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Ciscando Aventuras

FILME: As Nadadoras

(Filme de 2022, Diretora: Sally El Hosaini, 135 minutos)

Duas irmãs deixam a Síria devastada pela guerra e percorrem um longo e perigoso caminho em busca de um novo lar. As duas são apaixonadas por natação e sonham em competir nas olimpíadas do Rio em 2016. 

O filme é baseado na história real das irmãs Mardini, refugiadas sírias que fugiram da guerra e tiveram que nadar por suas vidas. Hoje, Yusra é atleta Olímpica e Embaixadora da Boa Vontade do ACNUR.

POR QUE GOSTEI: eu gosto de filmes que se baseiam em pessoas que realmente viveram o que vemos retratado na tela do cinema.  Claro que exige mais do roteirista, e do diretor.  Para falar da realidade é preciso sonhar, pois que a realidade crua e nua não apresenta a essência do que é mais importante.  O essencial é invisível, já dizia o poeta Éxupéry: é difícil enxergar o óbvio quando ele é tão repugnante aos nossos valores, quando o que mais queremos é evitar ver, saber, sentir.  É o caso dos imigrantes (refugiados) que, por estarem vivendo guerras e não terem recursos econômicos para se protegerem, são obrigados a migrar, confiando que encontrarão espaço mais hospitaleiro.  Sabemos que há milhões de pessoas que estão – agora – fugindo dos países de origem, por absoluta necessidade de sobrevivência, e não estão encontrando guarida.  Sabemos pelos frios noticiários de números astronômicos, que mal conseguimos imaginar.  Então, quando um diretor resolve contar a história de duas refugiadas, e a trajetória heroica que foram levadas a transitar, sentimos, vemos, passamos a saber o que é a vida de quem foge do país, deixando família, casa, abrigo, para enfrentar o desconhecido, em busca de um mundo mais justo e melhor.  A Síria foi destruída, sabemos pelos noticiários, mas sentimos, sabemos a crueza da vida, a crueldade humana, pelos olhos destas duas irmãs. (continua após a publicidade)



Mais não digo, para que vivam a emoção que vivi ao ver este admirável filme.  Também me emociona saber que foi uma diretora, Sally, 46 anos, galesa egípcia, quem dirigiu o filme, querendo focar mulheres árabes modernas, que fogem do estereótipo de vitimizadas e-ou religiosas.

O LIVRO: Terra Sonâmbula

(Mia Couto, ed. Caminho, 1992, 206 páginas)

Livro: Terra Sonâmbula - Mia Couto | Estante Virtual

Ganhou o Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos (1995) e foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela Feira do Livro do Zimbábue. Foi reeditado no Brasil pela Companhia das Letras – é um romance em abismo, escrito numa prosa poética que remete a Guimarães Rosa. Couto se vale também de recursos do realismo animista e da arte narrativa tradicional africana para compor esta bela fábula.

Dois personagens: Muidinga é um menino que sofreu de amnésia e foi resgatado por Tuahir, ele é um velho que passa seu tempo ensinando a Muidinga novamente tudo sobre o mundo. Eles estão fugindo dos conflitos da Guerra Civil em Moçambique.(iniciou em  30 de Maio de 1976 e terminou 15 anos, 11 meses e 5 dias depois, no dia 4 de Outubro de 1992. A causa deste conflito foi a divergência de ideais políticos entre os partidos FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). Eles são respectivamente uma partido socialista e o outro capitalista.  O autor, Mia Couto participou desta Guerra, deixando de seguir uma carreira de Medicina para se dedicar à luta, como jornalista.

Mia Couto, neste livro, mostra como foi influenciado pelo nosso Guimarães Rosa, e sua prosa poética evoluiu nos muitos livros que escreveu.  Quando o li, pela primeira vez, neste livro, pensei estar lendo um autor negro. Foi uma surpresa grande saber que era um loiro de olhos claros, filho de portugueses, que abraçaram a nação africana, Moçambique.  País que teve, como o Brasil, colonização portuguesa.

POR QUE GOSTEI:  os horrores da guerra são relatados entre uma criança e um velho.  Guerra é tema que deveria ser tratado com as crianças, nos seus horrores, para que, crescidos, não se deixassem envolver.  A perversidade da guerra se vê nos jovens, adolescentes, recrutados para disputas que mal reconhecem os sentidos, e perdem suas vidas, ou carregam traumas que impedem que vivam suas vidas pós-guerra, mutilados no corpo e na alma.

Ler Mia Couto é um encantamento – somos transportados para a riqueza cultural da África, através de histórias humanas que relatam a dura luta pela sobrevivência física, psíquica, espiritual.    Mia cria palavras que evocam universos de sentidos.  Nas suas palavras, a África respira, transpira, sangra e dança. Canta.  

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicanalista pela Sociedade de Psicanálise de São Paulo e mediadora de leituras, participante do projeto Rodalivro, membro da Academia Francana de Letras. Correspondente da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

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