Lulu Santos diz que novo single ‘é o oposto da luta de classes, é romance de classe’
Lulu Santos já perdeu a conta de quantos hits teve na carreira. Mas o maior deles, como canta em seu novo single, “Hit”, é o marido, Clebson Teixeira. “É uma declaração de amor. É mais do que isso. É a compreensão do acerto que é esta relação, e o bem que faz para a vida. Não só do ponto de vista afetivo, sexual, toda sorte de confirmação de desejos, fantasias, vontades, mas também porque é uma vida de contribuição. Existe um acordo mútuo de um trabalhar pelo outro, pelo bem-estar do outro, de ser realmente um par, né?”
A nova música, lançada agora, traz Lulu cantando que “teve sorte na vida”, também um reconhecimento de uma trajetória bem-sucedida e privilegiada no mundo artístico. “Estou biograficamente contando desde o momento em que eu ralei, ralei, em que eu nadei, remei até deslizar numa onda e arrebentar na parada.” Em tom otimista, “Hit” celebra o sucesso e o amor em tempos de pandemia, nos quais os privilégios estão ainda mais escancarados. Mas a música, diz Lulu, não toca em questões de desigualdade social.
“O grande acerto é o Clebson, que é um menino jovem, identificado na carteira de identidade como pardo, gay, filho de lavradores. É a primeira pessoa da família em cinco gerações a se formar numa faculdade”, diz o cantor. “Então, estava meditando que isso é o oposto da luta de classes, né? É romance de classe.” Com “Hit”, Lulu também inaugura um novo momento na carreira. É agora cantor independente, depois de décadas em gravadoras. “Eu precisava dessa independência, ser dono e sobretudo responsável por tudo que estou fazendo. Cada centavo do que está sendo gasto com clipe, gravações, estúdio, músicos “tudo isso é bancado por nós. A gente prefere isso a uma interferência. E também o fato de que sempre o contrato da gravadora é muito leonino, né? A essa altura do campeonato, a gente tem que ser mais dono do próprio destino.”
Aos 68 anos, o cantor diz que é quase uma enciclopédia da indústria fonográfica. Isso porque viveu quase todas as transformações tecnológicas da música gravada, desde quando começou registrando músicas em vinil até atualmente, em que “Hit” foi a música da carreira de Lulu com o processo mais rápido entre criação, gravação e lançamento.
Os CDs, pelo menos para o cantor, se tornaram objetos obsoletos. Não sei a quanto tempo não uso um compact disc. Olho para o objeto, acho aquilo muito antiquado, e estamos na era do streaming, que modifica tudo. É um pouco como a invenção da escrita e depois da imprensa, sabe? A tecnologia muda e eu tenho sido uma testemunha.
Sem muito saudosismo, Lulu diz que ouve música no streaming apesar de não ter intimidade com o formato de playlists e de vez em quando sintoniza uma das rádios da BBC, de Londres. Fico ouvindo o que a música urbana contemporânea inglesa produz. É tudo superinteressante. Muito afropop, muito dancehall, que está tendo uma volta. E eles também repercutem muito o hip-hop e o R&B americano, que são as coisas que eu de fato gosto de ouvir.
Mas, pelo menos em Hit, Lulu não parece tentar absorver o pop atual. Na verdade, assim como a letra, a faixa soa como um tributo à sonoridade pop rock que o transformou numa das grandes estrelas da música nacional. Tem a ver com a produção de Liminha, com quem o cantor trabalha periodicamente desde 1982, quando saiu Tempos Modernos, o primeiro e hoje clássico disco de Lulu.
“Em ‘Hit’, absolutamente sem ser intencional, quando a gente viu, tava soando como uma coisa que a gente gosta, internacional, da década de 1980, sem querer ser oitentista ou retrô nem nada. A gente usou todas as tecnologias e referências contemporâneas, mas o jeito meio desformatado dessa coisa meio latina. É algo que vem desse caldeirão que a gente mexe junto.”
Hit integra um EP que Lulu promete lançar até o fim do ano. Entre outras quatro faixas, há um remix de Hit em reggae ritmo em alta na casa do cantor nesta pandemia, outra com a participação de Gabi Melim e até uma parceria inédita com Liminha. Apesar de serem companheiros por mais de 40 anos, a dupla nunca tinha escrito uma música em conjunto.
Ele me mostrou essa base, me mandou um áudio pelo WhatsApp, e eu fiquei escutando enquanto fazia exercício. Fiz uma letra, gravamos e é muito interessante, porque é diferente de qualquer outra coisa que eu tenha feito. Não tem condução musical, instrumental, de nenhuma natureza minha. Botei a letra, fiz a melodia, cantei lá e é isso.
Vacinado, Lulu lembra que sua música A Cura, feita nos primeiros momentos da epidemia da Aids, ganhou novo significado com o coronavírus. Ele até regravou, recentemente, a canção com Vitor Kley, cantor pop de 26 anos que estourou nas rádios com a música O Sol. Mas, apesar de celebrar a criação rápida de uma vacina contra a Covid-19, algo que não aconteceu com o HIV até hoje, o cantor lamenta o ritmo lento da vacinação.
Estou louco para fazer show, para aglomerar, circular, viajar, poder deixar de ser um pária internacional, poder ter acesso aos países, às culturas e tudo que sempre se fez, né? E que o mundo já volta a fazer com uma certa desenvoltura e que aqui a gente, por essa vacinação lenta e ineficaz porque é necessário atingir uma um percentual da população vacinada para ter um caminho para imunização é o que mais me preocupa nesse momento.
Sem sair de casa desde o começo do ano passado, Lulu diz que continua vendo a melhor no futuro e aguarda o momento em que seu maior hit, ou melhor, seu marido, também vá receber a vacina. Minha preocupação é quando o Clebson vai vacinar. Ele tem 29 anos de idade. Diz o prefeito do Rio de Janeiro que até outubro a população estará toda vacinada. Acho ainda muito tempo em risco. Não queria que fosse assim. Mas é como é.