso criar um “gabinete de projetos” que articule a prefeitura, o setor imobiliário, proprietários de imóveis vagos ou edificações obsoletas e financiamento para a criação de novos negócios em áreas críticas para ocupar espaços desocupados. É preciso retomar com urgência o Programa de Gestão Integrada Centro previsto no PD, fazendo com que o enorme parque imobiliário construído da região seja plenamente usado, recuperando o uso habitacional no centro. Para isso, é preciso construir uma política pública que junte as questões sociais e econômicas às físicas.

Isso passa por remodelar passeios para torná-los caminháveis, reduzir o uso de automóveis no centro com pequenos veículos de transporte público com tarifa zero, reduzir a poluição visual e fiscalizar a ocupação irregular dos espaços públicos (com uma lei “Cidade Limpa”), ampliar as atividades dos equipamentos públicos existentes de cultura, recuperar o patrimônio histórico e usar os edifícios públicos centrais hoje abandonados como o Champagnat, a antiga UNESP, o centro de saúde com usos que valorizem a arte e a economia em parceria com a iniciativa privada – exemplifico com a criação do “Palácio do Café” na antiga UNESP, onde seria realocado um pequeno centro administrativo do Estado com delegacias policiais, Procuradoria, um segundo Bom Prato, diretorias setoriais, MP, Defensoria, quase todos pagando aluguel hoje; o setor privado ocuparia parte do prédio com cafés, restaurantes, auditórios, salas de uso compartilhado, museu regional do café, lojas e produtos do setor, além de representações da própria UNESP com grupos de pesquisa. A Prefeitura poderia locar ali sua secretaria de apoio à economia, o Procon, salas de coworking para pequenas empresas e até mesmo um setor do edifício poderia ser utilizado com moradias para pessoas sozinhas de baixa renda através de locação social e um escritório de apoio social aos moradores de baixa renda no centro.

Já o antigo Colégio Champagnat poderia ser restaurado e transformado no “Palácio das Artes e da Cultura” – com a ampliação do arquivo histórico, instalação da Pinacoteca municipal e do Museu da Imagem e do Som em local adequado, salas para oficinas de arte e artesanato, ampliação do Museu de Ciências, instalações adequadas para a Escola de Música, auditório para debates e salas para exposições.

Em relação ao lazer e equipamentos esportivos, um próximo mandato poderia se dedicar à implantação de mais cinco parques na cidade, quatro deles já previstos no Plano Diretor: o da Vila Raycos, do Aeroporto, das Maritacas e do Líbano, solucionando passivos ambientais existentes há anos, e um novo, o da Chácara Archetti, que atenderia uma vasta região da zona oeste, a que mais cresceu nos últimos vinte anos incentivada pelo Plano Diretor.

É preciso também requalificar centros de bairros, com passeios e esquinas vivas, iniciativas simples e econômicas que podem mudar a cara do bairro, bem como as principais avenidas de bairros, implantando passeios, ciclovias e ciclofaixas de forma contínua e articulada, não como hoje, onde pedaços de ciclovias e de passeios são feitos e ficam subutilizados. O transporte coletivo também precisa de uma mudança efetiva – tem que ser prioridade de fato, melhorando sua qualidade com recursos no orçamento e não apenas para recapeamento e viadutos para automóveis como tem acontecido nos últimos 20 anos.

Há dezenas de prédios e terrenos públicos não utilizados, subutilizados, todos bem localizados. Parte poderia ser destinado a parcerias com o setor privado para produzir habitações de interesse social, como no terreno do antigo Detran na Estação, ou para atividades econômicas em parceria com a iniciativa privada como nos antigos pavilhões da Francal e o “esqueleto”.

Sim, não há recursos orçamentários para tudo isso no próximo mandato, nem no seguinte. Mas se não discutirmos e sonharmos agora o que fazer no futuro dando início aos projetos para buscar recursos em outras fontes de financiamento, nunca sairemos da mesmice e falta de imaginação onde estamos. Sonhos não envelhecem, já cantava Milton Nascimento.

Mauro Ferreira é doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor voluntário do mestrado em Políticas Públicas da UNESP-Franca.

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

5 Comentários

  1. Parabéns Mauro, estamos em momento super importante para refletir sobre o futuro de nossas cidades. A sua forma de escrever é muito clara e objetiva.

  2. Parabéns Mauro, realmente um SONHO, mas SUPER LÚCIDO, expõe a necessidade e trás a SOLUÇÃO. Se eu fosse candidato, queria muito, VOCÊ ME ORIENTANDO.

    1. Excelentes apontamentos e sugestões caro Mauro. Parabéns.. Em tempos distópicos em que infelizmente nosso mundo atualmente passa, seu texto promove sonhos a partir de uma perspectiva crítica e realista. Um refresco anímico no caminho de pensarmos uma cidade sustentável e mais eficiente para todo seu povo.

  3. Uma contribuição concreta para os grupos que se colocam para administrar a cidade. Tomara que assessores dos diversos candidatos tenham a humildade de levar em conta essas ideias e as apresentem para compor seus programas de governo.
    Obrigado, Mauro Ferreira, por colocar sua lucidez a serviço da comunidade.

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