Combate ao trabalho escravo: 17 pessoas são resgatadas em Patrocínio Paulista
Maior operação de combate ao trabalho escravo do país teve resgates também nas cidades de Penápolis, São José dos Campos e Taubaté
Vinte e três trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em quatro cidades do interior de São Paulo. Esse foi o resultado da terceira edição da Operação Resgate, que agrega a participação de seis órgãos públicos em operações de combate ao trabalho escravo contemporâneo e tráfico de pessoas em várias regiões do país.
Em Patrocínio Paulista, na região de Franca, a força-tarefa composta por MPT, MTE e PRF flagrou 17 colhedores de laranja em condições análogas à escravidão. Eles foram trazidos da cidade de Jales (SP) por um turmeiro, figura também conhecida como “gato”, para trabalhar na citricultura. Eles não tinham registro em carteira de trabalho e ganhavam por produtividade.
Foram alojados em condições degradantes. O local de moradia carecia de higiene e conforto, uma vez que não comportava o número de residentes, por ser bastante pequeno. Parte dos trabalhadores dormia na parte externa da casa, em uma área avarandada, em colchões distribuídos pelo chão, sujeitos ao frio e a outras intempéries. Dois trabalhadores dormiam dentro de uma piscina desativada, feita de fibra, também na área externa.
Um dos quartos foi improvisado na cozinha, onde há um fogão a lenha. Parte dos colchões possuía baixíssima densidade. Não havia armários ou local para guarda de pertences, e sequer era fornecida roupa de cama ou cobertores pelo empregador. A estrutura do alojamento se mostrava bastante precária. Um único banheiro era disponibilizado aos migrantes, em total desconformidade com a norma trabalhista.
Segundo depoimentos, nas frentes de trabalho não eram disponibilizados equipamentos de proteção individual, sanitários ou locais para refeição e proteção contra intempéries.
O empregador celebrou TAC com o MPT, se comprometendo a sanar todas as irregularidades apontadas e a cumprir a lei trabalhista, sob pena de multa por descumprimento. Os trabalhadores receberam verbas salariais, rescisórias e indenizações por dano moral individual. Eles retornaram à sua cidade de origem, tendo o empregador assumido os custos com transporte e alimentação. Os auditores fiscais efetuaram o resgate de condições análogas à escravidão e garantiram a emissão de guia de seguro-desemprego. O MPT instaurou inquérito para investigar a empresa tomadora dos serviços de colheita.
A Operação Resgate é a maior ação conjunta nacional já realizada, com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Em todo o país foram resgatados 532 trabalhadores de condições análogas à escravidão, em 222 inspeções realizadas por mais de 70 equipes de fiscalização.
Nas forças-tarefas que atuaram no interior de São Paulo participaram representantes do MPT, MTE, DPU, PF e PRF. Também foram efetuados resgates nas cidades de Penápolis, São José dos Campos e Taubaté. Além destes, outros municípios receberam ações fiscais, em um total de oito termos de ajuste de conduta (TACs) celebrados com os contratantes.
Os empregadores flagrados submetendo trabalhadores a essas condições tiveram que interromper as atividades e formalizar o vínculo empregatício dessas pessoas, além de pagar as verbas salariais, rescisórias e indenizações individuais aos trabalhadores. Cada um dos resgatados também receberá três parcelas do seguro-desemprego especial para trabalhador resgatado, no valor de um salário-mínimo cada. Os empregadores pagarão multas administrativas e podem responder a ações criminais.
“A atuação planejada e articulada é uma resposta efetiva das instituições à prática criminosa de redução de trabalhadores à condição análoga a de escravos. Esperamos que este trabalho interinstitucional seja intensificado, por meio da realização de novas edições da Operação Resgate, o que fortalece sobremaneira a repressão e o combate à prática”, explica Marcus Vinícius Gonçalves, coordenador regional da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas).
Chácara em Taubaté (SP) – Em Taubaté, na região do Vale do Paraíba, um trabalhador contratado por uma família como caseiro de uma chácara, sem registro em carteira de trabalho, foi resgatado de condições análogas à escravidão. No período da prestação de serviços, um total de 2 anos e 4 meses, os empregadores pagaram apenas uma remuneração de R$ 350,00 no primeiro mês de trabalho ao idoso de 63 anos, além de uma cesta básica. No restante do período, os empregadores deixaram de pagar qualquer salário, e deixaram de entregar a alimentação ao trabalhador, e também aos 4 cães cuidados pelo caseiro, todos de propriedade da família contratante. O trabalhador era obrigado a dar da própria comida, obtida através de doações dos vizinhos, para garantir a sobrevivência dos animais.
Para constranger e incitar o trabalhador a deixar a casa, os empregadores retiraram todos os móveis da propriedade, deixando apenas uma cama e uma geladeira antiga. O trabalhador cozinhava utilizando lenha, recolhida na própria chácara; depois de certo tempo ele recebeu a doação de um botijão de gás e de um fogão velho de um vizinho da chácara. Os pomares com frutas contribuíram para a subsistência do trabalhador.
O chuveiro também foi retirado pela família, e a água foi cortada. O caseiro tomava banho de água gelada, retirada de um poço artesiano, que fluía por meio de um simples encanamento. Ele bebia a mesma água, retirada do poço com bastante sujeira, não sem antes fervê-la no fogo à lenha. Devido a problemas de saúde, que limitaram muito a locomoção do trabalhador (ele usava duas bengalas improvisadas), ele enfrentava grandes dificuldades para retirar a água do poço.
O MPT e a DPU celebraram termo de ajuste de conduta (TAC) com os empregadores, contemplando o registro retroativo do trabalhador e o pagamento de todas as verbas salariais e rescisórias devidas. O acordo prevê cláusulas com obrigações de manter a regularidade trabalhista, sob pena de multa. Os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego garantiram a emissão da guia de seguro-desemprego do trabalhador resgatado, e ele foi removido para um abrigo municipal pela Secretaria de Assistência Social do Município de Taubaté.
Resgatados em borracharia de São José dos Campos (SP) – Em São José dos Campos, a força-tarefa efetuou o resgate de dois trabalhadores em uma borracharia. Eles trabalhavam e moravam dentro do estabelecimento, em um “puxadinho”: um deles, um trabalhador idoso, dormia em um cômodo pequeno, sem ventilação, onde cabia apenas um colchão; o outro dormia no “telhado” do cômodo improvisado, ou seja, acima do dormitório, onde não havia sequer um colchão, sem proteção contra chuvas e intempéries. Ambos utilizavam o banheiro do estabelecimento, que carecia de salubridade e higiene, e cozinhavam em uma panela elétrica em meio à sujeira da borracharia.
Além disso, não possuíam registro em carteira de trabalho ou garantia de pagamento salarial com base no salário-mínimo. Havia ausência completa de equipamentos de proteção individual.
Os auditores fiscais efetuaram o resgate de condições análogas à escravidão, emitindo as guias de seguro-desemprego para ambos. Foi celebrado TAC com o empregador, contemplando o pagamento de dano moral individual aos trabalhadores resgatados, que foram removidos do local com o apoio da Assistência Social do Município de São José dos Campos. O acordo também possui cláusulas com obrigações de fazer e não fazer, prevendo a regularização de conduta e proibindo a prática de novas irregularidades, sob pena de multa. O caso já é investigado pela Polícia Federal, cuja perícia compareceu no local para elaborar um laudo das condições degradantes verificadas.
Olaria em Penápolis (SP) – Em Penápolis, região de Araçatuba, a força-tarefa resgatou três trabalhadores de condições análogas às de escravo. Eles trabalhavam em uma olaria, às beiras da rodovia, na zona rural da cidade. Todos estavam sem registro em carteira de trabalho.
Os integrantes da operação vistoriaram os alojamentos dos trabalhadores, que se encontravam anexos às frentes de trabalho. Eles residiam no local com seus familiares. As condições de moradia eram degradantes, com total falta de higiene, grandes rachaduras nas paredes (com risco de desmoronamento), fiação elétrica exposta, ausência de portas entre dormitórios e banheiros, uma parede improvisada que separa as residências, com ausência de privacidade entre as famílias alojadas (inclusive com crianças).
Foi realizado o resgate dos trabalhadores pelos auditores fiscais, com emissão de guias de seguro-desemprego. O MPT e a DPU assinaram TAC com os responsáveis, prevendo responsabilidade solidária entre o dono da terra, empresa arrendatária e um terceiro que aparentava ser o real empregador, no cumprimento de obrigações trabalhistas e no pagamento de verbas rescisórias e indenizações por danos morais individuais para cada trabalhador. Os beneficiários, que são originários de Penápolis, receberam as verbas devidas e se encaminharam para residências de familiares na região.
Denúncias – As denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas de forma remota e sigilosa pelo site www.mpt.mp.br, pelo aplicativo Pardal (disponível no Google Play e App Store) ou pelo Disque 100.
Números gerais – Os dados das ações de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil estão disponíveis no Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas (smartlabbr.org/trabalhoescravo), mantido pelo MPT e pela OIT. Há também informações no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, por meio do endereço: Link
Outras edições – Em 2021 foi realizada a primeira edição da Operação Resgate, com a realização de 128 fiscalizações distribuídas em 22 estados brasileiros e no DF. Na ocasião, foram resgatados de condições análogas às de escravo 136 trabalhadores, sendo cinco imigrantes e oito crianças e adolescentes.
Em 2022, a Operação Resgate II resultou no resgate de 337 trabalhadores de condições análogas à escravidão, sendo cinco crianças e adolescentes e quatro migrantes de nacionalidade paraguaia e venezuelana. Pelo menos 149 dos resgatados foram também vítimas de tráfico de pessoas.