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Ciscando Aventuras

FILME: Happy endings

(2023. Diretores: Tal Granit, Sharon Maymon, baseado na peça Sof tov, by Anat Gov).

Buscando cuidados médicos longe dos olhos do público, a atriz de Hollywood Julia se encontra em um pequeno hospital britânico. Ao aceitar seu diagnóstico, Julia começa a se relacionar com um grupo de mulheres do mesmo centro.

Uma comédia feminina comovente sobre quatro mulheres rindo diante da adversidade. Aliás, quatro artistas que fazem a diferença, já que o filme é o diálogo intenso entre elas e suas histórias de vida.

Julia Roth (Andie MacDowell), uma estrela de Hollywood um tanto quanto esquecida, descobre que tem câncer no dia em que a peça do West End que seria sua volta aos palcos é cancelada. Enquanto busca tratamento em uma clínica, ela conhece três mulheres britânicas únicas e notáveis – uma velha roqueira, uma jovem mãe muçulmana e uma professora aposentada e solteirona. Juntas, elas a ajudam a enfrentar sua nova realidade com humor e amizade enquanto a preparam para o papel mais desafiador que ela já teve… ela mesma.

POR QUE GOSTEI:  é um filme sem grandes pretensões, aquilo que chamaríamos no século passado de “sessão da tarde” e os mais antigos, feito eu, de “filme de matinê”.   Mas eu vi nele um despojamento: leituras honestas sobre a vida e a morte.  O que fazer na hora de tomar uma decisão que pode dar um sentido final à vida?  Algo que – os que se ocupam não só do momento presente – acontece quando envelhecemos e sabemos que temos finitude. Quando saímos da “pegada adolescente” e sabemos que não teremos todo o tempo do mundo para nossos sonhos, desejos, expectativas.  Ou colocamos a mão na massa para realizar o que quer que seja, ou o tempo nos come vivos.  E…acaba a vida…ou a disponibilidade…ou…

 Falar sobre a morte é sempre difícil, complexo. O paradoxal desta conversa sobre tema doído é que ela pode nos tornar muito mais vivos, alertas, acordados, reverentes ao que temos; até gratos ao que não temos, não tivemos e não teremos. Pois que, afinal, há coisas que precisam ter fim, para que novas experiências brotem e nos surpreendam.  Estejam avisados: o filme pode ser simples, até mesmo para alguns pode ser clichê, mas o tema e a vivência – também dele – é complexa e pode interessar. Nos diálogos, algo que está meio fora de moda nos filmes atualmente…(ou no dia a dia?)

LIVRO:  “1984”

(DE George Orwell, ed. Companhia Editora Nacional,  17. Edição, 1984. 277 páginas).

Publicada originalmente em 1949, a distopia futurista 1984 é um dos romances mais influentes do século XX, um inquestionável clássico moderno. Lançada poucos meses antes da morte do autor, é uma obra magistral que ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder totalitário.

Winston, herói de 1984, último romance de George Orwell, vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância do Big Brother, a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito, além de vazio de sentido histórico. De fato, a ideologia do Partido dominante em Oceânia não visa nada de coisa alguma para ninguém, no presente ou no futuro. O’Brien, hierarca do Partido, é quem explica a Winston que “só nos interessa o poder em si. Nem riqueza, nem luxo, nem vida longa, nem felicidade: só o poder pelo poder, poder puro”.

Quando foi publicada em 1949, essa assustadora distopia datada de forma arbitrária num futuro perigosamente próximo logo experimentaria um imenso sucesso de público. Seus principais ingredientes – um homem sozinho desafiando uma tremenda ditadura; sexo furtivo e libertador; horrores letais – atraíram leitores de todas as idades, à esquerda e à direita do espectro político, com maior ou menor grau de instrução. À parte isso, a escrita translúcida de George Orwell, os personagens fortes, traçados a carvão por um vigoroso desenhista de personalidades, a trama seca e crua e o tom de sátira sombria garantiram a entrada precoce de 1984 no restrito panteão dos grandes clássicos modernos.

POR QUE GOSTEI:  a maior ironia da série, criada pela Globo, e capitaneada por muito tempo por Bial, foi chamá-la de Big Brother.  Quem gosta de assistir o “zoo humano”, via telinha, precisa ler este livro, 1984, e ampliar a percepção da complexidade que vivemos, tendo a vida exposta publicamente, até mesmo controlada, quando nos distraímos do Poder de um sistema que nos engole vivos. Como que nos tornamos marionetes, personagens de um enredo que não escolhemos, não pensamos, não decidimos.  Decisão é um sentimento, e implica em ser fiel ao que se acredita, ser fiel aos valores que escolhemos viver.  Hoje, quase que um heroísmo cotidiano tentar viver sem nos curvar ao grande poder do dinheiro, da política que visa apenas ganância e reprodução do poder.

Ler se faz imprescindível em um mundo em que somos lidos todos os dias pelas empresas e suas estatísticas, pelas mídias que nos vigiam, recolhem dados (muitas vezes à nossa revelia, sem que percebamos) visando estimular o consumo e, assim, nos consumir. O dia engole o outro, a vida pode engolir a vida. “É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte.” (Caetano Veloso)  

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicanalista pela Sociedade de Psicanálise de São Paulo e mediadora de leituras, participante do projeto Rodalivro, membro da Academia Francana de Letras. Correspondente da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

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